Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Conteúdo originalmente publicado em Congresso em Foco

O comandante geral do Exército, general Eduardo Villas Bôas, desde junho de 2017 tem manifestado publicamente incômodo com o emprego das Forças Armadas para atuar na segurança pública, em ações de garantia da lei e ordem (GLO) – como a que estava em curso no Rio de Janeiro entre julho e dezembro do ano passado, agora substituída por um decreto de intervenção federal assinado pelo presidente Michel Temer na última sexta-feira (16). No dia 22 daquele mês, o militar participou de debate na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado e fez uma crítica enfática à medida recorrente no governo Temer.

Na ocasião, Villas Bôas reclamou inclusive do emprego de tropas militares para coibir manifestações em Brasília, em um dos grandes protestos realizados por movimentos sociais e centrais sindicais contra reformas sugeridas pelo governo Temer (leia o decreto formalizado por Temer em 31 de maio e revogado no dia seguinte). Esse tipo de providência, ponderou, é “desgastante, perigoso e inócuo”.

O último grande emprego nosso foi na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro. É uma comunidade de 130 mil habitantes. Nós ficamos lá por 14 meses. Eu, periodicamente, ia até lá e acompanhava o nosso pessoal, as nossas patrulhas na rua. E um dia me dei conta […]: os nossos soldados, atentos, preocupados, são vielas, armados; e, passando crianças, senhoras, eu pensei… estamos aqui apontando armas para a população brasileira! Nós somos uma sociedade doente”, lamentou o general, que foi aplaudido de pé por senadores ao final da audiência.

No Twitter, em 30 de dezembro, o militar também manifestou preocupação sobre o uso indevido das tropas em substituição às polícias. “Preocupa-me o constante emprego do @exercitooficial em ‘intervenções’ (GLO) nos Estados. Só no RN, as FA já foram usadas 3 X, em 18 meses. A segurança pública precisa ser tratada pelos Estados com prioridade ‘Zero’. Os números da violência corroboram as minhas palavras”, observou Villas Bôas.

Ordem do dia

O assunto da intervenção domina o noticiário e as discussões políticas desde a noite da quinta-feira passada (15), quando veio a público a informação o decreto presidencial. E, como este site tem mostrado desde cedo, teve o poder de fogo de sepultar a reforma da Previdência – sinalização que viria a ser confirmada há pouco com a decisão do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), de suspender a votação de propostas de emenda à Constituição (PECs), caso da reforma, enquanto durar a intervenção federal.

Contrária à reforma da Previdência, a deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ) foi escolhida relatora do decreto que  irá a voto no plenário da Câmara logo mais, às 19h. Ela sabe que as PECs não podem ser promulgadas enquanto perdurar intervenção da União em quaisquer dos entes federativos, nos termos da própria Carta Magna. Instada pelo Congresso em Foco as opinar sobre as chances de a reforma da Previdência ir a voto, a emedebista foi sintética: “Esquece”, gracejou. “Vai dormir em paz, que eu já estou em paz. Eu já estava, antes. Agora, mais do que nunca.”

Laura Carneiro sabe que o governo, embora não admita publicamente, vê cada vez mais distantes as chances de aprovação da reforma, considerada impopular por parte da sociedade. Sabe também que pode ser barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o “jeitinho” encontrado pelo Palácio do Planalto para manter as aparências de não desistência da proposta: Temer disse ter acertado com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), que suspenderia a intervenção caso conseguisse os 308 votos necessários para aprovar a PEC. Com a condição, prontamente aceita por Pezão, de que não seria desfeita a estrutura organizacional montada para que as Forças Armadas entrem em ação – general Walter Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste, à frente.

Em outro flanco, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), consultará o Supremo para saber se, enquanto a intervenção estiver em curso, o Parlamento pode ao menos discutir e votar a reforma, deixando para promulgá-la ao fim do decreto. Assim, a observância à lei estaria resguardada e nada mais haveria no caminho das mudanças pretendidas por Temer. Trata-se do mundo ideal imaginado e almejado por governistas, com base em entendimentos já manifestados por consultores do Congresso e juristas. Com o anúncio de Eunício, restaria a Temer suspender a intervenção, decisão difícil de ser tomada em meio ao surto de violência no Rio e ao clamor popular por segurança.