O ano é 2023 e, depois de anos de negacionismo, desgoverno e mudanças na legislação que afrouxaram a proteção socioambiental no Brasil, finalmente o país se vê livre de Bolsonaro, porém, as ideias disseminadas por ele e seus seguidores ainda seguem firmes em partes da população. Em investigação feita pela Agência Pública de jornalismo, três nomes de negacionistas que utilizam discursos disfarçados de ciência para afirmar falácias se destacaram: Luiz Carlos Molion, Ricardo Felício e Evaristo de Miranda.

O palco deles, além das associações do agronegócio que os convidam para palestras, são os canais digitais ligados ao setor e à extrema direita. Miranda e Felício, por exemplo, são colunistas fixos e fontes frequentes de reportagens da Revista Oeste, publicação lançada em março de 2020 que se define como “a primeira plataforma de conteúdo cem por cento comprometida com a defesa do capitalismo e do livre mercado”.

Molion é colaborador frequente do Notícias Agrícolas, que se descreve como “um dos mais importantes meios de comunicação do agronegócio brasileiro”, com “comunicação direta com os produtores rurais”. O site diz criar “um espaço com ampla diversidade de opiniões e informações”, mas, conforme pesquisa da Pública na busca avançada do Google, enquanto um negacionista como Molion tem de fato amplo espaço – foram encontradas 250 menções ao nome dele –, além de outras reportagens com questionamentos ao aquecimento global, há pouco espaço para pesquisadores que levam o problema a sério.

Além de fazerem palestras pelo país a convite de associações do setor espalhando o mito de que o aquecimento global não existe – como no evento bancado pela Aprosoja-MT que antecedeu a fala de Nobre em 2016 –, eles foram alçados à categoria de especialistas por congressistas da bancada ruralista no Congresso. Conquistaram espaço em canais não só do agronegócio, como Canal Rural, Notícias Agrícolas, Terraviva e AgroMais, ambos da Band, mas também da extrema direita, como Brasil Paralelo e Revista Oeste.

O negacionismo climático foi incorporado na máquina de desinformação da extrema direita e se expandiu no meio rural.

A percepção de cientistas e pesquisadores ouvidos pela reportagem é que uma parte do agronegócio – notadamente quem está na ponta: os produtores e suas associações – se tornou refratária à discussão séria sobre o clima. Virou terreno fértil para o negacionismo e a desinformação ambiental.

O pilar do negacionismo

Tendo como sustentáculo a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ou Bancada do Agro como é mais conhecida, esses discursos se espalham pelo meio agro pois incentivam que ele permaneça sem refletir possibilidades de produções mais sustentáveis. Ao invés de pensar em como o agro afeta o clima, os produtores são instigados a pensar em como o clima vai afetar o agro, sem levar em conta que as mudanças climáticas são reais e que o agronegócio e a monocultura desenfreada contribuem para que isso ocorra, tirando de si a responsabilidade do problema e, chegando às vezes até a negar que exista qualquer problema.

De acordo com a apuração da Pública, em uma entrevista que deu para o programa Conversa Paralela, da produtora Brasil Paralelo no Youtube, em agosto do ano passado, Felício afirmou que o “aquecimento global é uma farsa”. Ex professor da Universidade de São Paulo (USP), Felício foi demitido após anos de ausência nas salas de aula, produção científica irrelevante e métodos controversos. Meteorologista formado pela USP, seus textos e vídeos chegam a milhares de pessoas na internet. Os conteúdos, a partir de um tom conspiratório, negam a influência das ações do homem sobre as mudanças climáticas globais. O discurso vai contra o consenso da comunidade científica internacional.

Já a pesquisadora Marie Santini, responsável pelo relatório “Panorama da Infodemia Socioambiental” desenvolvido pelo NETLAB UFRJ, afirma que isso é “uma das pautas centrais na propaganda política da extrema direita brasileira, servindo de argumento para o desmonte da proteção do meio ambiente e o avanço sistemático de atividades extrativistas no Brasil”. O estudo, lançado esse ano, diz ainda que:

“Bolsonaro conseguiu instrumentalizar todo o ecossistema de mídia e garantiu visibilidade com declarações conspiratórias, negacionistas e populistas.” A fim de justificar suas atitudes anti-indigenista, de destruição ambiental e incentivar até mesmo invasões a territórios protegidos.

A pedido da Pública, o NetLab complementou o levantamento, incluindo postagens dos primeiros meses deste ano. Sob o governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT), o conteúdo dos anúncios na Meta mudou um pouco. Passaram a focar, por exemplo, em fatos políticos em debate, como a CPI do MST, ou a discussão sobre o marco temporal para terras indígenas. Foram detectados vários anúncios da FPA, pagos pelo Instituto Pensar Agro, com desinformações sobre o agro, por exemplo, além de críticas à política ambiental do novo governo

Em meados deste mês, o próprio Miranda afirmou que “o agronegócio não desmata”, em um anúncio pago do Canal Rural e veiculado no Google para promover a entrevista concedida ao PodPlantar, da Jotabasso.

Nessa entrevista, ele lança mão de mais um dado não corroborado por outros pesquisadores: de que R$ 3 trilhões estariam imobilizados em propriedades rurais no Brasil por causa da área que precisa ser mantida preservada em cumprimento do Código Florestal. Ele apresentou esse cálculo pela primeira vez em 2018, em palestra do Foro de Agricultura da América Latina, considerada um marco da desinformação ambiental iniciada antes mesmo de Bolsonaro ser eleito. O vídeo principal soma mais de 440 mil visualizações no YouTube, mas há diversos cortes dele espalhados pela rede que aumentaram seu alcance.

Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado

Em vídeo curto publicado no Dia Mundial do Meio Ambiente deste ano no canal Terraviva, ele voltou a citar o dado. “Hoje, 5 de junho, é o Dia Mundial do Meio Ambiente. Deveria ser também aqui no Brasil, um dia para se homenagear o mundo rural, em particular os produtores rurais. Porque não existe neste país ninguém que dedique tanto tempo, tantos recursos à preservação do meio ambiente quanto o produtor rural e mesmo assim muito maltratado nesse tema”, enalteceu.

Essa matéria foi feita com informações da emissora alemã Deutsche Welle (DW) e da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. Ambos grupos jornalísticos entraram em contato com os citados nas reportagens e obtiveram as seguintes respostas:

DW: “Ricardo Felício, Luiz Molion e Eduardo de Miranda não responderam aos pedidos de entrevista feitos pela reportagem.”

Pública:

  • Molion: “Quem sabe em uma outra oportunidade em que eu tenha tempo disponível. Acho que você deveria ver esses assuntos com um olhar mais crítico e não aceitar tudo que você ouve. Sucesso!”
  • Notícias Agrícolas: “O jornalismo do Notícias Agrícolas é pautado pela premissa de ouvir especialistas que sejam experientes o bastante para tratarem dos temas propostos, como é o caso do Dr. Luiz Carlos Molion e a climatologia. Nosso papel, enquanto repórteres, é apenas o de promover debates, ouvir contraposições e garantir que nossa audiência tenha sempre, e constantemente, informações responsavelmente apuradas.”

Com informações da DW e Agência Pública.