Lançamento do livro será realizado em São Paulo, na Nave Coletiva, no dia 13 de julho, às 19h.

Foto: arquivo pessoal

Direito humano fundamental, garantido na nossa Constituição, os direitos culturais têm sofrido, além de ataques constantes, entraves burocráticos que dificultam o seu exercício, a sua valorização e a sua difusão. Os excessos dos órgãos de controle, inclusive, do controle de contas, não serviu para evitar casos de corrupção no país e ainda geraram uma anomalia que tem sido chamada de Direito Administrativo do Medo, que, em síntese, afasta bons gestores da vida pública do país, com receio de serem punidos, e leva também a um “apagão das canetas”, que é o medo de gestores públicos tomarem decisões. Tudo isso termina por levar à ineficiência da Administração Pública.

Um cenário cultural mais inclusivo e uma administração pública mais eficiente é a promessa da advogada Ericka Gavinho no livro “Fomento à Cultura no Brasil: perspectivas para a prestação de contas pelo objeto”. A ideia é que o modelo vigente de projetos culturais fomentados passe por uma revolução com a prestação de contas simplificada, pautada na aferição de resultados.

Com as mudanças, só se passa à análise financeira em caso de descumprimento total ou parcial do objeto e o controle financeiro é feito antes de se aprovar e executar o projeto. Ademais, o modelo, proposto pela advogada, prevê a possibilidade de sugestão de medida compensatória, se houver a reprovação total ou parcial das contas (desde que sem dolo ou má-fé). Com essas sugestões, o modelo promete ampliar o acesso à cultura e revolucionar sua produção por meio de fomentos.
A Mídia NINJA falou com Ericka Gavinho para conhecer mais detalhes desse possível novo cenário:

Segundo o livro “Fomento à Cultura no Brasil: perspectivas para a prestação de contas pelo objeto”, a análise com viés burocrático de eventuais inconsistências na execução financeira dos projetos não representa a verdadeira força e impacto do cenário cultural nacional. Como mensurar resultados de projetos de cultura com foco no objeto pode ampliar o acesso à cultura no país?

Quando há a simplificação da prestação de contas, a tendência é que você inclua, nos processos de fomento à cultura, mais fazedores de cultura, em especial, os menores, que não possuem estrutura administrativa para lidar com a burocracia de uma prestação de contas mais focada em aspectos financeiros. Com a ampliação dos realizadores, o Estado também aumenta o acesso à cultura, que chega a mais pessoas.

Importante, desde logo, esclarecer que a análise da prestação de contas pelo objeto não significa não prestar contas. Isto seria impossível no sistema constitucional brasileiro, que determina que todo aquele que gere recursos públicos tem o dever de prestar contas. A questão central, que trato no livro, é que tipo de prestação de contas é necessário não só para ampliar o acesso à cultura, mas também para dar mais eficiência à Administração Pública.

O livro traz um diagnóstico das políticas de fomento à cultura no país e também analisa as funções e disfunções do controle das contas públicas. Quais os principais pontos do sistema atual são contestados a partir deste estudo?

O controle das contas públicas no Brasil é tarefa constitucional e imprescindível à qualquer sociedade que se queira democrática. Quanto a isto, não há discussão. O ponto, muito discutido, hoje, entre administrativistas, é o excesso de controle, que, por exemplo, não serviu para evitar casos de corrupção, mas gerou uma anomalia que se tem chamado de Direito Administrativo do Medo. Este fenômeno está fazendo com que gestores públicos tenham receio de tomar decisões, além de afastar bons gestores da vida pública do país, com receio de serem punidos pelos órgãos de controle. Às vezes, por um mesmo fato, uma pessoa pode vir a responder em mais de um órgão de controle, por exemplo. Este estado de coisas precisa mudar para o bem da eficiência do Estado e para benefício da própria população, que, num país tão desigual como o nosso, precisa de políticas públicas estruturantes que busquem diminuir o fosso social em que estamos, lamentavelmente, inseridos.

Além da descrição de contextos e identificação de problemas, o livro é também propositivo e a proposta é ousada e corajosa, de acordo com o prefácio de Fábio Carvalho Leite (professor de Direito Constitucional do Programa de Pós-Graduação da PUC-Rio e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil). Mudar o olhar sobre a prestação de contas pode revolucionar a produção de cultura de fomento no Brasil? De que forma?

Não tenho a menor dúvida. E, por isso, há muitos anos, encaro esta discussão com muita seriedade e, com muito empenho, fiz a pesquisa que culminou neste livro. A perspectiva que defendo é a de que o fomento à cultura no Brasil ocorra num ambiente de maior segurança jurídica e eficiência, para que se dê efetividade à fruição dos direitos culturais, ampliando e melhorando o acesso à cultura, direito humano fundamental garantido na nossa Constituição.

Quais passam a ser os novos principais tópicos de uma prestação de contas pelo objeto para avaliar um projeto de sucesso? A quais pontos o produtor cultural deve atentar neste novo contexto desde a idealização de sua ação?

Faço a proposta de um modelo que deve contemplar, pelo menos, os seguintes aspectos: 1) prestação de contas simplificada, pautada na aferição de resultados; 2) só se passa à análise financeira em caso de descumprimento total ou parcial do objeto; 3) deve haver, necessariamente, controle financeiro prévio, antes de se aprovar e executar o projeto cultural; 4) maior exigência dos órgãos fomentadores para que produtores culturais detalhem melhor seus planos de trabalho de forma a não haver dúvidas quanto ao objeto a ser executado; e 5) possibilidade de sugestão de medida compensatória caso haja a reprovação total ou parcial das contas, quando, obviamente, não estejam presentes o dolo ou a má-fé no cometimento das impropriedades que gerarem a censura das contas.

Poderia citar um exemplo prático de prestação de contas pelo objeto de um projeto de festival de música que contou com fomento à cultura?

Boa pergunta. Já há, no Brasil, duas legislações que se aplicam à cultura e que preveem esse modelo de prestar contas: a Lei Cultura Viva (Lei 13.018/2014) e o MROSC – Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.109/2014). Portanto, muitos projetos já devem ter tido as suas contas avaliadas a partir desta perspectiva. Na cidade do Rio de Janeiro, desde abril de 2021, projetos fomentados direta e indiretamente (incentivo fiscal) pela Prefeitura e que tenham execução de até R$ 300 mil também terão as suas contas analisadas pelo cumprimento do objeto. Como você perguntou de um festival de música, lembro do Festival MIMO para Crianças realizado no Rio de Janeiro, no final do segundo semestre de 2021.