Na ponta da chuteira! A falta de acessórios adaptados para as jogadoras de futebol
A Copa do Mundo Feminina 2023 evidenciou algumas questões que passavam despercebidas, como a necessidade de instrumentos de trabalho adaptados para as jogadoras
A Copa do Mundo Feminina 2023 evidenciou algumas questões que passavam despercebidas, como a necessidade de instrumentos de trabalho adaptados para as jogadoras
Por Juliane Castro e Labelle Fernanda
A Copa do Mundo Feminina 2023, que está caminhando para a reta final, evidenciou algumas questões que passavam despercebidas, como a necessidade de instrumentos de trabalho adaptados para as jogadoras. Um exemplo disso são as chuteiras, objeto indispensável e, aparentemente, simples, mas que ainda fazem parte dos processos exclusivos do futebol masculino.
De acordo com estudos da European Club Association (ECA), órgão que representa Clubes Europeus, 82% das atletas de futebol feminino sentem dores e desconforto ao usarem chuteiras em campo. Esses transtornos ocorrem devido a pouca variedade de chuteiras adaptadas para pés femininos. Segundo Claire Bloomfield, responsável pelo futebol feminino no ECA, os dados das pesquisas são assustadores. “Sabíamos que iríamos encontrar algo, mas esses números nos surpreenderam”, explica Bloomfield.
Com poucas chuteiras femininas, as atletas são obrigadas a usar as masculinas e adaptar o modelo, para tentar fazer com que fique compatível com seus pés. Entre as mudanças necessárias nas versões masculinas estão o uso de palmilhas especializadas, pequenos cortes e furos na região do calcanhar. A especialista em medicina do futebol e reabilitação esportiva, Katrine Kryger, analisou as diferenças entre os pés das mulheres e dos homens, e as relações disso com as lesões sofridas pelas jogadoras. “Temos o mercado de pesquisa masculino e sabemos que existem questões relacionadas a isso, que chuteiras mal ajustadas podem causar problemas”, explica a profissional.
Mudanças e Inovação
Antes da Copa do Mundo Feminina 2023, a Nike, uma das principais empresas de materiais esportivos mundial, lançou sua primeira chuteira criada, especialmente, para o pé feminino. A Phantom Luna, como foi batizada, durou 2 anos para ser finalizada e trouxe um design inovador e sob medida para os pés das atletas, além de zonas de toque maiores para otimizar o contato com a bola.
Apesar das pequenas inovações, é verdade que muitos desses modelos são muitos mais caros em relação a um modelo similar masculino e que muitas jogadoras atuam sem ter algum tipo de patrocínio, o que dificulta o acesso a esses equipamentos. Como apontou a pesquisa feita pelo ECA, 43% das atletas que participaram da pesquisa não possuíam contrato de patrocínio com qualquer marca.
O protesto histórico realizado pela lendária Marta, na Copa de 2019, antecedeu essa tendência e trouxe olhares para a questão de patrocínio para os equipamentos de jogo como chuteiras, luvas, meiões e outros equipamentos de proteção para as jogadoras. A atleta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo, jogou sem nenhuma marca nas chuteiras por considerar os valores propostos injustos. “Não é só pelo dinheiro em si. É toda uma história. Mas, muitas vezes, os contratantes da patrocinadora não enxergam por esse lado”, declarou em entrevista ao Globo Esporte.
Na época, a jogadora lançou uma chuteira totalmente preta, que única “marca” era o sinal matemático de igualdade (=). A atleta estreou com o modelo em uma campanha produzida pela Centauro, a “Go Equal”, que luta pela igualdade de gênero, tem Marta como embaixadora e parte das verbas destinada a projetos de empoderamento feminino. Marta usou novamente a chuteiras nas Olimpíadas de 2021 e agora, na Copa do Mundo de 2023.
Pequenos passos para o futuro
O futebol feminino vem alcançando conquistas significativas, que são necessárias para aumentar a visibilidade do esporte nessa categoria, mas ainda há muito a ser feito. A falta de equipamentos básicos, como maior variedade de chuteiras adaptadas para as mulheres, só é mais um exemplo disso.
Pesquisas como a da ECA são extremamente importantes e revelam que existem muitas outras áreas que ainda podem ser exploradas para analisar outras vertentes das desigualdades enfrentadas pelas jogadoras no esporte. Por envolver questões, teoricamente, mais simples, muitos aspectos passam despercebidos, mas é importante lembrar que detalhes como esses são indispensáveis para o avanço da equidade entre o futebol feminino e o masculino.
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube