Foto: jornal Diário do Tocantins

Alunos do curso de Agentes Jurídicos Populares de Cristalândia, do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia no Tocantins, escreveram uma carta reforçando o pedido de cuidado com os rios Urubu e Formoso, que tiveram suas águas represadas para atividade rural em larga escala. Desde 2016, quando se agrava o colapso hídrico na região, existem ações civis públicas no Ministério Público Estadual pedindo pela suspensão das licenças ambientas que permitiram a construção e represamento dos rios, que causou uma redução do volume de água, prejudicando as comunidades ribeirinhas, diminuindo a oferta de peixes, aumentando a vulnerabilidade as quais estas comunidades estão submetidas.

A liderança indígena do povo Krahô Davi Camõc Reis de Lira Krahô, da Aldeia Takaywara, que fica em Lagoa da Confusão também escreve seu apelo em nome do futuro de seu povo “Por isso, viemos fazer apelo a todas as autoridades que possam fazer alguma coisa enquanto há tempo, porque amanhã ou depois, no futuro próximo, nossos filhos, os nossos netos, os nossos bisnetos, não saberão o que um rio se continuar desta forma com destruição em massa”.

Leia a carta completa:

SALVEMOS OS RIOS URUBU E FORMOSO

Alunos e alunas do curso de Agentes Jurídicos Populares (turma 2019) do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia/TO*

Nós, alunos e alunas do Curso de Agentes Jurídicos Populares, vimos, por meio desta, expressar nossas agudas preocupações em relação à diminuição drástica de água que tem afetado os Rios Urubu e Formoso, comprometendo o ecossistema, de forma especial, a fauna e a flora e, sobremaneira, as comunidades ribeirinhas, indígenas e camponesas, que necessitam destes Rios para as suas sobrevivências.

Esses problemas vêm ocorrendo há muito, mas, desde 2016, o colapso hídrico tornou-se inquestionável: os Rios Formoso e Urubu, nos Municípios de Lagoa da Confusão/TO e Cristalândia/TO, apresentaram severa redução do volume de água e deixaram de ser perenes, apresentando, em alguns trechos, apenas pequenas porções de água.

Neste sentido, desde 2016, encontram-se em curso ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público Estatual, em que se requer a imediata suspensão das autorizações ou licenças ambientais para represamento e/ou de construção dos barramentos/elevatórias emitidas em nome da Associação dos Produtores Rurais de Lagoa da Confusão

De fato, uma das principais intervenções humanas nos Rios Urubu e Formoso é a captação de água e o seu represamento destinado ao agronegócio e a atividade empresarial rural em larga escala, o que tem trazido danos avassaladores ao meio ambiente, bem como às comunidades locais, com a diminuição do acesso à água e escassez de peixes que fazem parte da nutrição alimentar das comunidades em estado de vulnerabilidade.

Reconhecemos os esforços que têm sido empreendidos pelos órgãos de controle e fiscalização, porém, ainda distante de trazer uma solução eficaz, sobretudo, pelo visível corte dos Rios, abertura de canais para lavoura e bombeamento de água desrespeitando o período de suspensão.

Nesse aspecto, a situação dos Rios Formoso e Urubu se deteriorou ainda mais, colocando em risco sua fauna, com drástica mortandade de espécies animais da vida aquática. Neste sentido, transcrevemos aqui o clamor, em defesa da vida, da liderança indígena Davi Camõc Reis de Lira Krahô:

“Hoje é 15 de agosto de 2019. Eu sou o vice cacique Davi Camõc Reis de Lira Krahô, da Aldeia Takaywara, no Município de Lagoa da Confusão. Em nome do cacique José Valdete Krahô, em nome da comunidade Takaywara, em nome dos ribeirinhos que moram as margens do rio Formoso; rio Formoso este que pede socorro às autoridades porque o Rio Formoso está morrendo, o rio Formoso hoje tem mais areia do que água, e a água que sabemos […] é o bem mais precioso da terra. Então, assim, em nome do nosso povo, em nome de todos que precisam deste rio, nós viemos pedir às autoridades, aos órgãos ambientais que olhem para estes rios, rio Formoso, rio Javaé, rio Urubu e rio Dueré […]. Viemos pedir socorro em nome destes rios, pois estão morrendo nossos rios. E por que estes rios estão morrendo? Por causa dos grandes produtores de arroz, de soja, de melancia, de feijão e outros. Eles usam a água destes rios através de bombas puxando a água destes rios e deixando só areia e nós indígenas, nós ribeirinhos e os animais precisam da água e não de areia. Areia não serve para nós porque a areia não mata a nossa sede, e a água destes rios que é importante para nós. Por isso, viemos fazer apelo a todas as autoridades que possam fazer alguma coisa enquanto há tempo, porque amanhã ou depois, no futuro próximo, nossos filhos, os nossos netos, os nossos bisnetos, não saberão o que um rio se continuar desta forma com destruição em massa”.

É urgente que se envie equipe emergencial de fiscalização à região e que sejam atendidos os pedidos formulados nas ações civis públicas em curso. A atual gestão destes recursos hídricos, que considera apenas fatores econômicos, voltados para a produção de larga escala do agronegócio, viola o art. 225 da Constituição Federal.

Como ressalta MAGALHÃES: “A sustentabilidade ecológica é um pré-requisito do desenvolvimento e não um mero aspecto dele. Só o desenvolvimento ambientalmente sadio é que pode resguardar as necessidades das gerações atuais e futuras (…)” (29/12/2015, Vida: patrimônio das espécies. Jornal do Tocantins, Tendências).

Assim, diante do colapso hídrico que tem agravado a situação, queremos tornar pública a gravidade da situação e exigir das autoridades competentes medidas eficazes para coibir a morte dos Rios Formoso, Urubu e demais afluentes que compõem a bacia, bem como determinar a reparação indenizatória das comunidades impactadas, a imediata destruição das estruturas destinadas aos projetos de irrigação e a definitiva suspensão da outorga de água para tais empreendimentos do agronegócio que representam a destruição ambiental.

“Quando o último rio secar, a última árvore for cortada e o último peixe pescado, eles vão entender, que dinheiro não se come”

(Cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington-EUA)

Cristalândia -TO, 18 de agosto de 2019

* Assinam o/as alunos/as da turma 2019 – “Sophie Weber” – do Curso de Agentes Jurídicos Populares, promovido pelo Centro de Direitos Humanos de Cristalândia, Dom Heriberto Hermes, e apoiado pela Fundação Konrad Adenauer (KAS):
Aline Nunes Ribeiro, Ana Lucia Cruz da Silva, Ana Lucia Rodrigues dos Santos, Ana Luisa Araujo de Almeida Souza, Ana Paula do Nascimento Lima, Antonio Luiz Pereira da Silva, Bruno Pahtuwý Krahô, Daniela Alves Silva, Diomar Dias Ferreira, Doriva Rodrigues Montel Souza, Ediomar Barros Gomes, Eris de Barros Gomes, Fabio Barbosa da Silva, Fernando de Araújo Carvalho, Francisco Alexandrino de Souza, Gecina Nunes Cordeiro, Germano Pereira Alexandrino, Gilberto Canuto Krahô, Gilberto Correia da Silva, Gilda Martins Brito, Irani Pinheiro de Souza, Iranilde Batista Soares Campos, Jayne Fernandes Brito, Jadson M. De Andrade, Joel Marques de Souza Freitas, Joel Moisés Silva Pinho, Kaliston Pereira Lima, Katianne de Jesus Santos, Kenya Vieira Soares, KesLayne Mendes Martins, Laurenice Francisca de Sousa, Leandro Tépjêt Krahô, Luana Pereira Rodrigues, Luinara Paula Pereira da Silva, Maiara Gonçalves de Meneses, Manoel Divino Campos da Silva, Maria dos Anjos Pereira Vieira, Maria Luiza Campos, Marileide Trabach, Marques Antônio do Prado Junior, Meriam Silva Monteiro Leite, Miranice Farias Montel Soares, Orlando Jose da Fonseca, Raimunda Pereira Campos, Roniano de Brito Martins, Selma Rodrigues Oliveira, Solange Freitas Barbosa, Suzana Rego de Sá do Prado, Suzi Cristina O. De Moura, Tuxá Krahô, Vera Lúcia Martins Silva