Moradores da maior favela do DF vão ganhar casas ecológicas
Por Cristiane Sampaio / Brasil de Fato A dona de casa Auzerita Pereira de Siqueira, de 54 anos, está há mais de três décadas na fila de moradores do Distrito Federal (DF) que aguardam uma casa. Militante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), ela já morou em casa de amigos e até em áreas […]
Por Cristiane Sampaio / Brasil de Fato
A dona de casa Auzerita Pereira de Siqueira, de 54 anos, está há mais de três décadas na fila de moradores do Distrito Federal (DF) que aguardam uma casa. Militante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), ela já morou em casa de amigos e até em áreas de risco por não ter tido condições financeiras de adquirir um imóvel próprio.
Hoje, com muita dificuldade, vive de aluguel, mas, num certo momento da vida, já precisou escolher entre a obrigação do compromisso mensal e a necessidade de alimentar os três filhos, indo parar depois num abrigo.
Em algumas fases dessa caminhada de luta, quando, diante do conjunto das dificuldades da vida, o horizonte da casa própria pode ter parecido um pouco mais elástico, Dona Auzerita talvez tenha fraquejado. Mas mal sabia ela que, lá na frente, em algum ponto dessa mesma jornada, o sonho se concretizaria, e de um jeito pouco convencional: ela aguarda hoje a construção de uma casa ecológica que será feita pelo Movimento em parceria com voluntários. E conta que tem seguido adiante com o peito cheio de gratidão e esperança:
“Eu tenho que dizer [a eles] ‘muito obrigada’, que Deus abençoe, que dê em dobro pra essas pessoas e que ainda existem pessoas boas no mundo. Tem gente que fala que só tem gente ruim no mundo, mas não. Existem muitas pessoas boas. Estou acreditando – e vou continuar acreditando – que eles vão me ajudar mesmo, que não vão me deixar na mão”, diz, emocionada.
Dona Auzerita será a primeira pessoa de um grupo de 109 famílias do DF que será contemplada com uma casa sustentável num bairro ecológico a ser construído ao lado da favela Sol Nascente, a maior do DF e segunda maior do país, onde ela vive há oito anos. O terreno foi doado pelo governo local, numa tentativa de administrar o processo de expansão da favela.
Para se ter uma ideia, o Censo do IBGE de 2010 contabilizou 56,5 mil pessoas vivendo no local – uma cifra que rendeu ao Sol Nascente o título de maior favela da América Latina –, mas líderes comunitários afirmam que hoje a área já concentra mais de 80 mil moradores.
O projeto de construção das casas no terreno doado pelo governo surgiu quando o MTST se juntou a ativistas que trabalham com permacultura, uma ciência voltada para o desenvolvimento de comunidades sustentáveis.
O servidor público Rodrigo Costa, um dos voluntários, explica que a técnica tem como característica a capacidade de empoderar as pessoas. Isso porque os futuros moradores não só vão ganhar uma casa como terão a oportunidade de aprender como se dá o processo de construção dos imóveis.
“A ideia é que aquela comunidade consiga gerar renda através da geração de emprego pelo conhecimento que vai ser transmitido na construção das casas junto com eles. A gente nao vai fazer e eles vão ficar esperando. Nós não estamos fazendo pra eles. Estamos fazendo com eles”, conta.
Os moradores serão capacitados para construir diversas coisas, que vão desde os compartimentos da casa até bacias de evapotranspiração e hortas comunitárias. As ações tendem a contribuir para o desenvolvimento multidimensional da comunidade, englobando não só a parte econômica e ambiental, mas também cultural, etc.
Com isso, os moradores tendem a ficar menos dependentes de iniciativas estatais que nunca se concretizam ou que demoram para virar realidade. Para se ter uma ideia, no DF, mais de 8 mil famílias estão na fila do governo à espera de uma moradia. Eduardo Borges, da direção nacional do MTST, considera que, diante do esvaziamento das políticas públicas, consequência direta do golpe de 2016, é importante investir em outras vias de atuação.
“Com o esgotamento do ‘Minha Casa, Minha Vida’ e a rotatividade de ministros no Ministério das Cidades, o povo vai ter que buscar uma alternativa”, defende.
A iniciativa se destaca diante das outras já realizadas em Brasília, uma vez que a cidade foi planejada e erguida a partir de obras feitas pelo governo ou pelo capital privado através de empreiteiras, mas nunca por voluntários nem para erguer construções ecológicas.
Apesar de ter sido concebida dentro do conceito de cidade-parque, com muitas árvores, Brasília é dominada pelo concreto e pelas construções de alvenaria, que consomem mais energia e geram mais resíduos, com grande impacto na natureza.
Segundo Rodrigo Costa, a expectativa é de que o projeto do Sol Nascente possa virar referência para outros municípios no que se refere à busca de soluções mais práticas, baratas e ecológicas pra lidar com o déficit habitacional das cidades.
“Pode servir para todos os assentamentos do país, principalmente os urbanos, que sofrem muito com falta de saneamento básico, transporte e urbanizaçao nas comunidades”, complementa o permacultor.
Campanha
Para construir a casa de Dona Auzerita, militantes, voluntários e moradores do Sol Nascente estão promovendo uma campanha de arrecadação de fundos. Eles precisam de R$ 25 mil para erguer, além da primeira unidade do bairro ecológico, um centro de convivência que irá ajudar a comunidade a dar seguimento ao projeto para a construção dos próximos 108 imóveis.
O objetivo é arrecadar o dinheiro até o próximo dia 15, véspera do dia em que terá início um mutirão solidário para construir a primeira casa. O projeto aceita doações em qualquer valor e as contribuições podem ser feitas no link https://www.vakinha.com.br/vaquinha/mutirao-de-bioconstrucao-dos-sem-teto-dona-alzerita