Por Hyader Epaminondas

É inevitável não começar pelo elefante na sala: eu não assisti ao filme original dinamarquês antes de conferir esta versão da Blumhouse, que conta com James Watkins no comando dessa adaptação de “Não Fale o Mal”. Ainda assim, a obra de Watkins foi uma belíssima surpresa. Parte desse sucesso se deve ao carisma avassalador de James McAvoy, cuja performance brilhante carrega o peso do suspense e preenche cada cena com uma angústia sufocante.

McAvoy tem uma habilidade rara de intensificar a tensão, projetando sua presença de forma a dominar o espaço com um charme sinistro. Ele incorpora uma constante sensação de ameaça, enquanto os sinais de perigo que ele projeta de forma subjetiva são frequentemente ignorados pelos personagens à sua volta. A cada cena, fica claro que as advertências estão lá, mas a forma como a narrativa constrói esse descaso é o que mantém o público preso, na beira do assento.

O Paddy de McAvoy paira como uma sombra densa e onipresente, envolvendo cada personagem em seu manto sombrio, conduzindo como peças frágeis de um jogo de xadrez perverso. Seus movimentos não são apressados, mas calculados com precisão assustadora, fazendo com que cada escolha e cada gesto dos outros pareça uma mera extensão de sua vontade implacável, como se fossem marionetes de um destino já selado.

O grande mérito do diretor é o de construir um jogo de gato e rato sem apelar para segredos e enigmas complexos. Ao contrário de muitas produções, em que o suspense se alimenta do desconhecido, aqui o perigo é exposto de forma quase descarada, logo nas cenas iniciais em que os casais se conhecem. Tudo está diante dos nossos olhos, e justamente por isso se torna mais perigoso. A ignorância da família protagonista frente ao que é óbvio cria um clima sufocante, quase claustrofóbico, enquanto o assistimos, impotente, à tragédia inevitável.

Essa exposição explícita gera um tipo de tensão visceral, é o sentimento incômodo de antecipar o desastre sem que os personagens tomem atitudes para evitar. Watkins traduz com precisão o desconforto de saber que algo está terrivelmente errado, mas não agir, como uma mola pegando pressão e perdendo momentos depois. Seja por medo, negação ou pura inércia, a família se torna cúmplice do seu próprio destino, e isso reforça o aspecto psicológico da obra. A história é menos sobre sustos e mais sobre o mal-estar crescente que se instala quando as escolhas erradas são feitas repetidamente.

Fidelidade emocional em um elenco que projeta suas fragilidades

O protagonismo é equilibrado entre os dois núcleos familiares, destacando interações intensas e tensões internas que mantêm toda a ambientação à beira do desconforto. Aisling Franciosi se sobressai como a esposa, trazendo uma inocência vulnerável que contrasta de forma fascinante com a fúria desenfreada do filho Ant, interpretado com surpreendente intensidade por Dan Hough. A química entre eles amplifica o peso emocional da trama, e, mesmo ao lado de um ator excepcional como James McAvoy, o jovem Hough impressiona ao sustentar uma presença cênica igualmente poderosa.

Do outro lado temos, Mackenzie Davis e Scoot McNairy entregando interpretações recheadas de projeções subjetivas como pais que lutam para conciliar seus próprios conflitos pessoais com a responsabilidade de criar sua filha, vivida por Alix West Lefler, uma das principais surpresas da produção. A falta de conexão entre eles não é apenas sugerida, mas se manifesta em pequenos gestos e diálogos que evidenciam os desafios de manter uma unidade familiar funcional. Suas tentativas de serem bons modelos para a filha são carregadas de uma vulnerabilidade que ressoa, tornando seus conflitos compreensíveis.

As atitudes dos pais vividos por Davis e McNairy são particularmente impactantes, com ambos mostrando um desenvolvimento gradual que acompanha o desenrolar dos conflitos. À medida que os desafios se intensificam, eles parecem se despir das ilusões que criaram para si mesmos, revelando camadas de suas personalidades ocultas. Enquanto um deles se transforma para melhor, enfrentando seus demônios internos, o outro se afunda cada vez mais em sua própria covardia, evidenciando o contraste entre a superação e a acomodação.

O que torna “Não Fale o Mal” ainda mais poderoso é o realismo das reações dos personagens. Cada decisão, por mais questionável que seja, é compreensível e carregada de humanidade. O filme mergulha no que há de mais comum no comportamento humano: a tendência de ignorar o instinto em nome de uma falsa sensação de segurança e pertencimento.

E é exatamente essa falta de ação que torna o terror palpável. Watkins transforma as hesitações e o medo da família em combustível para um suspense sufocante, que faz da história algo profundamente sinistro e, ao mesmo tempo, dolorosamente real, sem usar o sobrenatural como muleta para fazer explicações desnecessárias à trama.

A nova versão de “Não Fale o Mal” oferece uma experiência de horror psicológico bem construída, onde a tensão nasce da exposição do perigo e da inação diante dele, com um final diferente do original que funciona melhor pelo teor da adaptação.

Com atuações magnéticas, especialmente a de McAvoy, e uma direção precisa, Watkins consegue criar um ambiente onde o medo não está escondido, mesmo contando com o cenário limitado de uma casa de campo, mas à vista de todos, esperando para ser reconhecido, um excelente suspense que flerta de forma sedutora com elementos de terror que desafia seus personagens a enfrentarem seus medos, ou se perderem neles.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.