“Ter uma conferência para debater o que queremos das políticas educacionais nos próximos dez anos é fundamental, afirma Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação

Foto: Conae

A Ação Educativa marca presença na Conferência Nacional Extraordinária de Educação (CONAE 2024) com a campanha #FiqueDeOlho: para combater a violência, Gênero nos Planos já! A iniciativa tem como objetivo central impulsionar o debate sobre gênero no novo Plano Nacional de Educação (PNE), que moldará o cenário educacional brasileiro pelos próximos 10 anos. Realizada em Brasília, a CONAE ocorre entre os dias 28 a 30 de janeiro, reunindo diversos setores da sociedade civil para discutir e avaliar o Plano Nacional de Educação 2024-2034.

Em um contexto marcado por perseguições a docentes e estudantes, impulsionadas pelo ultraconservadorismo, a Ação Educativa destaca a urgência de promover o debate de gênero nas escolas. Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa e integrante da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, destaca: “Comunidades escolares são as mais prejudicadas pelo atravessamento da cultura de ódio e pelo sentimento de autocensura. Os estudantes são os que mais sentem a necessidade da discussão de gênero e raça nas escolas”.

A CONAE surge como um ambiente propício para fortalecer o controle social e a gestão democrática, contribuindo significativamente para a elaboração do próximo PNE. É importante ressaltar que há uma década, durante a tramitação do PNE de 2014-2024, termos relacionados à promoção da igualdade racial, de gênero e de orientação sexual foram suprimidos do texto, um reflexo de pressões de grupos conservadores e fundamentalistas.

Bárbara Lopes ressalta a importância da conferência: “Ter uma conferência para debater o que queremos das políticas educacionais nos próximos dez anos é fundamental para retomar políticas que foram interrompidas e para avançar, demonstrando que a sociedade brasileira demanda uma educação que supere nossas profundas e históricas desigualdades”.

Cláudia Bandeira, coordenadora da Iniciativa de Olho nos Planos, destaca que as demandas levantadas pelos jovens contribuíram para emendas na construção do novo Plano. Entre as necessidades identificadas, destaca-se a importância de maior participação juvenil, valorização da educação pública e políticas que abordem questões de raça, gênero, sexualidade e capacitismo.

Desafios e oportunidades para a Educação

Bárbara Lopes enfatiza que, apesar da demanda constante das juventudes por discussões sobre raça e gênero, enfrentamos desafios como a falta de apoio institucional, políticas de formação docente e materiais de apoio, contribuindo para a violência e exclusão escolar. A negação do direito à educação para diversas parcelas da juventude brasileira é uma consequência direta dessas lacunas.

É crucial que escolas, movimentos sociais e toda a sociedade civil acompanhem os debates da CONAE 2024 e as próximas etapas de aprovação do novo Plano Nacional de Educação. A Ação Educativa disponibiliza materiais online, como cards, folders e vídeos, que podem ser acessados pelo site da campanha (https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola/campanha-fiquedeolho-para-combater-a-violencia-genero-nos-planos-ja/).

Durante a CONAE, materiais inéditos serão lançados no estande da Ação Educativa e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, fortalecendo ainda mais a mobilização popular em prol de uma educação inclusiva, democrática e livre de violência.

Entrevista com Bárbara Lopes, coordenadora do projeto Gênero e Educação da Ação Educativa

NINJA: Levando em consideração o histórico do PNE de 2014-2024, que teve menções de “gênero” suprimidas, como a Ação Educativa espera que o debate de gênero seja abordado no novo Plano Nacional de Educação 2024-2034?

Bárbara Lopes: “É importante destacar duas coisas. Primeiro, que essa supressão não significou uma proibição. Isso, inclusive, foi confirmado pelo STF nas decisões de 2020 em relação a leis que proibiam a abordagem de gênero. Então, é muito importante  destacar que, do ponto de vista da legislação, do marco normativo, essa censura não é constitucional. Ela não faz sentido e o plano não proíbe a abordagem de gênero. E o segundo ponto é de que a falta dessa menção na nossa legislação, no caso, no Plano Nacional de Educação, ela não apaga as relações de gênero nas escolas. Ela não apaga o fato de que esse debate é uma demanda, principalmente, dos adolescentes e jovens que trazem para a escola, mas também as crianças muitas vezes vão fazer questionamentos, vão perguntar sobre determinados estereótipos, vão trazer vivências. Então, sabemos que é impossível não ter uma abordagem sobre gênero nas escolas”.

NINJA: Quais principais pontos a adotar para evitar retrocessos similares aos ocorridos na elaboração do PNE anterior?

Bárbara Lopes: “O que esperamos que esteja no novo Plano Nacional de Educação, é que essa abordagem de gênero seja pautada na promoção da igualdade, na promoção da não violência, na promoção da equidade. Em reconhecer  que existe uma série de violências e de violações de direitos que ocorrem com base no gênero, na identidade de gênero, na orientação sexual. Então, falar sobre a divisão do trabalho doméstico entre homens, mulheres, meninas e meninos. As jovens, os adolescentes. Como que isso impacta na vida deles, desse ponto de vista do trabalho. Pensar também nas violências machistas, nas violências que são baseadas em gênero. Pensar na exclusão de estudantes LGBTQIA+, e principalmente de estudantes trans, das escolas, devido a essa situação de violência, de discriminações. A desvalorização das profissionais da educação também tem esse caráter do gênero. Também tem a ver com a percepção de que o trabalho educativo se aproxima desse trabalho de cuidados que é atribuído às mulheres e então ele é desvalorizado.

O que esperamos é que o novo plano de educação consiga apontar para um caminho da promoção da igualdade e da não violência. Da não discriminação, para superarmos essas desigualdades que marcam tanto as trajetórias escolares de crianças, adolescentes e jovens. E também pensar como isso se intersecciona com a questão racial. Para que a gente possa, de fato, ter uma educação antirracista, e que  também precisa considerar a situação das meninas e jovens negras.  Precisamos considerar a exclusão dos meninos negros como uma questão que também tem a ver com papéis de gênero. Gênero, enfim, como que esses marcadores vão também se cruzando”, conclui a coordenadora.

Campanha #FiqueDeOlho e mobilização popular

A campanha #FiqueDeOlho teve início em setembro de 2023 e envolve diversas ações, incluindo disponibilização de materiais online e promoção de debates e mobilizações em níveis municipais e estaduais. Uma conferência livre realizada em São Paulo, em outubro de 2023, reuniu jovens para discutir participação popular, construir diagnósticos e propor melhorias na qualidade da educação.