É curioso ver no Brasil (e em boa parte do mundo) 90% ou mais das salas de cinema abrigam produções estadunidenses, restando pouquíssimo espaço para produção local e de outros países

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Por Adriano Cardoso

Muitos se perguntam por que ótimos filmes de fora dos EUA não são nem cogitados para indicações ao Oscar. Poucos sabem que o Oscar é uma premiação para a indústria, quase que exclusivamente dos Estados Unidos.

A jornada para um filme chegar à premiação mais badalada do cinema é longa e depende não apenas da qualidade artística do projeto, mas também, e principalmente, de divulgação e influência. Quando um filme é lançado e bem recebido pela crítica, começa uma nova etapa do projeto. Esta inclui inscrição em festivais, contatos com a imprensa, influenciadores e veículos de comunicação para que o filme tenha mais visibilidade, agora não mais (apenas) com o viés de atrair o público para as salas de cinema, mas imprimindo a ideia de “arte” e originalidade à obra.

Projetos menores muitas vezes se veem impossibilitados de realizar estas etapas, ainda mais filmes independentes de países da periferia do capitalismo, incluindo toda nossa América Latina, que carecem dos recursos financeiros necessários para custear essa nova etapa. As obras destas regiões, para ter alguma chance, precisam também fechar um bom acordo de distribuição. Dentro deste universo a realidade é que poucas salas de cinema dos Estados Unidos abrem espaço para filmes de outros países, e, claro, há necessidade que estes filmes sejam dublados porque os estadunidenses não têm o hábito de ler legendas em filmes… Além disso, há impostos cobrados para que os filmes estrangeiros sejam exibidos e comercializados na “Terra da Liberdade”.

É curioso ver no Brasil (e em boa parte do mundo) 90% ou mais das salas de cinema abrigam produções estadunidenses, restando pouquíssimo espaço para produção local e de outros países. E claro, os filmes entram aqui sem pagar impostos, mas isso é conversa para outra hora. Mas então como fazer para superar essas limitações e colocar filmes menores, da periferia do capitalismo ao lado de mega produções? A resposta é criação de uma indústria, cadeia de produção de entretenimento, que inclui obviamente cinema. Falamos em indústria pela necessidade de polos de produção, uma cadeia de realização, e consumidores (espectadores). Tudo isso necessita de políticas públicas e investimento estatal, de forma a priorizar e incentivar a produção cultural do setor no país.

Há obviamente uma grande força antagônica a isso dos próprios EUA, que tentam ao máximo impedir o desenvolvimento dessa indústria nos países onde tem influência. Lobby contra a aprovação de cotas de tela, contratação de profissionais que começam a se destacar nesses polos, uma disputa empresarial/comercial. Para nós, onde cinema é quase sempre sinônimo de bonecos falando inglês, parece algo impensável “uma indústria de cinema”, produção em larga escala de filmes, séries, além da formação de público cativo para esse conteúdo específico. Mas se olharmos um pouquinho para o mundo fora da “América”, exemplos não faltam. A Índia que tem uma grande diversidade cultural, de dialetos e uma história muito rica, iniciou a produção cinematográfica em 1910.

Durante as décadas de 80 e 90, uma série de reformas ampliou os investimentos estatais, incluindo isenção de impostos para construção de estúdios, subsídios para produção de filmes e inscrição de obras em festivais, além de parceria com outros países para distribuição de seus filmes, impactou profundamente o mercado, levando à criação da Bollywood em Mumbai. Um trocadilho com Hollywood, pela elevada quantidade de filmes produzidos pelo país.

Foto: Imagem de divulgação do filme indiano O Tigre Branco, dirigido por Ramin Bahrani (2021)

Em 1982, Gandhi venceu o Oscar de melhor filme, o que ajudou a consolidar a indústria indiana fazendo país ser o maior produtor de filmes do mundo! Com o passar dos anos, diversas estrelas do cinema estadunidense foram contratadas para projetos por lá, como Stallone e Denise Richards em “Kambakkht Ishq” de 2009, e Ben Kingsley que estrelou Teen Patti em 2010.

A China é outro país que vem investindo pesado em sua indústria de audiovisual. Além do investimento maciço em infraestrutura cinematográfica e a expansão do mercado global de filmes, a China se tornou um dos maiores mercados cinematográficos do mundo, rivalizando com os Estados Unidos em termos de bilheteria. Embora ainda não tenha ganho um Oscar, os filmes chineses são presença cada vez mais constante nos principais festivais de cinema.

Foto: Imagem de Divulgação do filme chinês O Tigre e o Dragão, dirigido por Ang-Lee (2001)

Outro exemplo é a Nigéria, que sempre teve uma grande produção cinematográfica, de forma mais artesanal e de baixíssimo orçamento. Com políticas públicas voltadas ao setor, a indústria já consolidada vem realizando parcerias com outros países. Mas o melhor exemplo disso é a Coreia do Sul. Após diversos regimes militares, o país foi se redemocratizando e adotou várias medidas para construir sua indústria de entretenimento.

Foto: Imagem de Divulgação do filme nigeriano Navio de Sangue, dirigido por Moses Inwang (2023)

Dentre as quais podemos destacar grandes investimentos em infraestrutura e tecnologia, apoio governamental através de políticas de incentivo e financiamento, promoção ativa da cultura nacional e internacionalização da indústria por meio de estratégias de marketing e distribuição dos filmes. O sucesso veio nas próximas décadas, primeiro com o sucesso da música pop local (K-pop) depois com novelas televisivas, jogos eletrônicos e filmes.

O movimento veio a ser definido como “Onda Coreana” ou “Hallyu”. Além disso, o governo sul-coreano implementou políticas para proteger e promover os artistas locais, bem como facilitar parcerias entre empresas de entretenimento e instituições educacionais para desenvolver talentos na indústria. Essas medidas ajudaram a transformar a Coreia do Sul em uma potência do entretenimento, com grande destaque também para o ramo cinematográfico. Em 2020, o cinema da Coreia do Sul fez um feito inédito, Parasita de Bong Joon-ho venceu o Oscar nas categorias Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Filme Internacional. Nenhum outro filme conseguiu esse feito na história. Presença constante na cerimônia, em 2024 o país tem Vidas Passadas, de Celine Song, que concorre nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. 

Foto: Imagem de divulgação do filme sul-coreano Parasita, dirigido por Bong Joon-ho (2020)

Enquanto vê a indústria de outros países se desenvolver, os EUA começam a apelar, e tirar ainda mais espaço dos outros. Esse ano, dois filmes coproduzidos por eles mesmos estão indicados na categoria “Melhor Filme Internacional”, Zona de Interesse e A Sociedade da Neve. A categoria inicialmente servia para dar visibilidade a produção de outros países, e foi tendo sua nomenclatura alterada ao longo do tempo.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024