Movimento socioambiental luta por “Plano Municipal de Agroecologia” em Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros
Mais de 70 organizações estão articuladas na Chapada dos Veadeiros (GO), em seis municípios, para promover a agroecologia na região
Mais de 70 organizações estão articuladas na Chapada dos Veadeiros (GO), em seis municípios, para promover a agroecologia na região. A Rede Pouso Alto Agroecologia agrega organizações governamentais e não governamentais, associações de agricultoras/es, povos e populações tradicionais, sindicatos rurais, cooperativas, universidades, dentre outros setores. Lugares especiais por suas belas cachoeiras e outros atributos apropriados ao ecoturismo, municípios como Cavalcante estão desenvolvendo propostas territoriais de sustentabilidade. Essa ação foi identificada pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Cavalcante é um dos cinco municípios que compõem o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Criado em 1961, o Parque possui a maior reserva de Cerrado do mundo e é considerado Patrimônio Natural da Humanidade pelas Organizações das Nações Unidas (ONU). A região concentra três importantes aquíferos: Guarani, Urucuia e Bambuí, sendo chamada de “berço das águas” no Brasil.
É nessa área de fauna e flora riquíssimas que se localiza Cavalcante, cidade com, aproximadamente, 11 mil habitantes e 36 comunidades rurais, onde se desenvolvem a agricultura familiar e o comércio local, e onde há comunidades afrodescendentes que conviveram com o povo indígena Avá-Canoeiro, que habitava a região. Dos indígenas, os quilombolas herdaram recursos genéticos tradicionais, como sementes e processamento de variedades de milho e mandioca, práticas de caça e pesca, que associados aos recursos naturais do bioma Cerrado e à agricultura de corte e queima, garantiu-lhes a sobrevivência até hoje.
Entretanto, alguns plantios na região utilizam agrotóxicos, assim como sementes transgênicas, resultado do avanço do agronegócio sobre o Cerrado brasileiro. Por isso, organizações da sociedade civil e representantes de diversos setores têm dialogado com a gestão municipal para incidir sobre políticas públicas que visem atividades sustentáveis e produção de alimentos saudáveis para quem planta e quem consome, com reduzido impacto ambiental.
De acordo com Carlos Salgado, agrônomo, especialista em agroecologia e articulador da Rede Pouso Alto Agroecologia, o movimento agroecológico foi criado na região por volta de 2009, com o apoio do Centro UnB Cerrado (da Universidade de Brasília, em Alto Paraíso). e de diversas ONGs e representantes de outros setores. “Validamos as raízes tradicionais aqui representadas, principal base para a construção agroecológica. Mas, falta assistência técnica qualificada, suporte para o processamento e transporte [dos alimentos e insumos]. Queremos com o Plano movimentar esse cenário. Para isso, precisamos de novos recursos para dar continuidade às ações”, reivindica Salgado.
Em Cavalcante, a organização Cerrado Cerrado Ecodesenvolvimento (CCECO), que faz parte da Rede Pouso, pautou a agroecologia no plano de governo do atual prefeito. Foram realizadas reuniões virtuais entre a sociedade civil e o poder público e agora o objetivo é propor à prefeitura um Plano Municipal de Agroecologia. Um ponto positivo foi conseguir trazer para dentro do grupo da sociedade civil representantes do poder legislativo e executivo.
“No arranjo local de planejamento e execução temos a assessoria da Cerrado Cerrado Ecodesenvolvimento, da Fazenda Escola Bona Espero e da União Planetária, que são organizações locais. O Plano está em fase final de planejamento para apresentação”, afirmou Salgado.
Dentre as diretrizes do Plano Municipal de Agroecologia, está a retomada de uma associação do município para reforçar a mobilização local e execução de projetos. Também consta a instalação de uma biofábrica, para a produção de insumos microbiológicos. No planejamento a médio prazo, o Plano prevê a construção de uma fábrica de processamento de frutos do Cerrado e da produção proveniente dos quintais da cidade.
O prefeito Vilmar Kalunga (PSB), de origem quilombola, que está no segundo ano do seu primeiro mandato, tem dialogado com o movimento agroecológico do município e se comprometeu a avançar com a pauta ao longo dos próximos anos para a construção de projetos de fomento à agroecologia. Uma de suas promessas de campanha é a construção de um Centro de Inovação Tecnológica com base na agroecologia, que será parte do Plano Municipal de Agroecologia, e também avançar na capacitação dos jovens.
“A agroecologia é muito importante para nós, precisamos trabalhá-la mais nas escolas. Muitos dos jovens que levamos a cursos em Brasília, hoje estão em faculdades. [Precisamos] fortalecer os quintais agroecológicos, unindo prática e conhecimento, e buscar mais profissionais capacitados para passar esses aprendizados. Mais de 100 pessoas participaram [da elaboração] do plano de governo de meu mandato, muita coisa de infraestrutura avançou. Mas, com a pandemia e as chuvas intensas, foi preciso priorizar algumas pautas e ainda vamos melhorar mais”, afirmou Vilmar Kalunga.
O prefeito reforçou que, devido ao difícil acesso de muitas comunidades isoladas, até o momento, a prioridade tem sido a pavimentação e melhoramento das estradas (são mais de 2 mil km de terra). Muitas medidas do plano de governo, nesse sentido, inclusive iniciativas agroecológicas, ainda estão paralisadas. Com os investimentos nas estradas, segundo ele, será possível não só pensar no sustento a partir da agricultura familiar, como também potencializar o turismo para gerar renda às famílias.
A prefeitura também lançou uma chamada pública para estimular as compras dos produtos da agricultura familiar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e está organizando a implementação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA, atualmente chamado de Programa Alimenta Brasil – PAB) no ano que vem na cidade. Além disso, a prefeitura conta com um caminhão novo para levar os alimentos às cidades de Goiânia, Brasília e Alto Paraíso, e com um trator e outros maquinários para ajudar na produção e distribuição dos produtos locais. Foram disponibilizados um caminhão baú fechado e outro de caçamba, e estão em curso diálogos entre a gestão municipal e os movimentos sociais para a construção de projetos de fomento à agroecologia. A capacitação e estruturação de assentamentos e comunidades rurais também estão entre as metas do governo.
Enquanto o Plano Municipal de Agroecologia não sai do papel e os recursos financeiros não chegam às mãos de quem produz alimentos, agricultoras e agricultores familiares seguem plantando e enfrentando os desafios diários. No Território Kalunga, no Vão das Almas, área quilombola em Cavalcante, o agricultor familiar Calisto de Sousa Santos, de 52 anos, planta gergelim e mandioca, produz óleo de coco e mesocarpo de baru e indaiá frutos da região. Faz também muita polpa com frutas do Cerrado, como mangaba e cajuzinho, e vende seus produtos nas cidades de Alto Paraíso e Brasília. Da sua produção, alguns itens são vendidos em São Paulo e no Rio de Janeiro, como farinha de jatobá. O agricultor não sabe quanto gera de renda por mês, porque também produz muito para o próprio consumo.
“A gente planta mais pra consumo. Essas outras coisas, a gente consegue vender e ganhar um dinheirinho por mês. Conseguimos vender um saco de farinha e tudo da roça… Temos expectativa de fornecer nossas farinhas para o Programa de Alimentação Escolar”, explica Santos, que diz não ter “ nenhum apoio da prefeitura”, mas não perde a esperança de que o recurso chegue para quem produz comida para a população: “estamos esperando a ajuda da prefeitura”, reivindica.
Saiba mais
A Rede Pouso Alto Agroecologia entende a agroecologia como um movimento em busca de justiça social com soberania alimentar, autonomia e o bem viver e preconiza os princípios do desenvolvimento territorial sustentável com base na conservação ambiental, na valorização e inclusão social das pessoas em seus territórios, fortalecendo a produção e comercialização de alimentos saudáveis agroextrativistas e a conservação ambiental e melhoria da autonomia das famílias.
Muitas tecnologias sociais são desenvolvidas pelas entidades e movimentos que compõem a Rede Pouso Alto Agroecologia: fábrica de bioinsumos, experiências com microbiologia e fertilidade de solos, unidade de recursos genéticos tradicionais, pequenas indústrias extrativistas, dentre outras. O incentivo à equidade de gênero com trabalhos para fortalecer as redes de mulheres é outra demanda, que tem sido trabalhada pelo coletivo Mãe dos Óleos Kalunga e outros seis grupos em outras comunidades, a fim de ingressar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Diversas outras iniciativas potencializam o modo de produção tradicional e o processamento de alimentos típicos do Cerrado, como o Programa Cavalcante Território Agroecológico, inserido no Plano Municipal de Agroecologia.
Dentre as ações geradas por políticas públicas, existem em Cavalcante sete unidades de referência Ecoforte-REDES, todas alinhadas à agroecologia, orgânicos e extrativismo. São iniciativas ligadas ao Programa Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) para financiar redes de agroecologia, que há alguns anos tiveram apoio da Fundação Banco do Brasil (FBB) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).