Por Luiz Vieira

A arte drag é hoje uma das vertentes mais potentes do meio artístico brasileiro. Não à toa, duas das maiores drags queens do mundo são daqui. Pabllo Vittar é um fenômeno, assim como Gloria Groove. O país do futebol, do samba e – por que não? – da arte drag, tem mostrado para o mundo que temos talentos extraordinários por aqui.

É o caso também de DaCota Monteiro, uma drag queen multifacetada que não abre mão do que ama para fazer sua arte drag, mas também busca um lugar mais digno para todes que vivem dessa profissão. “Hoje em dia, as drags estão tendo mais oportunidades, mas ainda assim quem contrata nos enxerga como mão de obra barata”, conta.

Na coluna de hoje, ela fala sobre as dificuldades de fazer arte drag no Brasil, a pouco valorização de sua classe e como as pautas racial e LGBT+ atravessam sua vida e profissão. 

Com vocês,  a disruptiva DaCota Monteiro: 

Minha querida, vamos começar? Como é fazer arte drag no Brasil?

A arte drag, apesar de muito popular, não é uma arte valorizada enquanto ARTE e enquanto trabalho. É uma arte marginalizada com conhecimentos passados de boca a boca com habilidades que você só aprende trabalhando na noite, estando no palco etc. Então, não é levada à sério enquanto arte, porque não tem esse berço acadêmico que muitas pessoas precisam para validar algo como arte. E é uma arte que você gasta muito dinheiro pra poder fazer: peruca é caro, maquiagem é cara, looks grandes são caros, e claro que dá pra economizar aqui e ali, mas os lugares que nos contratam querem pagar R$150$, R$200$, R$500 de cachê e querem exigir looks novos, performances novas, sendo que não se dispõe a pagar por esse trabalho.

Hoje em dia, as drags estão tendo mais oportunidades, mas ainda assim quem contrata nos enxerga como mão de obra barata/burra, e constantemente tentam nos passar a perna e ganhar dinheiro em cima da gente, e nós muitas das vezes deixamos que isso aconteça pra poder “fazer um contato” ou “manter uma boa relação” para poder ter algum trabalho.

Você acredita que as pautas raciais e LGBTQIAPN+ avançaram no Brasil? 

Eu acredito que tivemos avanços na discussão sobre a nossa existência e nossas individualidades, e representatividade na política com pessoas como Erika Hilton, mas infelizmente, muito da pauta foi cooptada pelo neoliberalismo e transformada em produtos, e isso acabou culminando numa certa banalização da pauta. Sempre podemos avançar mais, porém precisamos lutar contra a representatividade vazia e contra a produtificação das pautas para conseguirmos focar na luta pelas nossas vidas.

Quais são as suas maiores referências na música, na literatura, no cinema, nas artes plásticas, entre outros segmentos, para compor a sua drag? 

As minhas maiores referências são os artistas negras que marcaram época: Josephine Baker, Dianna Ross, Grace Jones, Elza Soares e Beyoncé. Eu gosto de referenciar a excelência negra! Mas também gosto muito de me inspirar em teatros musicais queer, Hedwig and The Angry Inch, Rocky Horror Picture Show, etc. Eu amo essa parte trash e contracultura da drag. Eu tento não  perder essa veia “não recomendado para todas as audiências”.

Como aconteceu o convite e como está sendo esse processo de estrear um clássico de William Shakespeare, “Rei Lear“, no teatro com um elenco todo composto por drags?

Está sendo incrível!!! Eu faço teatro desde criança e quando fui me entendendo enquanto pessoa LGBT, fui vendo que o teatro clássico é um tanto limitante pros nossos corpos, e foi exatamente isso que me atraiu pra cena drag: uma autonomia e protagonismo que eu nunca tive. E o convite pra esse projeto e o resultado me deixa extremamente feliz porque estamos podendo fazer uma tragédia shakespeariana, uma oportunidade que dificilmente nós teríamos, e fazendo isso colocando a drag em primeiro plano, tá incrível! Espero que o país todo veja.

Qual legado você quer deixar com a sua arte?

Eu adoraria deixar uma mensagem de esperança para as pessoas que sempre quiseram ser artistas, mas não conseguem porque acreditaram que seus corpos e vivências não são bem-vindas no meio artístico. É POSSÍVEL! Eu vim do interior, de uma cidade que nem cena drag tinha na época, e consegui conquistar meu espaço e viver daquilo que amo! Sem meritocracia aqui, claro, mas é importante acreditar!