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Por Clayton Zóccoli para cobertura colaborativa da Cine NINJA

A edição 2023 do Oscar trouxe algumas surpresas bem vindas. Claro que hoje já não é tanta surpresa depois de tantos prêmios que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo tem colecionado até então, e sob a direção de Darren Aronofsky, diretor de filmes como Cisne Negro e Mãe!, dificilmente A Baleia seria um filme ruim, apesar das polêmicas que o cercam.

Mas o que chama atenção para esses filmes são os detalhes que envolvem suas produções, e que acabam gerando um paralelo entre eles. Tentarei enumerá-las a seguir:

Orçamento reduzido e tempo de produção

O orçamento de a Baleia é um dos menores entre os indicados, com US$ 3 milhões gastos para a produção. O filme passa a maior parte do tempo em um único cenário, o que pôde ter contribuído para economizar nos gastos. Mas em compensação, a maquiagem de Brendan Fraser, cujo tempo mais rápido que a equipe do filme chegou a demorar para aplicá-la foi de 3 horas e meia, provavelmente consumiu boa parte de orçamento. Ainda assim, comparando com outros filmes indicados, com Top Gun Maverick (US$ 170 milhões) ou Avatar: O Caminho das Águas (US$ 237 milhões), é o feito a ser reverenciado fazer um filme sucesso de bilheteria como A Baleia.

Já tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo teve um orçamento de US$ 25 milhões, próximo do que custou Nada de Novo No Front ($20 milhões). Mas o que realmente chama atenção foi o tempo de filmagem, que levou apenas 38 dias, contando com uma equipe reduzida, percalços e improvisações, além de utilizarem efeitos práticos com pouca pós-produção. As filmagens também ocorreram parcialmente no começo da pandemia de COVID-19, o que torna ainda mais impressionante a qualidade do filme em comparação com o tempo gasto.

Retornos triunfais de atores esquecidos

Há quem diga que a volta de um clássico como Top Gun chame atenção, mas com certeza os maiores retornos desta edição são dos atores Brendan Fraser e Ke Huy Quan. Também conhecidos como o cara da Múmia e o menino do Goonies, respectivamente.

Ke Huy Quan volta às telas após um hiato de 20 anos, mostrando o quanto perdemos por não vê-lo atuando todos esses anos atuando. Nesse meio tempo, ele não esteve parado, trabalhando por trás das câmeras como Assistente de Direção e Diretor de Dublês. Em diversas entrevistas, Quan relata que não foi fácil se afastar de atuações e que sentia que ninguém o queria como ator. A volta por cima desse sentimento de rejeição é inspirador e a melhor parte é que podemos esperar pode mais trabalhos desse incrível e subestimado ator, pois já está cotado para participar da segunda temporada de Loki.

A história de Fraser tem um percurso mais triste. Em 2018, Brendan Fraser revela que foi abusado sexualmente em 2003 por Philip Berk, o que abalou sua confiança e resultou em um afastamento lento das telas. Ele relata sentir que caiu na “lista negra” de Hollywood após revelar o abuso. Esse retorno, vindo em um personagem que luta com uma depressão profunda e ainda se mantém otimista de certa forma, parece cair como uma luva para Fraser. Tanto o personagem, quanto o ator nos emocionam simultaneamente. Mas vamos falar dos personagens no próximo tópico…

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Roteiros sólidos com temas relevantes

De maneira nenhuma deve-se tirar o mérito de outros filmes indicados. Trabalhos como Nada de Novo no Front, Os Fabelmans, Triângulo da Tristeza possuem histórias muito bem construídas e que mexem com o público. Mas existe algo que chama atenção nos filmes de foco aqui: ambos tocam em temas extremamente relevantes, como depressão, aceitação e propósito, com abordagens totalmente diferentes.

A Baleia opta por uma estética mais claustrofóbica, onde até o aspecto da tela é opressor, deixando de lado o padrão de cinema do widescreen pelo formato quadrado (4:3). O filme é escuro, com poucos personagens e quase nenhuma mudança de cenário e mesmo assim prende a nossa atenção por todo o tempo. Os personagens também não são rasos e unidimensionais, com um destaque para Ellie, personagem de Sadie Sink, que faz uma atuação incrível e traz diversos tons pra uma personagem que se apresenta de uma maneira no mínimo peculiar.

O filme em si mostra como as pessoas têm diferentes maneiras de se importar e traz uma mensagem positiva, mesmo com um tom tão triste.

Já Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo segue o caminho oposto, com diversos cenários diferentes, com realidades diferente e diversos personagens, desde os protagonistas até os coadjuvantes, com papéis bem claros que se integram ao roteiro, não deixando nada gratuito ou aleatório, embora o filme tente te fazer acreditar que é. A história mergulha em um drama de família que se torna uma guerra pelo multiverso, mas que no fim se trata de valorizar as pequenas coisas e lidar com os obstáculos da vida com gentileza. É possível que os Daniels (diretores) colocaram tantas coisas grandiosas na tela justamente para valorizarmos os detalhes.

A introdução do personagem de Ke Huy Quan, Waymond Wang, traz ainda uma discussão sobre o que é ser homem, trazendo um “embate” entre o macho alfa e o homem gentil. Isso nos faz pensar se todo herói realmente precisa ser o símbolo de masculinidade americana que Maverick representa em Top Gun.

Não é que todo filme tem que ser cult e profundo. Ainda há espaço para os Top Gun’s e Avatares da industria, que são um deleite visual e nos deixam satisfeitos simplesmente por assistí-los, sem gerar uma discussão ou debate. Mas ver filmes como os dois que foram o foco dessa matéria serem sucessos de bilheteria e serem indicados e prestigiados no Oscar, mostra que ainda há um mercado para filmes mais artísticos e conceituais, que geram discussões e nos fazem sair do cinema com muito no que pensar.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023