“Destrambelhada” vai além da produção musical para traduzir sensações em prol da narrativa

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Por Noé Pires

Popularmente, uma mulher destrambelhada é aquela vista como confusa e desordenada, que não se encaixa em normas pré-estabelecidas. Em “Destrambelhada”, a multiartista curitibana Bruna Pena (@oibrunapena), rompe com esse significado negativo para celebrar o poder da inadequação e conta com o apoio de outras vozes na jornada. A faixa chegou hoje (27), em todas as plataformas digitais

Bruna Pena entendeu cedo que os rótulos que lhe eram impostos delimitavam sua identidade e visão de mundo. Para expressar as inquietações e questionamentos desse impacto na construção da sua subjetividade, ela sugere uma postura de autenticidade e resistência diante críticas e rejeições em “Destrambelhada”, single que abre os trabalhos do seu primeiro EP.

“Esse estigma me acompanhou durante muito tempo, principalmente na infância. Era ruim porque me fazia não querer ser quem eu era. Então, a música surgiu como uma maneira de me apropriar dessa ideia para criar outras percepções sobre mim e sobre o que é certo ou errado em ser mulher, questionando padrões sociais e até mesmo o que é ser bonita, por exemplo”, ela explica.

“Destrambelhada” se apoia no conceito de desordem sugerida pela palavra título, apostando em diferentes elementos sonoros e mudanças de harmonia ao longo da música, enquanto o eu-lírico afirma sua individualidade e posição de resistência e integridade. Letra e melodia, compostas por Bruna, ganharam corpo com contribuições de Érica Silva, que também assina a produção musical.

Transcendendo limites técnicos para focar em sensações, metáforas e intenções poéticas, o trabalho explora outra faceta criativa de Bruna – a de diretora e roteirista – ao utilizar recursos de sonoplastia para elaborar a sonoridade da faixa, trazendo para a produção sons não convencionais como os de mesas de sinuca e ping-pong e de pratos quebrando, entre outros.

“Destrambelhada” se desenvolve a partir dessa ideia até terminar em clima de festa, com batidas carnavalescas, traduzindo uma trajetória de enclausuramento individual que vira irritação e termina em celebração coletiva. “Eu quis contar a história através das sensações despertadas pela harmonia da música baseada nas minhas vivências no audiovisual”, explica Bruna .

A escolha de timbres e sons foi cuidadosamente planejada, levando em consideração a intenção de construir uma experiência sensorial que dialogasse com a letra. “Eu não levei músicas de referência para a Érica, eu levei vídeos pra ouvirmos o desenho de som”, revela. Sobre a composição, ela diz que “destrambelhada era uma palavra que já tinha uma fonética e sonoridade interessantes”.

“Trabalhei com repetições para criar uma sensação de trava línguas, e a melodia foi feita sem o acompanhamento de um instrumento. Sinto que assim eu tenho mais liberdade criativa porque conheço muito mais a minha voz do que o violão, então crio pensando no ritmo das palavras e das sílabas”, afirma Bruna. O resultado é uma música pop irônica, complexa e repleta de camadas.

O processo criativo envolveu ainda a participação de um grupo de artistas convidadas para compor o coro da faixa – Klüber, Mayah, Noe Carvalho, Rubia Divino e Uyara Torrente (A Banda Mais Bonita da Cidade). Juntas neste trabalho, elas representam as diferentes faces da música feita em Curitiba e fortalecem a mensagem de “Destrambelhada”.

O registro das vozes sucedeu uma imersão onde as artistas puderam compartilhar experiências e reconhecer diferenças e pontos em comum. “Acredito que isso reforçou o simbolismo da música. Era importante reunir outras vozes e subjetividades para construir essa história. Em algum lugar, todas  compartilhamos angústias similares”, reflete.

Para criar os visuais que acompanham “Destrambelhada”, Bruna Pena também encontrou inspiração na infância, quando decorava seus próprios cadernos com recortes de revistas. Utilizando técnicas como stop motion e colagem, ela apostou na sobreposição analógica e digital de imagens para traduzir graficamente o conceito e as suas intenções com a música.

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A artista utilizou revistas de moda para desenvolver as imagens e metáforas que questionam a manipulação e a internalização da cultura midiática mainstream. “Eu escolhi trabalhar com o rosto como suporte. É como se eu estivesse rasgando esses modelos que me foram impostos e ao mesmo tempo assumindo que em algum lugar também sou uma mistura de tudo isso”, ela explica.

Essa estética se estende ainda ao visualizer de “Destrambelhada”, marcado pela participação de outras mulheres, refletindo o desejo da artista em criar uma experiência coletiva, onde diferentes pessoas contribuem com suas nuances e experiências. “Eu sou cantora-diretora, essas duas coisas se interseccionam naturalmente no meu trabalho”, conclui.

“Destrambelhada” é a primeira música do EP (ainda sem título) que Bruna lançará neste ano em parceria com Henrique Geladeira. A faixa chegou às plataformas de streaming hoje (27) à meia-noite. A partir das 21h, o visualizer da música estreia no YouTube.

Para celebrar o lançamento, Bruna Pena fará shows em Curitiba (dia 29/3, Camaleão Cultural) e em São Paulo (dia 30/3, no Jai Club).