Christopher Nolan / Foto: Reprodução

Por Thays Villar*

Considerado um dos maiores diretores de cinema da atualidade, o britânico Christopher Nolan nunca esteve tão perto de levar os cobiçados Oscars de Melhor Filme e Melhor Direção na cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que terá sua 96ª edição na noite de amanhã.

Desde o seu lançamento em julho de 2023, em um fenômeno que já arrecadou quase 1 bilhão de dólares em bilheteria, “Oppenheimer” recebeu aclamação da crítica e do público e, simplesmente, “varreu” a imensa maioria dos prêmios da temporada da crítica, se consolidando nas recentes premiações televisionadas e nos principais sindicatos de profissionais de cinema dos Estados Unidos, que costumam ser parâmetro para o Oscar.

Para se ter ideia, o drama biográfico que narra o protagonismo do físico J. Robert Oppenheimer no Projeto Manhattan, onde desenvolveu-se a bomba atômica que pôs fim de maneira catastrófica à Segunda Guerra Mundial, ganhou, entre outras categorias, os prêmios de Melhor Filme e Melhor Direção no Globo de Ouro, no Critics Choice Awards e no Bafta (o “Oscar inglês”), além de levar as principais estatuetas das premiações de Sindicatos: Melhor Elenco, no SAG Awards (o Sindicato dos Atores), Melhor Direção no Sindicato dos Diretores e Melhor Filme no PGA, o dos produtores.

Não à toa, “Oppenheimer” une um primor técnico indiscutível a uma temática que costuma agradar os votantes da Academia, por meio de uma narrativa consistente, que segura, sem deixar a bola cair, três tensas horas de duração, dissecando o perturbado estado mental do principal personagem e seu sugerido sentimento de responsabilidade e culpa, em uma atuação magistral de Cillian Murphy, antigo parceiro de Nolan, que deve vencer na categoria de Melhor Ator.

Cillian Murphy em “Oppenheimer” / Foto: divulgação

A fórmula que torna “Oppenheimer” uma obra tão relevante no Oscar parece ter elevado Chris Nolan a um patamar ainda maior do que ele já havia alcançado, mas que ficou um pouco abalado com a repercussão de “Tenet”, seu penúltimo trabalho que, em 2021, conseguiu emplacar apenas duas indicações ao Oscar: Melhor Design de Produção e Melhores Efeitos Visuais, vencendo esta segunda. 

Está certo que os filmes de Nolan são famosos por explorarem narrativas não lineares, com finais ambíguos, que fazem o espectador torrar os neurônios para chegar às suas conclusões, mas, aqui, o cineasta parece ter perdido a mão e recebeu inúmeras críticas por ter entregue um trabalho excessivamente confuso, enquanto o próprio diretor havia dito, antes do seu lançamento, que se tratava do seu projeto mais ambicioso. Contudo, depois de ter sua estreia adiada por duas vezes, o filme marcou o retorno massivo do público às salas de cinema, ainda durante a pandemia.  

O alto padrão técnico e a exploração das mais modernas tecnologias, como o uso de câmeras IMAX em “Oppenheimer”, vem sendo, cada vez mais, uma característica marcante nos trabalhos de Nolan. De certa forma, esses comportamentos o fizeram ser enxergado por muitos como um cineasta megalomaníaco e pretensioso, o que fez com que ele conquistasse alguns haters, embora isso não queira dizer muita coisa quando se trata de um profissional que emplaca um sucesso de bilheteria atrás do outro e tem uma consolidada influência na indústria cinematográfica.

Depois de construir uma carreira como diretor de vídeos corporativos na Inglaterra, Christopher Nolan decidiu reunir amigos para rodar seu primeiro trabalho artístico, com recursos do seu próprio bolso. Custando cerca de 6 mil dólares, “Seguinte”, de 1998, conta a história de um escritor que, durante uma fase de pouca inspiração, começa a seguir pessoas nas ruas de Londres e escrever sobre elas. 

Ainda que fosse uma produção independente, o êxito do filme fez com que Nolan passasse a ser notado pela indústria de cinema e, com isso, em 2000, veio a oportunidade de filmar “Amnésia”, com um orçamento um pouco maior que o anterior, que ele co-escreveu ao lado do seu irmão, Jonathan Nolan, contando com astros como Guy Pearce e Carrie-Anne Moss no elenco. 

A excentricidade da narrativa de “Amnésia”, que acompanha um homem em busca do assassino de sua esposa por meio de uma história contada em duas linhas de tempo, sendo uma na cronologia padrão e a outra de trás para a frente, conquistou a crítica e cinéfilos de todo o mundo, rendendo a Nolan sua primeira indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Roteiro Original, e tendo conseguido, ainda, indicação a Melhor Edição, passando, ao longo dos anos, a ser considerado uma obra-prima cult.

“Amnésia” / Foto: divulgação

“Amnésia” fez a notoriedade de Nolan dar um salto meteórico e, em meados de 2001, o cineasta Steven Soderbergh, diretor de sucessos como “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento”, e vencedor do Oscar de Melhor Direção no ano 2000 por “Traffic”, insistiu para que a gigante Warner Bros confiasse a Nolan a direção de um novo trabalho. 

Com isso, “Insônia” foi o primeiro filme de grande orçamento dirigido por ele, com um elenco composto por Al Pacino, Robin Williams e Hilary Swank, entre outros, e o único da sua carreira em que ele não assina também o roteiro. O resultado foi considerado muito satisfatório e o estúdio não só decidiu continuar investindo na carreira do promissor cineasta, como aceitou sua ousada proposta de conduzir um projeto que resultaria na trilogia que mudaria, inclusive, a história do Oscar.

Lançado em 2005, “Batman Begins” foi um enorme sucesso, tendo se tornado a nona maior bilheteria mundial daquele ano. Foi mais um trabalho com direção e técnica consistentes, que carrega traços da escrita e da direção de Nolan que, à época, já eram caracterizados pelo desenvolvimento de personagens sombrios, complexos e carregados de culpa. O filme estrelado por Christian Bale teve grande aclamação da crítica e recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Fotografia. 

No primeiro intervalo da produção da trilogia do homem-morcego, Nolan escreveu e dirigiu “O Grande Truque”, contando a história de dois magos rivais que disputavam sucesso obsessivamente sem medir suas trapaças e ações criminosas. Mais um sucesso de crítica e de público, o filme conseguiu duas indicações ao Oscar de 2007: Melhor Direção de Arte e Melhor Fotografia.

Retomando a trilogia de Batman, viria a seguir o que muitos consideram o melhor filme de Christopher Nolan. “Batman: O Cavaleiro das Trevas” foi um sucesso avassalador e ficou marcado para sempre na história do cinema como o filme em que Heath Leadger brilhou no papel de Coringa, em uma interpretação densa e humanizada do vilão e que, no ano de 2009, rendeu ao saudoso Ledger o Oscar póstumo de Melhor Ator Coadjuvante, depois de sua trágica morte que comoveu todo o mundo. O filme também levou a estatueta de Melhor Edição de Som.

“Batman: O Cavaleiro das Trevas” / Foto: Warner Bros.

“Batman: O Cavaleiro das Trevas” ainda impactaria significativamente a história dos prêmios da Academia. Sendo considerado pela crítica um dos melhores filmes do século 21, a obra alcançou 8 indicações ao Oscar daquele ano (Direção de Arte, Fotografia, Edição, Maquiagem, Mixagem de Som e Efeitos Visuais, além das duas que venceu). Porém, por conta de um provável preconceito da ainda muito conservadora Academia com filmes desse gênero, não conseguiu estar na categoria principal, o que chocou a indústria cinematográfica que passou a pressionar a Academia para ampliar o número de filmes indicados ao prêmio máximo, de modo que outras obras que fossem destaque também alcançasse tal mérito. E foi graças a esse deslize que, no ano seguinte, o Oscar passou de 5 para 10 indicados ao prêmio de Melhor Filme, método consolidado na atualidade.

Conforme publicou o portal UOL, Steven Spielberg comentou, em entrevista à revista online Deadline no ano passado, sobre a ampliação do número de nomeados ao principal Oscar: “Chegou tarde para o filme que deveria ter sido indicado há vários anos, O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan. Esse filme teria definitivamente conquistado uma indicação de Melhor Filme hoje”.

A conclusão da trilogia, com “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, tinha a difícil missão de manter o alto nível do filme anterior, mas não conseguiu tal êxito e foi considerado o menos empolgante entre os três trabalhos, passando batido no Oscar daquele ano.

Apesar disso, em 2010, Nolan conseguiu voltar ao altissimo nível de aclamação que havia alcançado com “Amnésia” e “O Cavaleiro das Trevas”. “A Origem” acompanha um grupo de golpistas que invade os sonhos de suas vítimas para alcançar seus objetivos. Com um elenco repleto de estrelas, como Leonardo DiCaprio, Cillian Murphy, Tom Hardy e Michel Caine, o filme é considerado um marco na história dos filmes de ficção-científica, usando elementos como a metalinguagem e plots twists em uma narrativa inteligente e intrigante. 

Depois do seu primeiro filme, “Seguinte”, Nolan apenas havia filmado obras adaptadas de materiais já existentes, e “A Origem” marca o seu retorno a trabalhos integralmente originais. Curiosamente, ele iniciou o desenvolvimento desse roteiro em 2001 e esperou o momento certo para produzi-lo. O filme arrecadou mais de 800 milhões de dólares em bilheteria e conquistou 8 indicações ao Oscar de 2012 nas categorias: Filme, Roteiro Original, Trilha Sonora, Direção de Arte, Fotografia, Efeitos Visuais, Edição de Som e Mixagem de Som, tendo vencido nas últimas quatro.

“A Origem” / Foto: divulgação

Nesta época, Nolan já era considerado um dos maiores do seu tempo e contava com cinéfilos fanáticos em todo o planeta. Por falar em planeta, seu trabalho seguinte, a ficção científica “Interestelar”, de 2014, conta a história de um grupo de astronautas que viaja à procura de um novo lar para a humanidade. 

Para muitos fãs de Nolan esse é um dos seus melhores filmes, mas, para tantos outros, a dubiedade do final tornaram a obra confusa demais e por aqui é que vemos a comunidade de haters de Nolan ganhar mais consistência. Ainda assim, “Interestelar” recebeu 5 indicações ao Oscar nas categorias de Trilha Sonora, Direção de Arte, Edição de Som, Mixagem de Som e Efeitos Visuais, a única que venceu. A esta altura do texto ter que mencionar que o filme também foi um enorme sucesso de bilheteria chega a ser redundante. 

A história da Operação Dínamo, que resgatou mais de 300 mil soldados que ficaram encurralados em uma praia da França no início da Segunda Guerra Mundial, é o enredo de “Dunkirk”, de 2017. O amadurecimento de sua direção aqui se vê de maneira muito nítida: ele brilha em uma perfeita decupagem de planos, explorando minuciosamente as tomadas aéreas, marítimas e em terra que o trabalho possibilitou, ampliando a sensação de desespero pela qual passaram aqueles soldados e levando seu elenco, apesar de jovem, a alcançar belíssimos resultados com atuações sólidas e em plena unidade. É cinema em sua melhor definição, para se ver e ouvir com as mais avançadas tecnologias possíveis. 

Com “Dunkirk”, Nolan conseguiu, finalmente, sua primeira indicação ao disputado Oscar de Melhor Direção e também nas categorias Filme, Fotografia, Trilha Sonora, Design de Produção, Edição, Edição de Som e Mixagem de Som, vencendo as três últimas. Considerando as indicações em Filme e Direção, podemos dizer que, até pouco tempo, este era o filme de Nolan mais bem sucedido na premiação da Academia. 

“Dunkirk” / Foto: Warner Bros

Há de se observar, também, que os frequentes prêmios e indicações nas categorias sonoras refletem uma preocupação técnica muito recorrente em seus trabalhos: a de proporcionar ao espectador momentos visualmente e audivelmente marcantes. É tão evidente o valor que a experiência no cinema tem para Christopher Nolan que a parceria de longos anos com a Warner foi rompida após “Tenet”, por conta da estratégia do estúdio de distribuir os filmes em plataforma de streaming simultaneamente ao cinema. 

Foi aí que o cineasta assinou com a Universal Studios para a adaptação da biografia do criador da bomba atômica, o que deve estar fazendo os executivos da Warner roerem até seus dedos. Isso porque, para além do estrondoso sucesso de bilheteria, a crítica especializada duvida que qualquer outro filme dentre os indicados ao prêmio principal deste ano possa abalar o amplo favoritismo de “Oppenheimer” em várias categorias dentre as 13 que concorre na noite de amanhã: Filme, Direção, Roteiro Adaptado, Ator (Cillian Murphy), Atriz Coadjuvante (Emily Blunt), Ator Coadjuvante (Robert Downey Jr.), Edição, Fotografia, Som, Trilha Sonora, Design de Produção, Figurino e Maquiagem e Cabelo. 

Se servir de motivação para que nós, reles espectadores, sejamos presenteados com ainda mais avanços no desenvolvimento da linguagem e da experiência cinematográfica, a gente agradece. Vai lá, Nolan! O Oscar é seu!

*Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024