Perseguição a jornalistas tem sido recorrente na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) desde que Bolsonaro chegou na presidência

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Por Mauro Utida

Em um processo de investigação interna na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a jornalista Kariane Costa passou de denunciante a denunciada, acusada de cometer injúria, calúnia e difamação contra 12 gestores que ela denunciou na Ouvidoria da empresa, cujas penas chegam a até um ano e meio de prisão contra ela.

O processo administrativo concluído pela Comissão de Sindicância Interna da EBC recomendou a demissão da servidora por justa causa, que precisa ser confirmada pelo presidente da empresa, Glen Lopes Valente. Apenas uma assinatura do presidente da empresa já pode consolidar a medida.

O caso revela a perseguição a jornalistas que tem sido contumaz na EBC desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência e que é objeto de amplo repúdio entre os órgãos de representação da categoria. A EBC é responsável por criar e difundir conteúdos ligados ao governo federal como a TV Brasil e Agência Brasil.

“A EBC vive um autoritarismo total. Há um alto número de jornalistas afastados por problemas de saúde mental”, denuncia Kariane.

A Comissão de Sindicância Interna da EBC criada por determinação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Brasília para estabelecer um canal de comunicação para denúncias deveria ser, na prática, sob sigilo, porém cinco dias depois de abrir a denúncia, Kariane foi chamada pela chefia do seu setor para ser indagada se havia provas contra as acusações apresentadas, o que mostra que o teor da denúncia vazou.

A denúncia contra os gestores contém 35 depoimentos de funcionários da empresa e entregues a esta Comissão de Sindicância da EBC por Kariane, concursada da empresa há 10 anos e exerce desde abril de 2021 a função de representante dos empregados dentro do conselho administrativo da estatal.

Enquanto Kariane passou de denunciante a denunciada, as denúncias protocoladas contra os gestores foram arquivadas. As denúncias envolvem assédio moral, censura, perseguição no trabalho, fiscalização das redes sociais, desvalorização e falta de diálogo.

Episódios de assédio moral e censura por gestores da EBC na gestão de Bolsonaro já foram denunciados anteriormente e resultou em quatro relatórios que já foram apresentados ao Ministério Público de Brasília, que investiga o caso. No último dia 5, o órgão suspendeu a mediação de um processo no qual a EBC foi condenada a pagar R$ 200 mil por assédio moral coletivo. As promotoras afirmaram que há indícios de continuidade nas ações persecutórias e recomendaram a suspensão das sindicâncias contra pessoas que já processaram a empresa e seus gestores por assédio. Os gestores que estão à frente desses processos poderão responder por improbidade administrativa.

Procurada sobre o caso, a EBC não se pronunciou, havendo ainda a possibilidade de resposta.

Denúncia a órgãos federais

O senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, encaminhou ofícios à Procuradoria-Geral do Trabalho, à Defensoria Pública Federal e à Subprocuradoria-Geral dos Direitos do Cidadão solicitando que investiguem as denúncias de assédio moral contra servidores e perseguição política por parte do conselho administrativo da EBC contra a jornalista Kariane Costa, funcionária membro do conselho.

Humberto Costa, em seus ofícios, afirma que “causa espanto saber que, no processo de investigação interna, a conselheira Kariane passou de denunciante a denunciada, acusada de cometer injúria, calúnia e difamação contra gestores, concluindo o processo administrativo por sua demissão por justa causa”, havendo necessidade de atuação de órgãos federais no caso, que atualmente se encontra sob apuração do Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal.

Irregularidades na sindicância

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF (SJPDF) e a Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) manifestam seu mais profundo repúdio a mais essa arbitrariedade por parte da EBC e prestam sua total solidariedade e apoio à jornalista, que está sendo acompanhada por nossa assessoria jurídica.

“Não temos dúvida de que se trata de uma tentativa de intimidação e perseguição às lideranças dos trabalhadores. Dois dirigentes do SJPDF também estão sendo alvo de sindicâncias com o mesmo viés”, declarou a FENAJ.

A FENAJ ressalta que a escalada das perseguições na EBC acontece às vésperas das eleições, em um momento no qual o governo Bolsonaro se vê acuado e tenta aumentar o aparelhamento, a censura e o uso eleitoral dos canais da empresa.

“Os empregados e empregadas da EBC têm se mantido intransigentes na defesa do caráter público da empresa e recentemente foram escolhidos para receber o Prêmio Vladimir Herzog pela contribuição ao jornalismo por meio dessa resistência”, declarou a Federação Nacional.