Jair Bolsonaro e Ricardo Salles durante a Cúpula do Clima. Foto: Marcos Corrêa/PR

Pelo teor do discurso do presidente na Cúpula de Líderes pelo Clima nesta manhã, parece que o governo de Bolsonaro vai ser resetado e o desmonte da política ambiental executado nos últimos dois anos e 4 meses é página virada. Esqueça todo o discurso de incentivo a atividades ilegais como grilagem de terras, extração ilegal de madeira ou mineração em terras indígenas em nome do desenvolvimento. Ele se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 e aplicar medidas para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa até 2050. Analisando o discurso ponto a ponto, foi para inglês ver, não foi?

Ajuda financeira imediata

Para preservar o meio ambiente, ele precisa de dinheiro. “Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros é fundamental poder contar com a contribuição de países, empresas e entidades e pessoas dispostas a atuar de maneira, imediata, real e construtiva na solução desses problemas”, disse ele. Dessa vez o tom foi bem diferente do usado por Ricardo Salles que colocou como condicionante para reduzir o desmatamento, que o Brasil recebesse 1 bilhão de dólares.

Temos um problema

Humildemente Bolsonaro falou que “é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação”.

Estes mesmo biomas que ele incentivou a destruição com apoio às queimadas do agronegócio, grilagem e mineração ilegal. E aparentemente ele esquece que só o Fundo da Amazônia, por exemplo, tem R$2,9 bilhões em recursos parados. No passado, quando a Alemanha pediu um planejamento de investimentos, o presidente brasileiro disse que era melhor que o país o utilizasse para reflorestar seu próprio território. Bolsonaro quer o dinheiro, mas quer decidir como e se vai usá-lo. Até mesmo o Conselho do fundo da Amazônia foi extinto. Vai ter que passar por cima disso para ter a “justa remuneração”.

Vanguarda do aquecimento global

O mesmo Bolsonaro que outrora disse que a crise climática é uma fantasia e que o aquecimento global era coisa de “complô marxista”, disse que o Brasil está na “vanguarda no combate à mudança do clima”. Realmente, essa era a realidade do Brasil em tempos passados, quando havia uma real preocupação com o Meio Ambiente e combate com suporte efetivo do governo contra crimes ambientais. Hoje, é só mais uma mentira de Bolsonaro.

Metas para os americanos

Se os EUA pediam metas em troca de recursos, Bolsonaro adiantou um planejamento do governo anterior, de tornar a economia neutra até 2060. Agora, Bolsonaro se comprometeu em fazê-lo em 2050. Essa foi a única novidade.

Sentando na janelinha

Quando ele fala de redução de emissões de gases de efeito estufa até 2030, o presidente brasileiro só reproduz a NDC anterior, a Contribuição Nacionalmente Determinada que foi fechada no Governo Dilma, em 2015: 43% de emissão até 2030. “Somos um dos poucos países em desenvolvimento a adotar e reafirmar uma LDC transversal e abrangente com metas absolutas de reduções inclusive, para 2025 de 37% e de 40% até 2030”, disse ele. Mentira não é, porém base de cálculo mudou. Na nova proposta, o nível de emissões em 2005, ano-base da meta, foi ajustado de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões de toneladas.

Emissões de gases

“O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo. No presente respondemos por menos de 3% das emissões globais anuais”, disse Bolsonaro. Historicamente, o Brasil contribuiu com 4,4% das emissões de todos os gases causadores do efeito estufa, e esse índice ainda manteria o Brasil entre os dez primeiros lugares no ranking dos países que mais poluem, afinal, a emissão cresce como efeito do desmatamento na Amazônia. Vale lembrar que o desmatamento na região atingiu em março de 2021 o pior índice para o mês nos últimos dez anos.

Revolução verde no campo?

“No campo promovemos uma revolução verde a partir da ciência e inovação, produzimos mais utilizando menos recursos o que faz da nossa agricultura uma das mais sustentáveis do planeta”. Bolsonaro diz isso à plateia internacional porque sabe que a verdade prejudica os negócios: a cadeia do agronegócio promove um rastro de destruição ambiental e social com o uso criminoso do fogo.

Fortalecimento dos órgãos ambientais?

Bolsonaro disse mais ou menos, que para tudo melhorar, só medidas de comando e controle na causa: “são parte da resposta”. E que, “apesar das limitações orçamentárias do governo determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização”.

Você deve estar se perguntando: Como assim?

A demissão de Ricardo Galvão em agosto de 2019, então presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi um marco do tempo obscuro que se descortinava. Servidores de órgãos ambientais estão sempre sob constante vigilância e tampouco podem se posicionar. Os que ousam, são demitidos. Jair Bolsonaro e Ricardo Salles tiram do caminho qualquer servidor que possa atrapalhar o agronegócio, grileiros e garimpeiros, que são a base de apoio do governo Bolsonaro. A última briga encampada foi em favor da liberação da maior apreensão de madeira ilegal já registrada no Brasil, que gerou até mesmo a exoneração do delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, que liderou a apreensão e enviou notícia crime contra Ricardo Salles ao STF por sua intervenção nas investigações.

Fora isso o Ibama completa hoje três dias sem realizar qualquer fiscalização, porque nova regra do Ministério do Meio Ambiente obriga que uma multa dada por um fiscal seja anteriormente autorizada por um superior.

Hoje assistimos mais um show de horrores e uma vergonha internacional protagonizados por Bolsonaro, colocando o Brasil cada vez mais à margem no sistema internacional. Não há mais respeito pelo posicionamento brasileiro, e o país perde a expressão e significância na política global. Bolsonaro, mais uma vez, mente em uma tentativa vergonhosa de demonstrar uma realidade oposta ao que acontece no Brasil.