Foto: Iasmin Monteiro / Estudantes NINJA | Design: Mídia NINJA / Design Ativista

O Governo Federal publicou a medida provisória no Diário Oficial da União no dia 10 de junho, em um nítido ataque à autonomia e aos processos democráticos nas instituições federais de ensino. Na sexta-feira (12), dois dias depois, o presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (DEM), assinou o expediente de devolução da MP 979. A medida permitia que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, para indicar reitores interventores às universidades e institutos federais durante a pandemia do coronavírus.

A medida previa que a escolha dos reitores não teriam consulta à comunidade escolar ou acadêmica, nem formação de lista tríplice, abrindo caminho para a intervenção em 17 universidades. Entre elas, a Universidade de Brasília (UnB) e as federais do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, do Pará, do Paraná e do Piauí.

Diante disso, mesmo com a derrubada da medida, se visualiza um cenário conturbado. Nessas instituições o mandato dos reitores se encerra até dezembro, período em que o país ainda estará sob estado de calamidade pública em decorrência da pandemia e as universidades estarão sujeitas às nomeações feitas por Weintraub.

A Universidade de Brasília, desde o início da sua fundação (1962), foi centro de resistência. Hoje em dia, nada mudou. Em 2018, se juntou a diversos grupos com pautas direitista e que começou a fazer disputas de narrativas na universidade. Em 2019, foi uma das principais instituições atacadas pela gestão de Weintraub. Citada como autora das ditas “balbúrdias”, e alvo de cortes de 30% de verbas que serviriam de investimento. Além de acusar estudantes de cultivarem plantações de maconha. Abraham Weintraub chegou a participar de audiência na Câmara para dar explicações sobre a declaração difamatória.

Desde 2018, período da eleição de Bolsonaro, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) se mostrou contra a candidatura do atual presidente, e durante todo esse processo até agora, a reitoria foi contra os desmontes do ensino promovido pelo governo federal. A UFRGS afirmou, em nota publicada no site, que a MP afetaria “a autonomia das instituições” na escolha de seus representantes.

Rui Opperman, atual reitor da universidade, publicou um vídeo em que diz: “O momento é de entender a extensão dessa medida, de mobilizar as diferentes instâncias, no sentido de avaliar sua constitucionalidade, e de fazer prevalecer e garantir a autonomia das instituições públicas de ensino”.

Na Universidade Federal do Pará (UFPA), os desafios de manter uma universidade na Amazônia são enormes. Com 70% do total de discentes cotistas e 80% em vulnerabilidade socioeconômica*, o movimento estudantil precisou intensificar suas mobilizações, desde o início do governo Bolsonaro, contra os ataques às instituições de ensino, a falta de investimento e também contra o projeto do MEC que prevê a privatização das universidades, o Future-se.

A UFPA tem em sua história diversas ações que faz ela ser o que é, com estudantes indígenas, quilombolas, negros, ribeirinhos, mulheres e de baixa renda. É notório que a diversidade só seguira ocupando esse espaço que lhes pertence, com uma reitoria alinhada com os interesses e direitos estudantis.

“A MP 979 veio com intenção, com foco forte na UFPA pois se tornou uma universidade com a cara do povo brasileiro, se tornou símbolo de luta do movimento estudantil e que continua lutando pelo acesso e permanência de todas e todos. Por isso, a UFPA é alvo dessa grande articulação de intervenção para que pare o processo de desenvolvimento na Amazônia”, conta Tel Guajajara.

 

 

Tel Guajajara
Estudante indígena e coordenador geral do DCE da UFPA.

 

 

Entretanto, muitas universidades e institutos federais estão com interventores como a UFGD e UFC, os mesmos entraram através de uma ação direta de Bolsonaro.

José Cândido Lustosa Bittencourt De Albuquerque, reitor interventor na UFC, participou da consulta pública da comunidade acadêmica, porém havia ficado em terceiro lugar, recebendo 610 votos. Apesar da baixa preferência entre a comunidade acadêmica da UFC, o nome de Cândido foi apontado como favorito à indicação, por ser o candidato mais alinhado a posicionamentos do presidente.

O candidato mais votado pela comunidade acadêmica da UFC foi Custódio Luís Silva de Almeida, com 7.772 votos. Antônio Gomes de Souza Filho ficou em segundo lugar, com 3.499 votos.

Segundo relatos, o mesmo judicializou a eleição do DCE e não reconhece os representantes discentes eleitos pelos estudantes dentros dos conselhos.

“Quando a gente viu a nomeação acontecer, já tínhamos nítido que a missão daquele cara era implantar o desmonte da universidade pública e da ciência, que o Bolsonaro prega”, relata Antônio Souza.

 

 

Antônio Souza
Estudante de Direito da UFC e militante do RUA, Juventude Anticapitalista.

 

 

“Pela primeira vez na história da UFC, um reitor não toma posse no prédio da reitoria. Cândido Albuquerque fez sua cerimônia de posse na Faculdade de Direito da Universidade, ninguém ficou sabendo da cerimônia com antecedência e isso só ilustra o quanto essa nomeação é ilegítima, Cândido tem medo dos questionamentos da comunidade universitária porque sabe que é um interventor e não reitor”, afirma Jéssica Rebouças.

 

 

Jéssica Rebouças
Estudante da UFC, militante do RUA e Diretora de mulheres da UNE

 

 

No dia 11 de junho completou um ano da intervenção na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). A comunidade acadêmica, através da consulta pública, escolheu três chapas para compor a lista tríplice, porém “por motivo de urgência” o Ministério da Educação (MEC), cancelou a lista tríplice por discordar e nomeou Mirlene Ferreira Macedo Damázio como reitora interventora da UFGD.

Diante disso, a universidade vem enfrentando diversas dificuldades devido a falta de investimento como atraso na construção do prédio do Restaurante Universitário, nos lançamentos e pagamentos de editais de bolsas e auxílios.

“Consideramos um grande perigo a MP 979, que trata sobre a indicação de Reitores Pró Tempores de Universidades Federais, Institutos Federais e CEFETs. Mais uma vez Bolsonaro e seu ministro [Abraham Weintraub] demonstram que não tem diálogo com estudantes e comunidades acadêmicas, ignorando de uma vez por todas a vontade que é expressa através da Consulta Prévia. Este é mais um dos diversos ataques a autonomia e democracia interna das Universidades”, relatou Ana Elisa.

 

 

Ana Elisa
Membro da Gestão Contra-Atacar do DCE e estudante da UFGD.

 

 

Em virtude dos fatos mencionados, é visível que esses não são casos isolados e que vem sendo promovido pelo governo Bolsonaro um projeto contra a educação pública, gratuita e de qualidade. É importante denunciarmos todos esses ataques contra a autonomia universitária para que as instituições de ensinos sigam sendo locais de práticas democráticas e de interesses estudantis. “O projeto de universidade dos interventores trabalha pela exclusão, e o movimento estudantil não para de lutar pela sua democratização”, conclui Antônio Souza.

*Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST) da Universidade Federal do Pará (UFPA)