Ausente na categoria de Melhor Animação no Oscar, o filme também passou batido até mesmo para quem acompanha os principais lançamentos de Hollywood

Imagem do filme Mundo Estranho, da Disney. Divulgação.

 

Por Lucas Santana para a Cobertura Colaborativa Cine NINJA do Oscar 2023

O filme da Walt Disney Animation, Mundo Estranho (2022), com direção de Don Hall e Qui Nguyen, e que marca o lançamento da campanha de comemoração dos 100 anos do estúdio, passou despercebido entre as principais premiações da temporada, incluindo a categoria de Melhor Animação no Oscar, mas também à época do seu lançamento, poucas pessoas ouviram falar dele.

Com estética inspirada pelas revistas Pulp, tipo de ficção popular no início do século XX, o filme narra a jornada da família Clade, com diferentes gerações de exploradores, em busca de um mundo totalmente desconhecido, cheio de mistérios e perigos. Em meio às aventuras, vemos os conflitos entre pai e filho, e posteriormente, sua resolução, no bom jeito Disney de contar histórias.

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Mundo Estranho traz consigo um importante marco, o primeiro protagonista declaradamente homossexual de um filme de animação da Disney. Ethan Clade, dublado no Brasil por Caio Freire, é um adolescente negro e gay, que se opõe a seguir os mesmos passos do pai. A animação que dialoga diretamente com a proposta da empresa de diversificar suas histórias e personagens, teve um marketing muito aquém dos últimos filmes do estúdio, como Encanto (2021) e Frozen II (2019).

Nos últimos anos a Disney tem se esforçado para apresentar em seus filmes e séries personagens e narrativas que sejam plurais, se distanciando das produções que reproduzem estereótipos negativos e reafirmam a hegemonia das histórias e corpos brancos cis heteronormativos. Isto faz parte da política da empresa de construir sua imagem como atenta às discussões sociais mais atuais, conectada com as lutas dos diferentes grupos minorizados em seus direitos e representações. Mas até onde vai esse comprometimento?

A fraca divulgação do filme foi proposital? Não é possível bater o martelo e afirmar de maneira contundente, mas cabe a reflexão sobre o assunto. Temendo mais boicotes e movimentos anti-LGBTQIAPN+, como houve com produções anteriores, a empresa resolveu fazer o filme passar despercebido? Com orçamento de 120 milhões de dólares, de acordo com o IMDB, o filme arrecadou apenas cerca de 73 milhões de dólares, levando-o para o grupo dos filmes que trouxeram prejuízo para a empresa. Por outro lado, com os 17 títulos lançados pela Disney no cinema, a casa do Mickey arrecadou globalmente quase 5 bilhões de dólares, sendo mais uma vez a líder mundial em bilheteria do ano. Perdendo por um lado, mas lucrando bastante por outro, o prejuízo compensa?

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Além da publicidade fraca, de acordo com a Variety, a Disney decidiu não lançar o filme em países do Oriente Médio, Malásia e Indonésia, e não foi exibido na China, um dos maiores mercados mundiais, por ter um protagonista abertamente LGBTQIAPN+. Quando olhamos para o histórico recente da empresa, a dúvida que paira sobre as razões do fracasso de bilheteria e o não reconhecimento do filme nas principais premiações de cinema fica mais forte.

“Don’t Say Gay”

Parte dessa decisão executiva contrária ao compromisso com a valorização das minorias que o próprio filme Mundo Estranho traz pode estar na figura de Bob Chapek, demitido em Novembro de 2022 do cargo de CEO da Disney, função que desempenhou na empresa desde fevereiro de 2020. Entre as diversas polêmicas em que esteve envolvido, uma das maiores foi a contribuição financeira dada pela Disney aos lobistas apoiadores do projeto “Don’t Say Gay”, medida legislativa aprovada no início de 2022 na Flórida que “proíbe instrução sobre orientação sexual e identidade de gênero em escolas públicas do jardim de infância até a terceira série”.

O comportamento contraditório gerou repercussão negativa entre o Sindicato da Animação dos Estados Unidos e entre funcionários da empresa, que pressionaram o CEO para tomar uma atitude e retirar o apoio à Lei Anti-LGBTQIAPN+, mas o mesmo “não abriu mão das doações ao projeto, dizendo que o maior impacto que a empresa pode ter na criação de “um mundo mais inclusivo é através do conteúdo inspirador que produzimos”. (trecho retirado da matéria do Mídia Ninja). Essa afirmação não encontrou eco entre os funcionários LGBTQIAPN+ da Pixar, um dos estúdios de animação pertencente ao conglomerado Disney, que em uma carta aberta alegaram que os executivos da empresa exigiram cortes de “quase todos os momentos de afeto abertamente gay”.

Um histórico de censuras e baixa representatividade

A lista é grande quando se trata de polêmicas da Disney relacionadas às representações LGBTQIAPN+ em suas obras. Do “queer coding” no desenvolvimento de vilões clássicos nos filmes de animação, às menções a afetos não-hétero quase imperceptíveis, o posicionamento da empresa diante da comunidade queer permanece controverso.

O beijo lésbico entre a personagem Hawthorne e sua esposa só foi reinserido no filme Lightyear (2022) após o protesto da equipe diante do caso “Don’t Say Gay”. O curta sobre um homem que apresenta seu namorado para os pais, Segredos Mágicos (Out, 2020), que integra o programa SparkShorts da Pixar, não foi incluído no Disney+ Brasil, sem maiores explicações, junto com os outros 6 da coleção, em 17 de Novembro de 2020, ocasião do lançamento da plataforma de stream no país e em toda América Latina, sendo acrescentado no catálogo apenas em 18 de dezembro do mesmo ano.

Até a chegada de Mundo Estranho e Lightyear, a representatividade LGBTQIAPN+ nos filmes dos seus principais estúdios de animação se restringiam a um casal de lésbicas que fazem figuração em Procurando Dory (2016), à personagem Specter que menciona sua namorada, e aparece em poucas cenas do filme Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (Onward, 2020), e duas mães que dão um abraço de despedida no filho no jardim de infância no fim de Toy Story 4 (2019).

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023