Famílias atingidas pela abertura das comportas da Barragem de Pedra exigem que empresa gestora do reservatório assuma responsabilidade por perdas e estragos

Por Gabrielle Sodré para MAB

Quase dois meses após a enchente que vitimou milhares de famílias em Jequié, sudoeste da Bahia, em decorrência de alagamentos originados pela abertura das comportas da Barragem de Pedra, sob controle da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), atingidos seguem sem reparação de danos por parte da empresa.

Militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) estiveram no final do mês de janeiro realizando visitas a bairros atingidos para dialogar com moradores. No bairro Joaquim Romão, a moradora Jeiziane Brito cobra da empresa uma solução para as famílias que tiveram suas casas destruídas ou comprometidas. “Cadê a Chesf que até hoje não deu resposta nenhuma?”.

Casa destruída após enchente de dezembro de 2022, no bairro Joaquim Romão, Jequié (BA). Foto: Luiz Carvalho / MAB

Segundo a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), estima-se que o aumento do volume de água no Rio de Contas pela abertura das comportas da barragem para aumento da vazão atingiu cerca de 30 mil pessoas, diretamente ou indiretamente. Ainda assim, muitas famílias voltaram para casa sob o risco de desabamento e sem meios de garantir o seu sustento pela inviabilização de suas atividades econômicas. Feirantes, comerciantes e prestadores de serviços perderam os meios de trabalho e a garantia do sustento familiar.

“A tragédia ficou marcada aqui. Eu quero saber da Chesf, quando é que vocês vão assumir o erro de vocês, a falta de humanidade que vocês tiveram com nós”, questiona Jeiziane.

Em 30 de dezembro, a Procuradoria Geral da Bahia (PGE/BA) atribuiu à empresa a responsabilidade pelos alagamentos ocorridos em Jequié e em outras cidades do estado, ajuizando uma Ação Civil Pública no valor de R$ 100 milhões. A justiça não só responsabilizou a Chesf pelos alagamentos, como também determinou que a empresa fizesse um plano de recuperação das áreas afetadas.

A Chesf alega em nota publicada em seu site que “desde o aumento do nível das chuvas no reservatório, foram enviados comunicados, cartas-circulares, boletins, releases à imprensa”. No entanto, o atual prefeito da cidade, Zenildo Santana (PP), diante do ocorrido na noite de Natal, disse à imprensa que a empresa agiu sem avisar em tempo hábil a prefeitura sobre a abertura das comportas. Além disso, a ausência de representantes da empresa na Audiência Pública de 19 de janeiro confirma o descaso da Companhia com os moradores.

De acordo com os moradores dos bairros Mandacaru, Joaquim Romão e do Centro da cidade, a Chesf tem se esquivado da sua responsabilidade em relação ao ocorrido, tratando o aumento do nível das águas do Rio como um fato natural, ignorando o papel do controle do reservatório da barragem no volume do rio.

“É um absurdo a CHESF se colocar como salvadora dos municípios atingidos. Na ação que recorreu na justiça, ela diz que mitigou os riscos de danos maiores. Quais seriam os danos maiores para as famílias que perderam tudo, para crianças que não conseguem dormir e as inúmeras pessoas que estão com a saúde mental abalada sem saber como dar continuidade às suas vidas? Qual dano seria maior para um município que foi 60% coberto por água?”, questiona Cleidiane.

Uma pauta nacional

O cenário dos danos causados pelas barragens na Bahia repete em diversos estados brasileiros, como em Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, reforçando a necessidade urgente de se debater segurança de barragens e se criar uma agenda de políticas públicas focada na proteção das populações mais vulneráveis que vivem no entorno desses empreendimentos.

Cleidiane afirma que essa é uma pauta histórica do MAB: “a necessidade de criação de uma política de reparação dos direitos dos atingidos com garantia de recursos para a proteção e segurança das populações e comunidades afetadas, através de um ‘fundo nacional’ com esse propósito”.