Morto há um mês, ator Severiano Kedasery deixa um legado na arte e cultura indígena
Homenagem realizada no Festival Olher do Norte relembra carreira do ator, que integra a terceira geração de artistas da família Kedesary
Representatividade tem um significado limitado para descrever a carreira do ator indígena e pajé tariano Severiano Kedasery, que morreu no dia 31 de dezembro de 2021. Nascido no Alto Solimões (AM), o artista deixou um legado de filmes, músicas, curas xamânicas e uma das suas principais heranças para o público: o Grupo de Artes Dyroá Bayá. Filho, marido e pai de artistas, o multitalento ainda poderá ser visto no longa “Relatos de um certo oriente”, do diretor Marcelo Gomes, com previsão de estreia para o segundo semestre de 2022.
O 4º Olhar do Norte, festival de cinema idealizado em Manaus (AM), fez uma importante homenagem à família Kedasery e ao ator no Teatro Amazonas. Além disso, o filme “Trovão Sem chuva” (MT), de Bruno Bini, que teve sua estreia no festival, recebeu uma menção honrosa no último dia 24 de janeiro. “Foi super lindo, a família ficou muito emocionada. Era um sonho dele esse reconhecimento. Foi em Manaus que ele começou a carreira como músico, como ator e também como xamã, curando muitas pessoas”, ressalta a atriz Rosa Peixoto, filha do ator que integra o elenco de “A Febre” (Netflix).
Descendente de uma longa linhagem de conhecedores da cultura Tariano, Severiano Kedasery precisou decorar as falas em bororo e teve pouco menos de 10 dias para compor a personagem do pajé de “Trovão sem chuva”. Aos 73 anos, o ator também era conhecido por compartilhar seus conhecimentos sobre a cultura indígena. “Durante as filmagens, Seu Severiano, como era chamado pela equipe, cativou a todos com seu talento, serenidade, bom humor e compromisso com a arte”, destaca o diretor Bruno Bini, em homenagem em uma rede social.
Para o protagonista de “Trovão sem chuva”, o ator Adanilo, Seu Severiano é um dos maiores artistas da atualidade, um modelo de atuação da arte indígena na América Latina. “Além da dificuldade de encontrar atores com esse perfil, ele cumpriu muito bem o papel dele na dedicação, estudo, e até na preparação física, fazia papéis que exigiam muito para alguém da idade dele”, destaca o ator que esteve em “Marighella”, “521 Anos/ Siia Ara” e “Segunda Chamada”. Ele reforça a perda inestimável do pajé. “Tive oportunidade de conhecê-lo, antes mesmo de a gente atuar juntos. Fui à casa deles, em São Paulo, só para comprar artesanato e acabei passando o dia todo com a família. Eu estava um pouco doente, pedi e ele me benzeu”, lembra.
A benção do xamã também foi concedida ao diretor Sérgio Andrade, durante gravações dos filmes em que fez parte do elenco. Na filmografia da dupla estão os longas “A Terra Negra dos Kawá”, “A Floresta de Jonathas”, “Antes o Tempo Não Acabava” e o curta “Cachoeira”. Para o diretor, Kedasery deixa um tesouro de informações, ideias e inflexões dos povos indígenas para o roteiro e para a interpretação. “O legado dele é a força interpretativa do indígena original, do indígena genuíno e isso é muito importante, tem que ser preservado. Porque branco, fazendo papel de indígena, não dá, né?”, disse.
Ancestralidade artística
A família Kedasary já está na terceira geração de artistas. Em 1992, os pais de Severiano, Angelo Moreira e Cecilia Barros, atuaram no filme “Medicine Man”, do diretor John McTiernan, contracenando com os atores Lorraine Bracco e Sean Connery, além de terem participado de outras produções fílmicas.
A partir de um convite do diretor e dramaturgo Nonato Tavares, a família integrou o elenco de peças teatrais na capital do Amazonas. Em 2019, Severiano, a esposa Emerlinda Yepario e cinco dos 11 filhos foram morar em São Paulo (SP), onde eles mantêm o Grupo de Arte Dyroá Bayá. “Nós percebemos que havia uma carência de artistas indígenas no meio artístico. Com isso, meus pais fundaram esse grupo, e nós fomos nos envolvendo”, conta Rosa Peixoto. Além dela, Anderson Kary Baya, Kay Sara e Sandra Nanayna integram o grupo. As montagens envolvem dança, performance, música e dramaturgia. Oficinas, contação de história e vivências também são realizadas por eles. “Nós, como artistas, damos voz, principalmente como indígena. Então é importante esse trabalho em uma metrópole dessas, tanto para combater o preconceito que indígena só mora na comunidade, quanto para abrir caminho para futuras gerações”, destaca Rosa. A agenda do grupo pode ser conferida na página @artedyroa.
Texto do Festival Olhar do Norte para a Mídia NINJA