Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia denuncia a contradição na produção industrial da energia renovável

Marcha pela vida das Mulheres e Agroecologia/Foto: Túlio Martins/AS-PTA (arquivo)

 

Nos últimos anos, a energia eólica tem se destacado como uma alternativa renovável para a geração de eletricidade. No entanto, a instalação de parques eólicos em áreas rurais pode causar impactos significativos na vida das comunidades locais. Tida como limpa, ela empobrece e adoece as famílias rurais e ainda as expulsa do campo.

Na primeira vez que dona Erivanda (nome fictício) ouviu falar da chegada dos parques eólicos na região em que mora, pensou que seria uma boa ideia arrendar um espaço de sua propriedade de 10ha para a instalação de alguma torre. Mas, no ano passado, ela mudou de ideia. Isso porque teve conhecimento dos problemas que esses gigantes aerogeradores causam para as famílias e comunidades rurais.

“Foi na Marcha que soube do ‘destruimento’ que causam. Deus me defenda que eu não quero isso. Essa energia dá muitos problemas”, enfatizou a agricultora de 54 anos que mora em Montadas, município que vai sediar a 14ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, nesta quinta (16).

Foto: Túlio Martins/AS-PTA (arquivo)

 

A marcha acontece no Dia Nacional da Conscientização das Mudanças Climáticas. Segundo Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos de Tecnologia Alternativa, a coincidência das datas foi proposital para explicitar uma grande contradição. Afinal de contas, a energia gerada a partir do vento e do sol é mesmo limpa?

“A solução que está sendo construída é meramente baseada numa relação de mercado. Se propõe a troca de uma matriz energética, com base nos combustíveis fósseis, por outra, baseada na energia renovável, sem entender o desequilíbrio socioambiental que afeta as populações dos lugares onde estão sendo instalados os parques eólicos e as usinas solares”, explica.

Roselita Vitor, liderança sindical e uma das coordenadoras políticas do Polo da Borborema – um fórum que reúne 13 sindicatos rurais – destaca o desafio que tem sido explicitar essa contradição. Por isso, a Marcha desse ano repete o lema de 2022: Borborema Agroecológica não é lugar de parques eólicos.

“Um número muito pequeno de pessoas conhece os impactos negativos provocados pelo modelo industrial de produção de energia nos territórios. Aqui, na Borborema, há cerca de 19 mil famílias agricultoras. As cidades vivem a partir da renda rural. O que vai significar a chegada desses parques, inclusive, na economia dos municípios?”, questiona Roselita.

Outro motivo que influenciou a manutenção do tema foi o aumento da presença, no território, das empresas que exploram os ventos e o sol. Além da produção, as linhas de transmissão de energia que irão recortar o território. Há relatos de que os representantes passaram em Remígio, Esperança, Solânea, Algodão de Jandaíra, Arara, Casserengue, Montadas, Lagoa Seca, São Sebastião de Lagoa de Roça, entre outros municípios. Nos últimos meses, é bem comum ouvir relatos de que comunidades, famílias e sindicatos que foram visitados.

A marcha pretende debater os impactos dos grandes projetos de energias renováveis. Foto: divulgação/EDF Renewables

 

“A forma como essas empresas chegam nos territórios de todo o Semiárido é estarrecedora. E aqui na Borborema não é diferente. É uma violação de direitos. Abordam as famílias de forma individualizada e, sozinhas, elas não têm força social para resistir. Sem falar que não recebem as informações adequadas sobre os riscos. O que significa falar com um agricultor de 60 anos, que não sabe ler, sobre uma renda fixa até o final da vida?”, explica Rose.

“O acesso ao conhecimento tem um papel fundamental na vida de todo mundo. Conhecimento é poder. Quando tenho informações adequadas, posso discutir com você tete à tete, olho no olho. Quando não, apenas escuto e decido com base no que me dizem. O que a Marcha faz é propagar as realidades de comunidades onde os parques eólicos já estão instalados. Nós fomos lá para entender a situação das famílias e, depois, compartilhar o que vimos com as famílias do nosso território”, acrescenta.

Toda essa mobilização é para enfrentar as indústrias que querem se instalar no território. Mas isso não significa que as mulheres agricultoras são contra a energia renovável. “Nós não queremos esse modelo privatizado, que fica nas mãos de grandes empresas, que concentram as riquezas geradas com a produção da energia. Nesse modelo, o agricultor, a mulher do campo e a juventude ficam apenas com os prejuízos. Queremos que cada família agricultora possa ter placas solares em suas casas para gerar a energia necessária para o seu uso”, sustenta Adailma Ezequiel, uma jovem liderança sindical do território.

Montadas – PB

A cidade de Montadas fica numa região da Borborema Agroecológica que faz divisa com municípios onde as empresas já têm licenças emitidas pelo Estado para instalar os parques industriais. Isso acontece em Pocinhos, por exemplo, endereço de oito parques eólicos do Complexo Serra da Borborema, da empresa EDP Renováveis, além de três usinas fotovoltaicas nos nomes das empresas Sices Brasil SA e Arigo Solar Energia SPE Ltda.

“Montadas é um município estratégico para reafirmarmos a nossa luta, uma vez que as terra dos agricultores e agricultoras estão sendo ameaçadas pela instalação dos parques eólicos e usinas solares”, explica a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Montadas, Jaílma Flávia Fernandes.

A expectativa da Coordenação de Mulheres do Polo da Borborema, organizadora da Marcha, é que o ato reúna cerca de cinco mil mulheres. Quase a população total do município que, segundo projeção do IBGE para 2021, é de 5,8 mil pessoas.