Por Lilianna Bernartt para cobertura colaborativa da Cine NINJA

Não restam dúvidas acerca da qualidade e potencialidade da produção cinematográfica nacional. Nosso cinema é competente, criativo, inovador, abrangente e pulsante. Então quais são de fato as razões impeditivas para que o cinema nacional assuma seu merecido posto de destaque em grandes premiações, como o Oscar?

Nossa história com a Academia, em particular, é datada de 1945, com a primeira indicação brasileira para a categoria de Melhor Canção Original para Ary Barroso, pela música “Rio de Janeiro”, trilha sonora do filme “Brazil”. Nosso próximo “encontro” se dá em 1960, com a premiação de “Orfeu Negro” na categoria de Melhor Filme. Apesar de se tratar de uma produção majoritariamente brasileira, situada no Brasil, com atores brasileiros, o filme era francês, em coprodução com Brasil e Itália, de forma que concorreu (e levou a estatueta) pela França.

Retornamos ao Oscar em 1963, com a indicação a Melhor Filme Estrangeiro para “O Pagador de Promessas”, dirigido por Anselmo Duarte, que acabou perdendo a estatueta para o Francês “Sempre aos Domingos”, de Serge Bourguignon. Desde então, acumulamos uma extensa lista de “quases”, cujas justificativas ainda se dispersam.

O Pagador de Promessas (1963). Foto: Divulgação

Protecionismos à parte, até hoje não assimilamos a perda da estatueta de Fernanda Montenegro, que concorreu ao Oscar de Melhor Atriz por “Central do Brasil”, para Gwyneth Paltrow, que venceu por seu papel no insosso “Shakespeare Apaixonado”.

O filme “Central do Brasil” serve de excelente ponto de início para a reflexão proposta, já que os bastidores de sua passagem pelo Oscar de 1999 foram marcados pela polêmica com relação à lisura do processo de marketing pré-oscar e pela disparidade do financiamento de campanhas, resultando na subversão da arte ao sistema capitalista no qual ‘quem paga mais, leva’.

Extremamente elogiado pela crítica e público e bem sucedido no circuito de festivais, o filme angariou prêmios importantíssimos como Urso de Ouro de Melhor Filme (a primeira produção nacional a alcançar este feito), Globo de Ouro e BAFTA de melhor filme estrangeiro, além do Urso de Prata para a atuação de Fernanda Montenegro. Apesar de tais consagrações, foi preterido pela Academia e prejudicado por uma massiva campanha publicitária realizada pela Miramax, que não mediu esforços – nem dinheiro – para garantir o sucesso de seus dois filmes concorrentes – Shakespeare Apaixonado e A Vida é Bela, tendo sido este último o ganhador de Melhor Filme Internacional.

Central do Brasil (1998). Foto: Divulgação

O favoritismo gerado pelas desiguais condições de investimento em campanhas de Marketing acendeu um alerta acerca da manipulação clara do processo de escolha dos indicados e vencedores ao Oscar. Passados vinte e quatro anos dos acontecimentos de Central do Brasil, o assunto ainda se presentifica, vide a atual polêmica acerca da campanha realizada para indicação da atriz Andrea Riseborough na categoria de Melhor Atriz na edição deste ano.

No que diz respeito ao Brasil, em temporada de grandes premiações, as discussões acerca da propagação do cinema nacional se acendem, de forma que se faz oportuno o direcionamento do debate para as raízes do problema: o incentivo e financiamento da produção cinematográfica nacional.

A arte no Brasil sempre recebeu, em seu contexto geral, tratamento marginalizado com relação aos demais setores industriais do país.

No que diz respeito ao cinema nacional especificamente, é histórica a oscilação entre períodos de alta produção versus a paralisação da produção cinematográfica, por circunstâncias ligadas diretamente à regência governamental.

Durante os anos de governo Bolsonaro, a desvalorização da indústria cinematográfica nacional avançou para seu desmonte. A extinção de editais, tributos e até mesmo de agências regulamentares, somada à pandemia mundial da Covid-19, ameaçaram o setor de falência.

O cinema nacional teve sua histórica resistência colocada à prova, de forma que as produções que conseguiram se fazer presentes no Oscar deste ano são, em sua maioria, frutos de projetos independentes, periféricos ou ainda, resultantes da captação de recursos disponíveis pré-pandemia, que ficaram paralisados durante o ápice da mesma.

Como resultado de um período opressivo, temos um cinema de resistência, em que a pluralidade e inclusão são destaques narrativos, como “Marte Um”, de Gabriel Martins, em que temos o protagonismo de uma família negra de classe média; “Paloma”, de Marcelo Gomes, que traz humanização e visibilidade ao protagonismo trans; “Sideral”, curta metragem de Carlos Segundo que traz visibilidade à produção Potiguar ou ainda, o documentário “Quando Falta o ar”, das diretoras Ana Petta e Helena Petta, que consegue denunciar a nível mundial a grave deficiência de políticas públicas em nosso país.

Foto: Divulgação / Marte Um

A cena cinematográfica atual mostra um Brasil que quer falar e que tem o que falar

O que nos faz retomar a discussão inicial de como garantir que esses discursos ultrapassem barreiras. Com a troca de governo, novas políticas de incentivo foram anunciadas e a reativação e reestruturação de órgãos importantes, como Ministério da Cultura e Ancine aumentam as expectativas de aquecimento do mercado.

Em conversa com alguns realizadores(as), que figuraram no circuito do Oscar 2023, o posicionamento é unânime – além de políticas urgentes de incentivo de produção, se faz necessária uma política de apoio para a promoção dos filmes brasileiros, tanto no circuito dos Festivais Internacionais, quanto no Oscar em específico.

Começamos este texto falando sobre as campanhas de marketing, que são parte essencial da divulgação e da garantia da acessibilidade de produções no circuito competitivo, de forma que políticas de incentivo financeiro voltadas a este sentido se demonstram imprescindíveis.

Parte deste processo seletivo é a exigência de que as produções fiquem em cartaz in loco, o que demanda uma disponibilização de cópias com legendas, processo que encarece a campanha de divulgação do filme. “Marte Um” teve sua campanha prejudicada por conseguir a viabilização de sua distribuição internacional de forma tardia, em comparação a outros filmes concorrentes na mesma categoria.

Ana Petta, co-diretora do documentário “Quando falta o ar”, pré-selecionado ao Oscar deste ano, acredita que “A Ancine precisa ter uma política para promover os filmes em Festivais Internacionais, incluindo o Oscar. (..) “Quando um filme brasileiro chegar a ser qualificado, ele deveria receber um recurso para fazer sua campanha”.

Além do incentivo monetário, não podemos deixar de citar a relevância das redes sociais e sua influência direta no processo de seleção. A reverberação do filme “Marte Um” nas redes sociais colaborou significativamente para a visibilidade do filme em meio a este processo.

Outro destaque nesse sentido, foi a campanha #susnooscar, mobilizada pelos próprios profissionais de saúde, em apoio à divulgação do documentário “Quando falta o ar”, que aborda a atuação dos mesmos em meio a pandemia do Covid-19. A iniciativa também foi essencial para a propagação da visibilidade da produção.

A repercussão dos filmes impacta de forma econômica e social, com o incentivo da retomada da ocupação das salas de cinema pós período de pandemia e do consumo de produções nacionais, o que além de garantir a conexão da população com sua própria identidade, acaba também por aquecer o mercado, gerando novas fontes de emprego.

Quando Falta o Ar / Crédito: Tarso Sarraf

A discussão acerca das problemáticas de produção e divulgação do nosso cinema nacional ainda é ampla e ramificada, mas o que podemos concluir é que o investimento na Indústria cinematográfica nacional e em sua propagação, garante o aquecimento do mercado financeiro nacional e internacional já que, além de produzir milhares de empregos, impacta de forma econômica com o consumo de nosso produto e também exportação do mesmo, atraindo com isso, investidores estrangeiros.

Por fim, o cinema é ferramenta política e social essencial para identificação, retrato, transformação e construção de nossa identidade sociocultural, de forma que é imensurável a importância da reverberação de nossa produção perante uma hegemonia geopolítica historicamente preservada.

Para tanto, não podemos subestimar sua potencialidade como setor industrial de extrema relevância para a economia do país. Sendo assim, a necessidade de incentivo público para produção e distribuição do cinema nacional é imperativa para que possamos obter o reconhecimento do setor como parte importante da economia nacional e desta forma, fomentar o livre alcance de nossas histórias.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023