Por Renata Renovato Martins

Sou professora de escola pública no ensino médio do Rio de Janeiro, e ao propor escrever sobre este tema me deparei com uma série de boas surpresas. É muito comum a gente vibrar com projetos que dão certo e com jovens estudantes viralizando lindamente com suas artes dentro e fora das escolas. Mas a verdade é que nem todo projeto dá certo e que o dia de uma escola é sempre um aprendizado, para alunos e professores.

Sempre soube da importância do esporte e, principalmente, do futebol para meus alunos, mas a verdade é que muito aos poucos fui absorvendo esta informação. O que eu sei, é que quanto mais me abro pra escutar minhas alunas e alunos, mais aprendo sobre como posso cada vez mais ajudá-los.

A copa do mundo é tema que possui um mundo de possibilidades a explorar dentro de uma escola, mas o que vi, nesta copa de 2022, foi uma mistura de sentimentos e interesses por parte de alunas e alunos. Não houve uma grande festa, tampouco houve indiferença. Diante do cenário sócio-político que vivemos, vi e ouvi um certo despertar, em muitos sentidos, tanto deles quanto meu.

A copa do Catar está necessariamente ligada a temas como os direitos humanos e também sobre novas maneiras de pensar culturas, povos e religiões. Obviamente que a escola geralmente aproveita importantes datas para explorar alguns possíveis trabalhos, projetos e engajamentos dos alunos. Mas, o que fica claro é que, apesar de tais iniciativas, as consequências destas ações muitas vezes são imprevisíveis e não atendem às expectativas iniciais. O que não quer dizer que, estas mesmas expectativas, em muitos casos não possam ser alcançadas e até mesmo superaras.

Projetos são feitos aos poucos, dia a dia, com uma pesquisa aqui, uma atividade ali, um debate e muito desejo e paciência. Este ano a copa esteve em meio a temas políticos nacionais, a temas políticos internacionais, próxima ao encerramento do ano letivo e, principalmente, inserida no projeto de consciência negra, trabalhando a data de “zumbi dos palmares” dia 20 de novembro.

Sem contar com o fato de que ainda vivemos os muitos resquícios de uma pandemia que deixou fortes marcas sociais e grandes ausências educacionais.

Ainda hoje, tudo parece retomar seu lugar, muito aos poucos, apesar de sabermos que este lugar é um tanto complexo. Mas uma coisa é certa: a copa é maior do que supomos. Meus alunos não apenas entendem de futebol, como muitos deles são jogadores de futebol. E se tem uma coisa nesta copa que eu aprendi, foi a de que trabalhar os aspectos que envolvem o futebol, é também trabalhar a realidade de muitos deles, e para além disso, pois quando tocamos em um assunto comum a um grupo de alunos, acabamos envolvendo todo o grupo.

Em dois projetos diferentes vi o quanto o futebol é potente. No dia da celebração do projeto da consciência negra, vi estudantes vestidos com roupas étnicas e pinturas que tratavam do tema, desfilando, dançando e cantando suas raízes e suas lutas. Vi também a escola enfeitada com as cores da seleção, alunas e alunos com camisas de futebol e vários deles com a camisa da seleção.

Vi alguns ainda tímidos na torcida, outros empolgados, falando sobre seleções diversas, vi também outros motivados pelas vitórias da seleção, ensaiando torcer em uma copa pela primeira vez.

Recentemente pedi uma redação sobre a copa do mundo no Catar, suas implicações sociais e políticas, e me surpreendi com o que cada um deles tinha a dizer. Li sobre a importância do amor, o tratamento da mulher, a política no Catar, culturas e direitos humanos. Logo ouvi que um de meus alunos, recém transferido, jogador de futebol profissional e que estava ali se dividindo entre sua escola e seu trabalho, que é o seu sonho. Então perguntei pra ele, “você sabe como a filosofia pode ser importante pra você? “Ele brincando respondeu que falaria melhor nas entrevistas. Eu percebi que mesmo brincando ele tinha razão sobre o que estava falando, parti dali e desenvolvemos algumas boas opções juntos, enquanto a turma se divertia com nossa conversa.

Outro dia, fiz uma roda de conversa em uma turma sobre a data da “consciência negra” e falamos sobre Zumbi, capoeira, samba, resistência… falamos também sobre futebol. Meus alunos Paulo André (17) e Lucas (17), trouxeram suas contribuições descrevendo como é a vida de jovens jogadores de futebol negros, pois ambos também são jogadores profissionais do sub-20. Compartilhavam suas experiências, enquanto um falava, citava o outro que assentiu com a cabeça. Desabafaram sobre o racismo que sofrem na pele quando confrontam um time rival. Falaram sobre insultos de todo tipo que constantemente escutam, e que “Pra conseguir seguir em frente, é preciso ter muita cabeça. “

Ali, naquele momento, entendi o quanto foi importante pra ele falar e, principalmente, o quanto foi importante pra mim escutar. Eles, jovens que entram e saem da sala, nem sempre interessados em meus “debates filosóficos” mostraram que tinham o que falar, com suas histórias, vidas, lutas e, principalmente, representatividade. Entendi que não se tratava e não se trata, apenas, de propor aos alunos abrir suas mentes para reflexão, mas principalmente, de abrir também o coração pra escuta atenta de quem sabe engajar futebol e Zumbi. Daqueles que conseguem ser representantes da resistência, que seguem lutando por uma vida justa e melhor para eles e suas famílias.

Hoje, depois dessas conversas, leituras e trocas tão calorosas, entendi, mais do que nunca, em meio a uma Copa do Mundo, como se pode unir educação e futebol.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube