Por Naira Amorelli

Envelhecer sendo mulher é um ato político, e, muitas vezes, solitário. Enquanto os homens ganham prestígio com os cabelos grisalhos, as mulheres ganham invisibilidade. Enquanto eles são tratados como experientes, elas são vistas como ultrapassadas. A juventude, para nós, não é apenas uma fase: é uma exigência constante, um padrão inalcançável e cruel. Quando o tempo se inscreve nos nossos corpos, a sociedade responde com exclusão.


Isso tem nome, se chama etarismo, um preconceito baseado na idade que, quando recai sobre mulheres, se entrelaça ao machismo, à misoginia e ao racismo. Envelhecer, nesse cenário, é carregar um peso simbólico que diz: “você já não serve mais”. E esse discurso violento vem de todos os lados. Vem do mercado de trabalho, nas incontáveis portas fechadas. Vem da mídia, esfregando na nossa fuça aqueles corpos jovens e super ativos. Vem da publicidade, com tantos corpos durinhos e cheios de viço. Mas claro que vem também das relações afetivas, com a exigência de ser uma bela vitrine e até mesmo da própria família, cobrando de nós, algo inalcançável, vejam só.


Juventude como capital, maturidade como fardo
A cultura da juventude eterna transforma a passagem do tempo em ameaça. Rugas, cabelos brancos, menopausa, mudanças no corpo, tudo isso vira motivo de vergonha, silenciamento ou exclusão. O autocuidado é vendido como obrigação estética, e não como bem-estar. Mulheres são ensinadas a evitar os sinais da idade como quem tenta esconder uma falha de caráter. Mas envelhecer não é falha. É conquista. E deveria ser celebrado.
Só que o mundo real não funciona assim. Dados do IBGE mostram que 64% das mulheres brasileiras com mais de 50 anos têm dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho, de acordo com o Meio & Mensagem. Isso significa que, além de carregar uma vida de trabalho, criação de filhos, sobrecarga doméstica e batalhas diárias, somos descartadas quando não performamos mais a juventude.


Mídia e publicidade: onde estão as mulheres reais?
E aí, quando a gente olha para campanhas publicitárias, novelas, filmes e redes sociais, o cenário é igualmente hostil. Mulheres maduras, quando aparecem, são quase sempre brancas, magras, bem-sucedidas, eternamente maquiadas, com rostos “esticados” e corpos “conservados”. A mulher comum de 60, 70 anos, aquela que usa chinelo, cuida dos netos, anda de ônibus, tem rugas fundas, cabelo branco desgrenhado e usa roupas tidas como bregas, essa, a mídia faz questão de apagar.
A matéria “A Era Dourada” (Meio & Mensagem) até celebra uma certa virada de chave para mulheres 50+, mas só se elas estiverem dentro dos padrões do mercado: bem resolvidas, bem remuneradas, “bem conservadas”. E as outras? Continuam sendo marginalizadas.
Mulheres negras, periféricas e mais velhas: triplo apagamento.


O peso de envelhecer não é o mesmo para todas. Mulheres negras e periféricas enfrentam um etarismo ainda mais violento, atravessado pelo racismo e pela desigualdade estrutural. Elas envelhecem com menos acesso à saúde, à renda, à visibilidade e à dignidade. Envelhecem sem serem ouvidas. E, muitas vezes, sem sequer serem vistas.
A combinação entre machismo, racismo e etarismo aprofunda desigualdades históricas e naturaliza a exclusão. Como sociedade, a gente precisa romper com essa lógica, e isso começa quando a gente reconhece que não é normal que mulheres de 40, 50 anos sejam consideradas “velhas demais” para o trabalho, mas “jovens o suficiente” para cuidar dos netos ou dos pais idosos sem apoio nenhum.


Resistir é também não desaparecer
Apesar do apagamento, muitas mulheres estão se recusando a sumir. Coletivos feministas intergeracionais, influenciadoras maduras, artistas e ativistas estão abrindo caminhos para um novo jeito de viver a maturidade, com orgulho, presença e potência.
O etarismo não será vencido com cremes antissinais ou cirurgias. Será vencido com representatividade, com políticas públicas, com oportunidades reais de autonomia para mulheres de todas as idades. Será vencido quando envelhecer deixar de ser sinônimo de vergonha e se tornar, enfim, o que sempre deveria ter sido: uma travessia digna. Com toda a dor e a delícia de ser quem se é.