Florestas tropicais primárias são aquelas que nunca sofreram intervenção humana (Felipe Werneck/Ibama)

 

Em 2021 o Brasil liderou o ranking dos países que mais perderam áreas de florestas tropicais primárias, matas até então intocadas, conservadas desde os seus primórdios. Dos 3,75 milhões de hectares de perda global de floresta nativa, mais de 40% ocorreu no Brasil, o que corresponde a um total de 1,5 milhão de hectares.

O levantamento divulgado nesta quinta-feira (27) foi realizado pela Global Forest Watch, ferramenta da World Resources Institute, em parceria com a Universidade de Maryland, nos EUA. Ao todo, os trópicos perderam 11,1 milhões de hectares de cobertura arbórea no ano passado.

Com copas das árvores em pleno preenchimento e riquíssima biodiversidade, as florestas primárias são importantes para a conservação de solo e a dinâmica dos recursos hídricos. “As florestas tropicais primárias são áreas de importância crítica para o armazenamento de carbono e biodiversidade – equivalente a uma taxa de 10 campos de futebol por minuto. A perda de florestas primárias tropicais em 2021 resultou na emissão de 2,5 Gt de dióxido de carbono, o equivalente à emissão anual de combustíveis fósseis da Índia”, destaca o relatório.

Nos últimos anos, o Brasil tem registrado altas taxas de perda de florestas primárias. As baixas relacionadas a incêndios têm flutuado com base no nível de queimadas flutuantes com pico em 2020, na Amazônia e Pantanal.

Mas as reduções de áreas que não estão vinculadas aos incêndios tiveram uma alta de 9% de 2020 a 2021. Elas são mais associadas à expansão agrícola. Essa descoberta condiz com os dados do Prodes, sistema de monitoramento oficial brasileiro, que indica que em 2021, houve a maior taxa de desmatamento raso na Amazônia desde 2006, quando as medidas foram implementadas para reduzir drasticamente o desmatamento.

A Amazônia ocidental, em particular, enfrentou uma intensificação da perda de florestas primárias, com seus principais estados experimentando aumentos superiores a 25% na perda não causada por incêndio de 2020 a 2021. Esta parte da Amazônia tem vários hotsposts de perda de floresta primária, o que significa lugares que experimentaram uma aparência estatisticamente significativa de novas perdas em 2021.

Muitas das novas áreas prioritárias abrangem clareiras em grande escala – provavelmente para pastagens de gado – ao longo das estradas existentes. Algumas dessas estradas, como a BR-319 que segue de norte a sul no Amazonas, estão previstas para pavimentação e melhorias, o que já resultou em um aumento no desmatamento.

(Global Forest Watch)

 

(Global Forest Watch)

Desmatamento zero?

Com base nos dados do relatório é urgente que o o governo se apresse em conter novas áreas prioritárias de desmatamento. Afinal, além dos danos ambientais para o país e para o mundo, o governo brasileiro foi um dos que se comprometeu em “interromper e reverter a perda florestal até 2030”, quando assinou a Declaração dos Líderes de Glasgow de 2021 sobre Florestas e Uso da Terra. Ao todo 141 países assinaram o documento.

“A realização desse compromisso exigirá um declínio consistente na perda de florestas a cada ano pelo resto da década – um declínio que ainda não está acontecendo nos trópicos como um todo. As exceções são alguns países selecionados, principalmente Indonésia e Malásia, onde a perda de florestas primárias diminuiu significativamente nos últimos anos, e países como Gabão e Guiana, que perderam 1% ou menos de suas florestas primárias nas últimas duas décadas”.

Bolívia também registra recorde

A Bolívia também registrou uma perda recorde de florestas primárias devido a incêndios e agricultura em larga escala.

A perda de floresta primária na Bolívia atingiu seu nível mais alto já registrado em 2021, com 291 mil hectares, superando a Indonésia mais uma vez e tendo a terceira maior perda de floresta primária entre os países tropicais.

(Global Forest Watch)

Os últimos três anos viram taxas consistentemente altas de perda na Bolívia, com os incêndios representando mais de um terço da perda a cada ano. Assim como nos dois anos anteriores, em 2021 houve queima significativa de florestas primárias dentro de áreas protegidas. Incêndios na Bolívia são quase sempre provocados por humanos como parte dos esforços para limpar a terra, mas se espalham fora de controle devido ao clima seco e quente exacerbado pelas mudanças climáticas. A maioria das queimadas em 2021 ocorreu no departamento de Santa Cruz, embora o governo esteja trabalhando para restaurar as áreas afetadas.

Santa Cruz também é o epicentro da agricultura em grande escala do país, como soja e pecuária, que responde por grande parte da perda de florestas primárias não causadas por incêndios em 2021. Embora a Bolívia tenha muito menos produção de soja do que os países vizinhos, a maior parte de sua expansão de soja ocorreu às custas das florestas.

Florestas boreais

E não são apenas as florestas tropicais que preocupam. As florestas boreais – principalmente as da Rússia – sofreram uma perda de cobertura arbórea sem precedentes em 2021, em grande parte impulsionada por incêndios.

Fora dos trópicos, as florestas boreais experimentaram as maiores taxas de perda de cobertura arbórea em 2021. Embora a perda de cobertura arbórea nas florestas boreais raramente resulte em desmatamento permanente, a taxa de perda atingiu níveis sem precedentes em 2021, aumentando 29% em relação a 2020. Essas florestas perenes de alta latitude estão cada vez mais ameaçadas pelas mudanças climáticas, com condições mais quentes e secas levando ao aumento de incêndios e danos causados por insetos.

Uma temporada de incêndios sem precedentes na Rússia impulsionou grande parte desse aumento. A Rússia passou pela pior temporada de incêndios desde o início dos registros em 2001, com mais de 6,5 milhões de hectares de perda de cobertura arbórea em 2021.

Embora os incêndios sejam uma parte natural dos ecossistemas florestais boreais, incêndios maiores e mais intensos são preocupantes. O clima mais quente e seco relacionado às mudanças climáticas levou a condições propensas ao fogo, turfeiras mais secas e gelo permanente do subsolo derretido.

A vasta área de turfeiras da Sibéria – a maior do mundo – armazena grandes quantidades de carbono, que é liberado na atmosfera quando a turfa seca. O derretimento do gelo permanente do subsolo também libera carbono e metano armazenados. Essas condições podem representar um novo normal, impactando as pessoas que vivem na Sibéria e criando um ciclo de feedback no qual o aumento dos incêndios e das emissões de carbono se reforçam e levam ao agravamento das condições.

Desafios

O documento aponta ainda o que será necessário fazer para cumprir os compromissos de proteção das florestas.

“A Indonésia e a Malásia precisarão manter o ímpeto na proteção das florestas em meio à disparada dos preços do óleo de palma; o Brasil e outros países da Amazônia precisarão conter novas áreas prioritárias de desmatamento; os países da Bacia do Congo precisarão garantir caminhos para o desenvolvimento que protejam as florestas; e a Rússia e outros países do norte precisarão combater os impactos das mudanças climáticas nas florestas”.