Pelé e sua consagração internacional como o melhor jogador do mundo, como Rei do Futebol, na Copa de 1958, na Suécia. Na final, contra os donos da casa, goleada brasileira por 5 a 2, com 2 gols de Pelé. Arquivo / CBF

Por Patrick Simão / Além da Arena

Dia 20 de novembro é o dia da consciência negra, e o futebol é um elemento cultural muito importante na história dos negros no Brasil. O futebol é símbolo da identidade cultural brasileira, portanto ele reproduz os comportamentos positivos ou negativos da sociedade, e também consolida estruturas sociais.

A inserção dos negros na sociedade brasileira, e a luta contra a estrutura racista que se mantém até hoje, têm no futebol um caminho para mudanças. E claro que não é através de campanhas que abordam o tema de forma superficial, porque a sociedade se diz moralmente contra o racismo, mesmo reproduzindo a sua estrutura. O futebol e seus ídolos são, e sempre foram, um meio de legitimação cultural.

O futebol incide socialmente desde os primeiros negros do futebol brasileiro, com Bangu e Ponte Preta. Menos de duas décadas depois da abolição da escravatura, os atletas eram estigmatizados. Um exemplo desse estigma, que faz alguém buscar mascarar sua identidade, é o pó-de-arroz que jogadores usavam para tentarem se embranquecer. O caso de Carlos Alberto, em 1914 é o mais famoso. Pouco depois, em 1919, o 1º título da Seleção brasileira teve como herói um negro, Arthur Friedenreich, que fez o gol do título do Campeonato Sul-Americano, contra o então favorito Uruguai. Friedenreich foi o primeiro grande ídolo de um futebol brasileiro que reproduzia o racismo como regra.

Em 1923, o Vasco da Gama, com um time de negros e operários, surgiu para o país com o título do Campeonato Carioca. Os estaduais eram os principais torneios da época. No ano seguinte, os times da liga carioca proibiram o Vasco de jogar com seus atletas negros: em uma resposta histórica, o clube se recusou a participar do torneio e não abriu mão de seus atletas negros. O Vasco jogou outra liga em 1924, e teve de ser aceito em 1925, com jogadores negros.

Foto: Divulgação / Vasco da Gama

Depois veio outro grande ídolo nacional: Leônidas da Silva, o Diamante Negro. Leônidas foi o artilheiro da Copa de 1938 e era precursor ao trabalhar sua imagem para além do futebol. Além disso, ele se posicionava politicamente a favor da esquerda, afirmando ser do povo e representar suas origens. Nos anos 40, o Vasco teve o “Expresso da Vitória”, primeiro time brasileiro a ser campeão sul-americano e base da Seleção Brasileira em 1950, com muitos atletas negros. Após o vice na Copa do Mundo daquele ano, os negros foram injustamente colocados como vilões, sendo o principal alvo o goleiro Barbosa.

O Brasil se tornou tricampeão mundial, com os títulos de 1958, 1962 e 1970. Os protagonistas eram negros: Pelé, Garrincha, Jairzinho, entre muitos outros. Os ídolos brasileiros internacionalizaram a cultura brasileira, através de suas existências e habilidade, com títulos mundiais e excursões com seus clubes. Dessa forma, eles consolidaram o reconhecimento do Brasil como o país do futebol. A popularização de um esporte envolve a identificação do público com sua cultura, e os ídolos por si só constroem essa identificação. No micro, o esporte é a esperança de uma vida digna, no macro, o esporte é a manifestação de uma identidade, e nesse caso, da cultura brasileira aos olhos mundiais.

Garrincha e Pelé, dois gênios do futebol brasileiro.
Foto: Acervo CBF

O racismo segue até hoje muito presente na cultura brasileira e mundial, e precisa ser debatido através de suas estruturas. O racismo vai muito além do grito de “macaco” e ele precisa ser compreendido dessa forma. Quando um atleta, além do seu papel cultural de ídolo, se manifesta politicamente em uma causa pelo seu povo, ele pode mudar parte dessa estrutura. Um exemplo é o de Reinaldo, nos anos 80, mesmo durante a Ditadura Militar. Outro grande exemplo mais recente é o de Marta e Cristiane, que se posicionam de forma mais efetiva contra o racismo e incluem a pauta da igualdade de gênero. Atualmente, mais astros internacionais têm essa postura: Lewis Hamilton, Serena Williams, Lebron James, Naomi Osaka, entre outros. Recentemente, Vinicius Jr se mostrou uma importante voz e representação do futebol contra o racismo, desafiando os racistas e xenofóbicos com seu futebol e comemorações.

O atleta, e especialmente o ídolo, tem o poder de protestar, conscientizar e inclusive interromper grandes eventos. Um evento esportivo tem seu grande valor econômico nos astros, portanto as câmeras, patrocinadores e investimentos de um evento precisam da presença dos ídolos. O futebol brasileiro está inserido na estrutura política, social e cultural do país, e portanto, não consegue ser dissociado da política. Mesmo o não político é político, pois em todos os acontecimentos esportivos a estrutura social esteve presente.

O futebol brasileiro tem grande parte de seus ídolos negros, e nossa construção cultural sempre esteve atrelada ao futebol. O esporte reproduz as estruturas sociais, mas também tem o poder de modificá-las. O caminho é muito longo, mas o futebol é uma parte muito importante nesse processo.