Foto: Reprodução / Newstalk

Por Gabriel Mazim

A atual edição da Copa do Mundo FIFA já está mais próxima do seu fim do que de seu início. Assim que o apito final for ouvido no dia 18 de dezembro, na última partida da competição, a contagem regressiva começa para a próxima edição do Mundial masculino.

Começa também a correr o cronômetro para vermos se vai ser quebrada uma triste tradição que segue forte no torneio: a ausência de jogadores abertamente LGBTQIA+.

Enquanto o futebol feminino tem vozes como as de Cristiane Rozeira e Megan Rapinoe – que sempre falam alto em defesa da comunidade –, entre os homens essa representatividade é atrapalhada por uma cultura de apagamento dos atletas que não são heterossexuais. Por isso, é importante entender o que torna o futebol masculino um ambiente no qual esses jogadores são reprimidos constantemente e se podemos ter, até 2026, o primeiro jogador abertamente LGBTQIA+ em uma Copa do Mundo.

“Ser gay e uma personalidade é muito difícil”

A ascensão de jogadores de futebol ao topo do cenário esportivo é um processo que expõe os atletas e suas vidas pessoais (e de suas famílias) para todo o mundo ver.

Além da pressão interna e de familiares/amigos que muitas pessoas LGBTQIA+ já enfrentariam normalmente, esses jogadores têm ainda que lidar com a imprensa, com companheiros de time, torcedores e outros fatores externos que dificultam a decisão de se assumir. Um exemplo do efeito negativo que essa pressão tem sobre um atleta é, infelizmente, o atacante inglês Justin Fashanu.

Justin, que passou por Nottingham Forest e Norwich, viu sua carreira desmoronar após se tornar o primeiro jogador de futebol a se assumir gay publicamente, em 1990. Ele chegou a ser considerado uma futura estrela do futebol inglês, mas foi obrigado a se aposentar devido à sua “saída do armário”. Anos após sua aposentadoria, em meio a uma denúncia de estupro (que ele negou enfaticamente), Fashanu tirou sua própria vida e explicou, em uma carta, que ele não considerava que teria um julgamento justo por ser gay. Ele escreveu: “Eu percebi que já havia sido considerado culpado. Não quero mais ser uma vergonha para minha família e meus amigos. Ser gay e uma personalidade é muito difícil (…)”

Capa do The Sun dando destaque à entrevista em que Fashanu revela ser gay. (Foto: Reprodução)

A mensagem que a FIFA transmite

A maior federação que rege os campeonatos de futebol a nível mundial é a FIFA. Por isso, tudo que é feito, permitido e ignorado pela FIFA carrega uma importância que ultrapassa as 4 linhas do campo.

A realização da Copa do Mundo no Catar e a vista grossa que a federação faz a violações de direitos humanos (no Irã e na Rússia, por exemplo) geram uma insegurança ainda maior para os atletas LGBTQIA+, que não podem confiar nem na instituição que deveria garantir seus direitos enquanto jogadores de futebol.

O lateral australiano Josh Cavallo, que se assumiu gay publicamente em 2021, disse em suas redes sociais que tinha medo de ser convocado pela sua seleção para jogar na Copa do Catar (ele acabou não sendo incluído na lista). As leis do país-sede da atual edição do evento proíbem demonstrações homoafetivas e até prescrevem uma pena máxima de apedrejamento, válida apenas para cidadãos muçulmanos (Fontes: The Washington Post e Gay Times).

Atualmente, Cavallo é o único jogador assumidamente gay em competições de alto nível do futebol mundial. Com os posicionamentos recentes da FIFA – que além de sediar a Copa no Catar, proibiu manifestações a favor dos direitos LGBTQIA+ –, é difícil imaginar que este cenário mude tão cedo.

Copa de 2026 e futuro dos jogadores LGBTQIA+

A Copa do Mundo de 2026 terá três países-sede: México, Estados Unidos e Canadá.

As três nações possuem constituições mais permissivas do que a do Catar, de fato. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, 27 estados ainda não oferecem proteção legal contra a discriminação à comunidade LGBTQIA+. (Fonte: Freedom For All Americans)

Por isso, a discussão acerca da proteção de jogadores e torcedores LGBTQIA+ na Copa do Mundo segue relevante – mesmo em países que condenaram as violações de direitos humanos no Catar.

Em entrevista ao veículo norte-americano OutSports, o executivo da MLS (liga de futebol norte-americana) John Dorn falou que o ambiente nos vestiários não é ideal para homens que buscam conversar sobre sua sexualidade.

“Eu penso que ainda existe um medo dentro dos vestiários,” ele disse. “Os técnicos geralmente são um pouco mais velhos, eles estão nos seus 40 ou 50 [anos]”.

Dito isso, Dorn – que é assumidamente gay – também afirmou na entrevista que acredita na possibilidade da Copa de 2026 contar com ao menos um jogador LGBTQIA+, citando o impacto positivo de cada vez mais jogadores e executivos estarem falando abertamente sobre o assunto.

“Se eu tivesse um técnico assumidamente gay 20 anos atrás, eu teria saído do armário 20 anos atrás,” ele completou.

Se a esperança de John Dorn vai se transformar em realidade na próxima Copa do Mundo, apenas o tempo dirá. Mas, até lá, os jogadores LGBTQIA+ seguem vivendo no limbo entre o passado sombrio da comunidade no esporte e um futuro no qual o respeito e a segurança poderão prevalecer – dentro e fora de campo.