Conheça a ascensão e o declínio da história da primeira mulher a treinar uma equipe masculina de futebol profissional

Foto: Sandra Ruhaut/Icon Sport

Por Rachel Motta Cardoso

Nascida em 4 de agosto de 1974, na cidade de Croix, uma das comunas de Lille, Corinne Catherine Diacre viu seu caminho à frente da seleção de seu país se tornar sua via crucis. Oriunda do meio futebolístico, Corinne teve uma carreira de zagueira, relativamente, curta, motivada por uma ruptura do ligamento cruzado do seu joelho direito, em outubro de 2006, quando ela ainda tinha 32 anos. Jogou sua carreira profissional toda em um único time, o ASJ Soyaux, de 1988 a 2007, mas sua estreia no time principal se deu em março de 1993, aos 18 anos. Seu espírito de liderança, rapidamente, a lançou como capitã da equipe, função que também desempenharia na seleção francesa. Com a camisa da seleção e a braçadeira de capitã do time, defendeu Les Bleues de 1993 a 2005.

Foto: Reprodução La Croix

Surge uma treinadora

Mesmo sendo levada a se aposentar como jogadora, Corinne não deixou o futebol. Passou a atuar como treinadora, em 2007, após ser contratada pela equipe que defendeu por toda a sua carreira, o Soyaux. Naquele mesmo ano, também teria a sua primeira experiência no comando da seleção nacional, atuando como assistente até o ano de 2013.

Todos esses anos trabalhando com uma equipe feminina levaram-na a obter, em 2014, uma licença da Federação Francesa de Futebol que lhe permitia treinar equipes das ligas profissionais masculinas: a Ligue 1 e a Ligue 2. Era o momento de Corinne marcar o seu nome na história. Com a negativa da técnica portuguesa Helena Santos Costa em assumir a equipe do Clermont Foot, o clube faz uma proposta à francesa, que aceitou, tornando-se a primeira mulher a treinar uma equipe masculina de futebol profissional na França. Foram três temporadas à frente da equipe, mas a chamada para a seleção francesa finalizaria esse capítulo de sua história.

Foto: AFP THIERRY ZOCCOLAN

A chegada à seleção francesa e o início dos desentendimentos

Em 30 de agosto de 2017, Corinne foi nomeada como técnica da seleção francesa de futebol, em substituição a Olivier Echouafni, que esteve no comando da equipe por um ano. O contrato assinado por Corinne era de 4 anos, mas acabou à frente da seleção por 6 anos. Esse período ficou marcado pela participação das francesas nas Olimpíadas e na Copa do Mundo de Futebol Feminino, realizada na França, em 2019. Aliás, foi após a desclassificação, diante dos Estados Unidos, nas quartas de final, que o clima nada amistoso começou a ser mostrado na imprensa. Críticas às jogadoras, na TV, demonstravam que a relação entre técnicas e atletas era um assunto delicado. Com o final da Copa, Corinne Diacre criticou, publicamente, em uma entrevista, a jogadora Le Sommer. De acordo com a crítica da técnica, a jogadora não seguia suas orientações quanto ao seu posicionamento. Le Sommer posicionou-se negativamente quanto à forma como a crítica foi feita, principalmente por a técnica expor, à imprensa, sem nem antes conversar com ela. 

Foto: CHINE NOUVELLE/SIPA

Mas não seria apenas Le Sommer que teria problemas com a técnica. Um dos questionamentos veio de Wendie Renard. A jogadora era, reconhecidamente, a capitã da equipe, mas teve sua braçadeira retirada assim que Corinne assumiu a seleção. O que se colocava à imprensa, na época, é que a posição de liderança de Renard, diante das demais jogadoras, era um “ponto de inflexão” e que incomodava a nova treinadora. No entanto, como ressaltamos antes, foi apenas depois da Copa do Mundo de 2019 que os problemas começaram a surgir. As jogadoras do Lyon, que serviam de base para a seleção francesa, reuniram-se com Nöel Le Graët, então Presidente da Federação Francesa de Futebol – que também responderia por assédio sexual após denúncias nos primeiros meses de 2023 – quando da visita ao clube, em função da vitória na Champions League. Na ocasião, as jogadoras declararam todos os problemas que vinham passando com a treinadora, principalmente a forma como ela tratava e dirigia a equipe. Era a grande oportunidade de mudança, mas nenhuma providência foi tomada e Corinne continuou à frente das Bleues.

A grande virada de mesa parece ter vindo, alguns anos depois, com a decisão de Wendie Renard de deixar a seleção para cuidar de sua saúde mental, como havia declarado em suas redes sociais. Já com a braçadeira de capitã devolvida, a jogadora se colocou em oposição ao sistema de Corinne e declarou, publicamente, não concordar com ela. A publicação se deu em 24 de fevereiro de 2023, em sua conta do Instagram. Ali, Renard escreveu:

“Defendi a camisa azul, branca e vermelha 142 vezes, com paixão, respeito, comprometimento e profissionalismo. Amo a França mais do que tudo, não sou perfeita, longe disso, mas não posso mais endossar o sistema atual, longe dos requisitos exigidos pelo mais alto escalão.”

https://twitter.com/WRenard/status/1629104287774134272

 

A decisão da capitã também fez com que Marie-Antoinette Katoto e Kadidiatou Diani deixassem a seleção. Aliás, Katoto jogava pelo PSG e era a artilheira da liga francesa quando foi ‘deixada de fora’ da lista das convocadas para a Copa, em 2019. O mesmo havia ocorrido com a então capitã, Amandine Henry, que não foi convocada para defender a seleção na Eurocopa Feminina de 2020. Assim, criou-se um histórico de desentendimentos entre a treinadora e as atletas. A atitude de Renard evidenciou o problema que já vinha desde o momento em que Corinne assumira o cargo de treinadora da seleção. Diante do impasse, os membros do comitê executivo da Federação Francesa de Futebol reuniram-se, no dia 09 de março de 2023, com o presidente interino, Phillipe Diallo, e decidiram, naquela reunião, pela demissão de Corinne Diacre. Era o fim de uma conturbada história que foi, amplamente, exposta na imprensa e que demonstrou a força de sua principal jogadora: a capitã e líder da seleção, Wendie Lennard.

Fontes: Ligue 2, Soyaux, ESPN, Trivela, Wendie,Renard (Instagram), FIFA

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube