Antes com craques nascidos na América, hoje a Holanda tem, entre suas grandes estrelas, descendentes latinos para a Copa do Mundo

Atual capitão da Laranja Mecânica, Virgil van Dijk tem ascendência surinamesa (Foto: Getty Images)

Por Matheus Pedroso

Assim como outras nações europeias, a Holanda conduziu um processo de colonização com mão de obra escrava em regiões da América Latina, dominando até mesmo parte do Nordeste do Brasil por um momento, durante o século XVII.

Entre todos os territórios latinos que a colonização holandesa persistiu por mais tempo estão o Suriname, independente desde 1975, e as Antilhas Holandesas, grupo de ilhas que se dissolveram em nações ainda com alguma influência dos Países Baixos, como Aruba e Curaçao.

Essa colonização também trouxe efeitos para o futebol, com descendentes e até mesmo nativos desses países integrando a seleção holandesa. Figuras históricas como Clarence Seedorf, Edgar Davids, nascidos no Suriname, e o vencedor da Bola de Ouro em 1987, Ruud Gullit, que tem ascendência surinamesa, além de outros grandes nomes da atualidade.

Entre todas as antigas colônias latinas, o Suriname sobra como aquela que mais ‘contribuiu’ com a Laranja Mecânica, muito motivado pelo alto fluxo migratório que ocorreu na iminência da sua independência e persistiu na sequência com a instabilidade política do país, entre eles estavam jovens que viriam a se tornar grandes futebolistas, e familiares de outros que futuramente nasceram no Velho Continente.

Além de Seedorf e Davids, já citados, outros nativos do país foram figuras constantes em convocações da Seleção Holandesa entre as décadas de 1980 e 2000, como Aron Winter, recém-contratado como técnico do Suriname e convocado para três Mundiais, Jimmy Floyd Hasselbaink, grande ídolo do Chelsea, da Inglaterra, e o goleiro Stanley Menzo, titular por anos do Ajax, principal clube holandês.

Seedorf, Kluivert e Davids, em representando a Holanda (Foto: Reprodução)

No entanto, a maior concentração é de jogadores com ascendência dessas antigas colônias, como Ruud Gullit, autor de um dos gols do título holandês na Eurocopa de 1988, o mais importante da seleção e que já havia conquistado a Bola de Ouro, um ano antes. Conquista que também teve a presença de Frank Rijkaard, histórico jogador de Ajax e Milan, também de ascendência surinamese.

No futebol, essa relação do futebol holandês com o Suriname também teria um triste episódio um ano depois da conquista europeia, em 1989. Com fins beneficentes, foram reunidos jogadores nativos ou que tivessem ascendência para a disputa de um torneio amistoso, um selecionado que já havia sido reunido anos antes para uma partida e era conhecido como “Onze Colorido”

Algumas das principais estrelas, como Gullit e Rijkaard não foram liberadas por seus clubes, e escaparam do que seria o maior desastre aéreo na história do Suriname até os dias de hoje. Foram 176 mortos, 16 deles que faziam parte da delegação da equipe, sobrevivendo 11 pessoas, entre elas três jogadores.

Outros dois atletas que escaparam do desastre foram o goleiro Stanley Menzo, já citado nessa matéria, e o atacante Henny Meijer, que precisaram fazer o trajeto em outro avião e não estavam no momento da colisão da aeronave com uma árvore, em Paramaribo, capital do Suriname.

Memorial em homenagem às vítimas do acidente, em Paramaribo, Suriname (Foto: Janir Júnior / Globo Esporte)

O acidente chocou os dois países e gerou homenagens para as vítimas, entre elas um memorial na capital do Suriname, utilizando turbinas de avião. A tragédia pôs fim aos Onze Coloridos, mas anos depois uma iniciativa semelhante teve início, os Suriprofs, que se reuniram dezenas de vezes em partidas beneficentes e juntaram grandes nomes ligados à antiga colônia.

Já na Seleção Holandesa, até os dias de hoje é possível notar um grande número de convocados com ascendência latina, agora com uma presença maior também de jogadores com ligação aos países que constituíam as Antilhas Holandesas, Curaçao e Aruba.

Antes da atual geração, o grande destaque na Laranja Mecânica com ascendência arubana era Wilfred Bouma, ídolo do PSV Eindhoven, onde foi campeão seis vezes da liga nacional, a Eredivisie. Já na atualidade, Denzel Dumfries, lateral-direito da Internazionale e que ganha cada vez mais confiança de Louis van Gaal, é titular da equipe nacional. Curiosamente, em 2014, ainda com 17 anos, ele chegou a disputar dois amistosos pela seleção latina, marcando um gol na ocasião.

Denzel Dumfries jogando por Aruba, em 2014 (Foto: Reprodução)

Já Curaçao, conta com mais nomes com descendência ao serviço da seleção europeia, tanto na atualidade como anos atrás. Historicamente, o maior exemplo é Gregory van der Wiel, lateral-direito titular no vice-campeonato mundial em 2010, e que acumula longas passagens por Ajax e Paris SG.

O número aumentou nos últimos anos, com jogadores como Patrick van Aanholt, Leroy Fer, Jetro Willems e Jurgen Locadia, que acumularam alguns chamados, apesar de não fazerem mais parte do grupo. O momento agora é de duas jovens promessas, Tyrell Malacia e Jurrien Timber, de Manchester United e Ajax, respectivamente, que estarão na Copa do Mundo e ganham cada vez mais espaço na Laranja Mecânica.

No entanto, jogadores com ascendência surinamesa seguem sendo maioria. Para o Catar foram quatro convocados: o zagueiro e capitão Virgil van Dijk, do Liverpool, o meio-campista e grande revelação Xavi Simons, do PSV, e os atacantes Noa Lang, do Club Brugge, e Steven Bergwijn, do Ajax.

A lista poderia ser ainda maior, mas a lesão de Gini Wijnaldum, da Roma, que vinha sendo pilar da seleção o tirou da disputa. Outros dois jovens que vinham sendo chamados, mas foram preteridos na convocação final, terão que assistir a Copa do Mundo de casa, Ryan Gravenberch e Donyell Malen, do Bayern München e Borussia Dortmund, respectivamente.

Na contramão dos bons resultados que a Holanda já conseguiu com auxílio desses jogadores, as seleções latinas ainda brigam por resultados expressivos e vão crescendo aos poucos, também com trabalho nos bastidores para atrair atletas nascidos no Velho Continente, que tenham ligação familiar com suas nações.

Quem mais obteve sucesso até aqui foi Curaçao, que avançou bastante ao ser treinada por nomes históricos, Guus Hiddink e Patrick Kluivert, e integrou alguns jogadores com carreira no futebol europeu, como Vurnon Anita e Leandro Bacuna, que se juntaram a Cuco Martina, todos eles com passagem pela Premier League inglesa e colaboraram para melhores resultados da equipe tanto na Copa Ouro da CONCACAF, como nas Eliminatórias para a Copa do Mundo.

Guus Hiddink ao comando de Curaçau (Foto: Ferry de Kok/BSR Agency/Getty Images)

Conseguindo melhorar seus resultados, o Suriname também segue caminho parecido buscando o convencimento de jogadores preteridos pela Laranja Mecânica e acumula nomes menos expressivos, mas espalhados pelo futebol europeu, que ajudaram a seleção a quebrar 36 anos sem disputar a Copa Ouro da CONCACAF. A campanha terminou ainda na primeira fase, mas foi abrilhantada pela vitória diante de Guadalupe.

Já Aruba, ainda está bem atrás nessa questão e os resultados são bem menos expressivos, sem conseguir se classificar para a competição continental e ainda amargando um rebaixamento para a terceira divisão da Liga das Nações da CONCACAF, na primeira edição do torneio, perdendo todos os seis jogos que disputou e até mesmo sofrendo uma goleada para a Jamaica.

A tendência para os próximos anos é que novos jovens surjam na Laranja Mecânica com ascendência latina, como já está ocorrendo atualmente e se farão presente na Copa do Mundo, como Malacia, Timber e Simmons, todos eles com menos de 24 anos. Assim como é bem provável que se multipliquem os nomes de jogadores que farão o caminho contrário, algo que tem gerado bons resultados, além de permitir que essas nações sonhem com a disputa de um Mundial, ainda mais palpável com 48 seleções.