Cachoeira do Arari, localizada no Arquipélago do Marajó, no Pará, vem passando por uma crise com agrotóxicos. Em reportagem feita pela agência de notícias Alma Preta, moradores da cidade afirmam: “Eles estão envenenando a gente”.

A moradora, que não quis se identificar, se refere ao uso de agrotóxicos nas plantações de arroz da cidade, que já abrangem cerca de 30% do território da cidade e pertencem à família Quartiero.

Como resultado da expansão dos arrozais e, consequentemente, da expansão da área onde os agrotóxicos são pulverizados, a população tem desenvolvido doenças respiratórias, inflamações e irritações na pele, com danos ainda aos animais e à pequena agricultura desenvolvida nos quintais dos moradores.

Ecossistema prejudicado e moradores revoltados

Arrozal em Cachoeira do Arari (PA). Foto: Raimundo Paccó/ Amazônia Real

Em agosto, a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Pará realizou uma visita técnica à cidade e constatou os diversos problemas causados pelo agronegócio. 

De acordo com a Defensoria, a situação também é alarmante em relação ao rio Arari, que abastece a cidade e é a principal via de navegação de acesso ao município e fonte de sustento para a comunidade. 

Isso porque, para irrigar a plantação, a empresa responsável criou um sistema de desvio das águas do rio, de quase cinco quilômetros de canais, através de bombeamento, que afetou o ecossistema, prejudicando a pesca, a reprodução de peixes (piracema) e a subsistência das famílias.

Além do prejuízo ambiental, há também prejuízos financeiros. De acordo com moradores, existe um projeto federal para a construção de moradias populares que, devido ao crescimento das plantações, está sendo prejudicado e não mais conseguirá abarcar todas as famílias que precisam. 

Em protesto, as famílias decidiram, em agosto deste ano, ocupar uma área de arrozais na entrada da cidade. A ocupação é liderada pelo Movimento de Moradores por Moradia e Impactados por Crimes Ambientais, formada pelas famílias que denunciam a situação.

A família Quartiero

Paulo César Quartiero em sua fazenda. Foto: Raimundo Paccó/ Amazônia Real

Uma reportagem feita pela Amazônia Real em 2020 já denunciava a expansão dos arrozais e como isso prejudicava os moradores do Arquipélago do Marajó. 

Na época, quando questionado pela equipe da Amazônia Real, Paulo César Quartiero afirmou que “a fazenda é de uma família centenária da região, não tem problema nenhum”.

E complementou: “Estamos plantando aí, a dificuldade é que produtor no Brasil é criminoso, é suspeito. Somos empregadores. Agora o resto é só perseguição, mas isso não é privilégio do Marajó, é em Roraima. O Brasil felizmente agora está mudando, antes quem não fazia nada era o herói, o produtor era o bandido, agora está mudando um pouco”.

A “mudança” na política brasileira a qual se refere é com a eleição do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, em 2018.

Paulo César Quartiero foi um dos rizicultores retirados da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, por isso refere-se ao estado. Natural de Torres, no Rio Grande do Sul, chegou a Roraima nos anos 2000 comprando inúmeras fazendas. De 2005 a 2008, o agropecuarista foi prefeito de Pacaraima (DEM). 

Nesse período, ele foi acusado de diversos crimes contra os povos indígenas, entre eles, de que seria o mandante de tiroteios contra os Makuxi por funcionários de suas fazendas, em maio de 2008.

Foi deputado federal, entre 2011 e 2015, pelo Democratas (DEM) e vice-governador do estado entre 2015 e 2018.

Marcados pelo veneno

Morador mostra irritação na pele causada por agrotóxico. Foto: Aline Brelaz/Uruá Tapera

“Para Cachoeira, ele só deixa o veneno”, dispara o prefeito Bambueta. Em entrevista para Aline Brelaz, do portal Uruá-Tapera, o prefeito de Cachoeira afirmou que a empresa emprega uns 20 trabalhadores braçais do município e o restante da atividade é mecanizada.

Ainda segundo o prefeito, para a parte mais especializada eles contratam profissionais de fora da cidade. “Cachoeira não leva vantagem nenhuma, não há nenhum benefício, só prejuízo”, assegura.

De acordo com a ouvidora-geral Norma Miranda, “Durante dois dias, nós dialogamos com esses moradores e movimentos da sociedade civil, e o resultado disso é que formalizamos documentos com o intuito de provocar entidades de defesa dos direitos humanos, do sistema de garantia de direitos, para que, juntos, possamos defender os direitos dessa população, que está sofrendo ameaças ao seu direito de viver e ao seu território”.

O relatório final será encaminhado aos seguintes órgãos para que tomem as providências cabíveis: Defensoria Agrária de Castanhal, Defensoria Pública da União (DPU), Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Ministério Público Federal (MPF).