No período de cheia usinas têm que abrir comportas para escoar água; indígenas relatam que foram contrários na consulta prévia para instalação de complexo

Na aldeia Serrinha, água avançou sobre as casas (Divulgação)

 

Em Rondônia, as chuvas acima da média para o período do “inverno amazônico” também têm causado alagamentos e deixado muitas famílias desabrigadas e desalojadas. Líder indígena da Terra Indígena Rio Branco, Walderir Tupari relata que partes do território foram alagados e que famílias tiveram que deixar suas casas. E o fenômeno La Niña, atuando no Oceano Pacífico, aumenta ainda mais a intensidade das chuvas e a quantidade em toda região amazônica.

No caso da Terra Indígena Rio Branco (TI), o problema ainda é agravado por um complexo de oito Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) que foram instaladas no rio Branco, afluente do Guaporé, desde os anos de 1990. Tupari destaca que as PCHs mudaram o curso das águas e que ao abrir as compotas – por estarem cheias – isso gera ainda mais alagamento. Além do impacto sobre a biodiversidade, as hidrelétricas ameaçam a sobrevivência das famílias que vivem no território indígena.

Rio avança sobre a comunidade (Divulgação)

Quatro comunidades já foram impactadas pela cheia do rio: a aldeia Serrinha, Trindade, Nazaré e Colorado. “E a tendência é que a água siga avançando sobre outras comunidades, como a Estaleiro, que fica dentro da TI e a Palhal, localizada nas ilhas”.

Ainda não é possível calcular os prejuízos às famílias, mas muitas delas perderam o roçado, cafezal e tiveram que deixar suas casas. “Enquanto isso temos contado com o apoio de parceiros como a Kanindé, Comin e Coiab, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros que está indo aos territórios para verificarem a situação. Eles nos ajudam a nos locomover para essas aldeias”.

Walderir Tupari faz um apelo para quem puder ajudar com alimentos, produtos de higiene, medicamentos e água. “Ficamos preocupados com a saúde, pois muitas propriedades rurais do entorno utilizam produtos químicos em sua lavoura”, lamenta.

A chuva que começou há cinco dias deu uma trégua nesta sexta-feira (24), mas usinas liberaram as comportas, então, é possível que o fluxo das águas se intensifique. “E no seu caminho, enquanto vai secando já em alguns locais, outros ainda devem ser impactados. Temos que continuar monitorando. Nossa esperança é que a situação melhore”.

Sobre as PCHs, Walderir conta que os moradores das comunidades indígenas de dentro da TI sempre foram contra a instalação das usinas e sempre alertaram o poder público sobre os possíveis impactos. E eles vieram. Tanto é que atingem as famílias neste momento de chuvas atípicas.

“A gente sempre alertou. Temos observado que no período em que os peixes procriam nos igapós, as comportas são fechadas e automaticamente o rio seca. Já no período de procriação dos quelônios, quando no final de setembro se distribuem pela praia, as comportas são abertas e o rio enche. Então, um ciclo já se perde ali. Então, além dos peixes e quelônios, têm as famílias também, que estão sendo vítimas do alagamento dos territórios”, explica Tupari.

Desde o início da instalação das PCHs eles têm feito alertas. Afinal, não tiveram a chance de serem ouvidos no rito normal, porque nunca houve consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas. Alertas constantes foram feitos ao MPF, Funai e à Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam-RO), mas não obtiveram resultados.

Chuvas acima da média

O meteorologista do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Luiz Alves, disse ao G1 que as chuvas que atingem as cidades de Rondônia durante o mês de março estão, de fato, acima da média.

“As chuvas já estão acima do normal, isso porque a gente tem a influência do fenômeno La Niña, que está atuando no Oceano Pacífico e ele tem como principal consequência, aumentar a intensidade das chuvas e a quantidade em toda região amazônica”, explicou.

A média história de chuva do mês de março foi superada nos primeiros 21 dias do mês. De acordo com o Sipam, a normal climatológica 1961-1990 do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é de 273,9 mm, mas logo nos primeiros 21 dias do mês, o estado registrou um acumulado de 366,8 mm.

Segundo o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), uma Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) está atuando sobre a região e traz muitas nuvens carregadas que se espalham sobre o estado, trazendo muita chuva e o declínio da temperatura.

Ainda segundo o órgão, até o final de março, há previsão de mais chuva na capital, com volumes esperados superiores a 100 mm acumulados ao longo dos próximos dias.