A Associação Mata Ciliar, que trabalha na reabilitação de animais silvestres no interior de São Paulo, corre o risco de perder o espaço que ocupa há cerca de 30 anos por pressão da concessionária Voa-SP, que tem planos de investimento na área. Militantes mantém vigília no terreno em apoio a ONG

Foto: Leandro Ferreira, Grupo RAC

Por Mauro Utida para a Mídia NINJA

Em mais uma ofensiva contra a Associação Mata Ciliar, a entidade não governamental referência no resgate e reabilitação de animais silvestres no interior de São Paulo corre o risco de perder o espaço onde mantém sob seus cuidados mais de 2 mil animais silvestres em reabilitação. Isto porque, a Voa-SP, concessionária do aeroporto de Jundiaí, pretende realizar investimentos no entorno, com a ampliação do seu espaço aeroportuário.

Com total falta de diálogo, a Voa-SP deu o prazo de 48 horas para a entidade desocupar uma área de 29.800 m², onde mantém recintos e laboratórios com mais de 100 animais silvestres, entre lobos guarás, pequenos felinos e aves. A notificação extrajudicial da Voa-SP venceu nesta quarta-feira (19) e não foi cumprida pela Associação Mata Ciliar.

Na semana passada, a empresa Voa-SP deu início às obras para a desocupação da área, derrubando cercas e utilizando motosserra para remover árvores próximas aos recintos dos felinos e lobos-guarás. Desde então, uma vigília foi montada com o apoio da sociedade civil para impedir a ocupação.

Desde o último sábado (15), grupos de apoiadores têm se revezado em vigília na área onde a concessionária reivindica o terreno. Um abaixo-assinado foi criado em apoio a permanência da Mata Ciliar, que possui um trabalho reconhecido na área científica de felinos neotropicais, educação ambiental, além de receber e reabilitar animais silvestres de cerca de 120 cidades do interior de São Paulo. Na maioria dos casos, os animais perderam seus respectivos habitat naturais pelo avanço da especulação imobiliária e o agronegócio, além de serem vítimas do tráfico de animais silvestres, caçadores, atropelamentos, maus tratos e eletrocutados em fiações elétricas.

Para assinar a petição acesse aqui.

Em meio ao conflito entre a ONG e a empresa concessionada, o promotor Claudemir Battalini, do Ministério Público (MP) de Jundiaí, protocolou, na terça-feira (18), representação para apurar os atos da Voa-SP contra a área onde estão os animais abrigados pela Mata Ciliar. Ele deu 15 dias para a empresa se manifestar sobre as atividades com cortes de motosserra na vegetação que prejudicou os animais em recuperação na área.

A Voa-SP alega que tem negociado a posse da área junto à Mata Ciliar desde 2019, porém o presidente da ONG, Jorge Bellix declara que nunca se reuniu com representantes da concessionária para tratar sobre este assunto.

“A Associação Mata Ciliar não deseja sair dessa área, onde trabalhamos pelo bem-estar dos animais silvestres por mais de 25 anos. Nos últimos anos estamos trabalhando com uma pressão constante, mas a maior satisfação é ver a grande mobilização popular por nossa causa. A maior demonstração de apoio do nosso trabalho é a solidariedade e presença das pessoas nesta vigília, eles são a nossa maior voz contra essas barbaridades que estão sendo feitas”, desabafa Bellix.

No site da Voa-SP, onde a mensagem principal informa “novos aeroportos para novos tempos”, a concessionária publicou o comunicado oficial sobre o remanejamento da área e informa que a ONG ocupa “irregularmente” uma área de 2,98 hectares. Em outra notícia postada no mesmo dia, a Voa-SP utiliza uma foto de um caça da força nacional brasileira atingido por um urubu para construir a narrativa de que a presença dos animais silvestres mantidos em cativeiro próximo ao aeroporto representa riscos para a atividade aérea.

O presidente da Mata Ciliar argumenta que a entidade está há quase três décadas no local e sempre houve urubus no local, porém apenas agora estão contestando essa situação. “É um pouco suspeito começar a contestar isso agora”, ironiza Bellix. Para a advogada da ONG, Juliana Oliveira, quem está no lugar inapropriado é o aeroporto, que está localizado próximo a uma área de amortecimento da Serra do Japi. “Jundiaí não precisa de um aeroporto de grande porte, estamos próximos a Viracopos e Guarulhos. A cidade precisa valorizar a sua rica fauna e flora da Serra do Japi, ao invés de ceder este espaço para grandes empreendimentos, hotéis e shoppings centers”, declara.

No último dia 18 de fevereiro, o presidente da Voa-SP, Coronel Marcel Gomes Moure, apresentou ao prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado (PSDB), a atualização do plano diretor de ocupação da área do Aeroporto Estadual Comandante Rolim Adolfo Amaro, com uma proposta de investimentos no entorno do sítio aeroportuário. Questionados sobre o projeto em questão e os impactos para a Associação Mata Ciliar, nem a Voa-SP e a Prefeitura de Jundiaí responderam à reportagem.

Após pressão popular, a Prefeitura de Jundiaí emitiu uma nota oficial alegando que o prazo de 48 horas concedido pela Voa-SP para a Mata Ciliar remover os recintos deve ser revisto pela concessionária. Porém, a administração municipal, que possui um convênio com a ONG com o valor mensal de R$ 64 mil para proteção da fauna local e incentivo à educação ambiental, não deixa claro qual projeto apoia.

Disputa pela área

A Mata Ciliar ocupa uma área de 297.500 m² há cerca de 30 anos por meio de convênio com o Centro Paula Souza, que pertence ao Governo do Estado de São Paulo. Deste total, 29.800 m², cerca de três hectares, pertence ao aeroporto. O problema é que esta área, que foi cedida à Voa-SP pelo Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP), divide a área da Mata Ciliar ao meio.

A entidade pretende negociar a divisão com a Voa-SP oferecendo parte de um terreno que ainda não foi ocupado, próximo à avenida Antonio Pincinato, para não precisar remanejar os recintos que já foram construídos. A área que o aeroporto reivindica também se encontra o Centro “Jaguaretê” – Tecnologia Aplicada para Conservação da Biodiversidade e o Laboratório de Reprodução Animal, ambos inaugurados em 2012.

Na próxima sexta-feira, dia 21, haverá uma reunião entre a Voa-SP, Associação Mata Ciliar e Prefeitura de Jundiaí para dialogar sobre o embate. O encontro foi intermediado pela ativista dos direitos dos animais, Luisa Mell, que esteve em Jundiaí na terça-feira (18) para defender a permanência e a continuidade do trabalho da ONG.

Desde o ano passado, a ONG trava uma batalha jurídica para conseguir o termo de permissão de uso que garantirá a continuidade dos projetos. A área chegou a ser incluída na lista de imóveis a serem leiloados pelo Estado, porém após a movimentação para comprovar a atividade no espaço, o Conselho do Patrimônio Imobiliário do Estado iniciou o trabalho pela regularização da área. A entidade aguarda ansiosa pela votação do Conselho para a regularização e a assinatura do governador do Estado.

“O Governo de São Paulo se comprometeu a regularizar o uso pela Associação Mata Ciliar da área de 297.500 m² pertencente ao Estado. Isto não abrange, por razões legais, os 29.800 m², parte integrante do aeroporto e objeto de concessão à VOA-SP desde 2017. Portanto, não houve mudança no compromisso, tampouco, na solução encontrada pelo Governo e Associação, que tem ciência das limitações legais do Estado”, informou em nota o Conselho do Patrimônio do Estado de São Paulo.