MPF pede reparação de danos a trabalhadores portuários perseguidos e torturados na ditadura militar
MPF revela que a administração portuária da época mantinha estreitos vínculos com os órgãos do regime militar
O Ministério Público Federal (MPF) e a Autoridade Portuária de Santos, controladora do Porto de Santos (SP), se reuniram nesta terça-feira (21) para discutir medidas de reparação pelos danos causados pela intensa colaboração do comando do terminal com a repressão da ditadura militar. Um inquérito do MPF, sustentado por milhares de documentos e depoimentos, revela que a administração portuária da época mantinha estreitos vínculos com os órgãos do regime militar, coordenando a perseguição a trabalhadores e suprimindo atividades sindicais entre 1964 e 1985.
A investigação do MPF expõe que a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), atual Autoridade Portuária de Santos, herdou e perpetuou um sistema repressivo interno criado pela sua antecessora, a Companhia Docas de Santos (CDS). Durante o regime militar, a CDS colaborou com a repressão, ajudando a vigiar, perseguir e torturar trabalhadores portuários.
“Embora a atual gestão do porto não tenha sido responsável pelos atos do passado, a estatal que controla o terminal é a mesma que o administra desde 1980. Ou seja, ao menos nos cinco últimos anos da ditadura, ela teve atuação direta na repressão aos trabalhadores e, portanto, deve indenizar ou compensar esse passivo histórico”, declarou Ronaldo Ruffo Bartolomazi, procurador da República e titular do inquérito do MPF.
Em 1966, foi criado o Departamento de Vigilância Interna (DVI) no Porto de Santos, que atuava em conjunto com o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e delegacias locais. A troca de informações entre a divisão de vigilância da CDS e os órgãos de repressão permitia ações mais contundentes contra qualquer movimentação dos trabalhadores que contrariasse a ordem ditatorial. A repressão atingia principalmente as lideranças sindicais e aqueles que se manifestavam contra a política salarial e condições de trabalho impostas.
Tortura e perseguição
As práticas de tortura no DVI eram frequentes e visavam a desarticulação de supostas atividades subversivas. Trabalhadores eram mantidos incomunicáveis e submetidos a agressões físicas e psicológicas. José do Amaral Garbogini, chefe do DVI em 1975, admitiu publicamente o uso de métodos violentos, justificando-os como necessários para o cumprimento das atribuições do setor.
A repressão se intensificava em períodos de eleição sindical. Após o golpe de 1964, sindicatos no Porto de Santos passaram por intervenções, com lideranças sendo afastadas e encaminhadas ao navio-prisão Raul Soares. A vigilância constante e as perseguições dificultavam a mobilização dos trabalhadores contra a deterioração das condições de trabalho e a política salarial da ditadura.
Os trabalhadores perseguidos enfrentavam demissões, processos por subversão e dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho. As absolvições por falta de provas nos processos judiciais não mitigavam os danos causados pelas acusações e registros em órgãos de repressão.
O inquérito do MPF sobre a CDS/Codesp é parte de um conjunto de investigações sobre a colaboração entre empresas e o regime militar para a perseguição política de trabalhadores. As apurações, realizadas em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), visam não apenas reparar as vítimas diretas, mas também reconhecer e corrigir injustiças históricas. O financiamento das atividades de investigação é parcialmente oriundo de um termo de ajustamento de conduta firmado pelo MPF com a Volkswagen em 2020, após investigações sobre a colaboração da montadora com a ditadura.