Em Porto Alegre, a Copa dos Refugiados e Imigrantes evidencia e valoriza a riqueza cultural de povos migrantes presentes em território brasileiro

Jogador amador se preparando para jogar. Foto: Érica Sena

Por Sthefany Canez e Érica Sena

Com a Copa do Mundo, é comum acompanharmos diferentes culturas que se tornam evidentes durante o evento. A riqueza cultural do Brasil é ampliada pelas histórias de vida e costumes trazidos pelos migrantes de diversos países para dentro das linhas do território brasileiro.

Para Januário Gonçalves, 50, diretor-presidente da seção gaúcha do Pacto pelo Direito de Migrar, África do Coração (PDMIG), organização que realizou o evento, mais importante do que a premiação, ao final do torneio, está a importância de integrar essas pessoas ao local no qual vivem.

Copa do Mundo e imigrantes

De acordo com a Agência Brasil, em 2021 o número de novos imigrantes cresceu em 24,4% em dez anos, tendo atualmente 1,3 milhão de imigrantes que residem no país. Já em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, esse número estaria em torno de 30 mil, conforme o Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução aos Migrantes (CIBAI).

No Brasil, uma vez por ano, acontece a Copa dos Refugiados e Imigrantes que tem como objetivo celebrar o futebol de atletas amadores que desejam honrar seu país vestindo a camiseta da sua seleção. As etapas ocorreram em seis estados e no Distrito Federal.

Alejandro Hernandez, 24, diz sentir-se confortável morando em terras brasileiras. “O brasileiro é brincalhão. E o Brasil é o país do futebol. Me sinto em casa.” Relata o venezuelano enquanto se concentrava para entrar em campo na disputa contra Guiné-Bissau.

No último domingo de novembro, a etapa final foi sediada no Serviço Social do Comércio do Rio Grande do Sul (SESC) em Porto Alegre. Com a contribuição de alunos do Núcleo de Apoio e Assessoria a Refugiados e Imigrantes (NAARI) e da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), o campeonato contou com dez seleções: Moçambique, Chile, Líbano, Venezuela, Guiné-Bissau, Peru, Haiti, Angola, Palestina e Senegal, totalizando a participação de 180 atletas amadores.

Jogador estendendo a bandeira do seu país. Foto: Érica sena

A história por trás da torcida

Conforme o evento acontecia, a torcida mostrava um pouco mais de sua essência calorosa e apaixonante. Os olhares apreensivos e o clima de festa escondem as histórias de migração não só dos atletas participantes, mas também de suas famílias presentes na arquibancada.

“Para um estrangeiro que não fala português, estar no Brasil é um pouco difícil”, Relata Esmilda Agramonte, 41. Há seis anos, a imigrante que veio da República Dominicana, afirma gostar da cultura brasileira, além de enxergar características de seu país. Esmilda conta que migrou para Porto Alegre, pelos estudos e melhores oportunidades de trabalho.

Para Jonny Andega, 28, torcer para o Brasil na Copa do Mundo é um sentimento de pertencimento. O imigrante do Peru, conta que veio para as terras brasileiras em busca de trabalho e qualidade de vida para sua família. “Torcer para o Brasil é diferente de torcer para o Peru. Aqui eu torço com emoção, mas no meu país, eu torço com o coração”.

Cultura e xenofobia

Responsáveis pela abertura do evento, as cinco mulheres Fairuz Saleh, Soraia Saleh, Nura Saleh Maysar Hassan e Karina Mustafa, formam o Grupo Palestino Terra. Não é coincidência o sobrenome “Saleh”, as três são irmãs nascidas no Brasil, com pai imigrante nascido na Palestina e que veio para o país em busca de melhores condições de vida e trabalho devido à guerra de 1967.

Junto com essa história, Mayssar Hassan, 62, palestrante, também presenciou a guerra e migrou para as terras brasileiras. O grupo ressaltou que torcer para Palestina no Brasil é um orgulho, fazendo questão de levar a bandeira para onde for. “A gente está transmitindo o que acontece na Palestina. Estamos trazendo conhecimento para as pessoas, muitos sequer sabem onde fica localizado nosso país”, afirma Fairuz.

Mayssar disse que passou por muitas ofensas xenofóbicas como: “turquinha”, “mulher bomba” e “terrorista”. A xenofobia não se limita só a ela, mas também a seus filhos. Na conversa o machismo foi citado, Fairuz relata que o Brasil é muito mais machista, “na Palestina as mulheres são respeitadas, podem ter restrição cultural, mas não religiosa”, a religião Islã ainda é tema de muito preconceito por isso o grupo pautou que muitas vezes a cultura é confundida com religião, por isso ainda declamaram um trecho do Islã “primeiro a mulher, segundo a mulher e terceiro a mulher”.

Ao perguntarmos sobre o Brasil ser o lugar dos filhos de coração, todas afirmam que sim e ainda se emocionaram, Karina falou sobre a música da apresentação que fizeram no começo do evento ao qual o nome é: “Meu sangue é palestino”, a última apresentação foi feita antes da pandemia e os pais de algumas integrantes estavam vivos e ela foi refeita na Copa dos Refugiados, como homenagem aos pais que morreram na época da pandemia, mas por outras razões. Fairuz finalizou dizendo “a pátria Brasil foi a mãe do meu pai”.

Mayssar Hassan, Fairuz Saleh, Karina Mustafa, Nura Saleh e Soraia Saleh integrantes do Grupo Palestino Terra. Foto: Sthefany Canez

Percorrendo mais pelo local, estava um casal sentado assistindo o jogo Peru X Angola. O nome do homem era Mariano Inocente e junto dele, Aline Anacleto. Os dois são casados, vivendo em Porto Alegre há 6 meses, além disso a coincidência é que ambos são migrantes, Mariano é peruano e Aline é migrante interna vinda do Ceará, mas foi para São Paulo com seus 18 anos. Mariano relata que o futebol é sua paixão e o Brasil é em relação ao futebol anos luz que o Peru, por isso, o Flamengo é o seu time do coração. Ao falar do Brasil, Mariano diz que se sente muito à vontade dentro de um país que é diferente do seu.

Mariano Inocente e Aline Anacleto assistindo ao jogo. Foto: Sthefany Canez