‘Monkey Man’: Filme de Dev Patel desafia velhas fórmulas de Hollywood
Com data de estreia próxima, filme que pode ser “o novo John Wick” surge como um respiro ao gênero saturado
Por Maria Antônia Diniz
Quinze anos após sua primeira indicação ao Oscar por Quem Quer Ser Um Milionário (2009), o ator britânico Dev Patel faz sua estreia como diretor com o longa de ação “Monkey Man” (Fúria Primitiva). Inicialmente, o projeto iria direto para o streaming, mas suas exibições iniciais foram tão bem sucedidas que conquistou espaço nas salas de cinema. Apesar de a transição de atuação para direção muitas vezes não gerar grandes destaques iniciais, a estreia de Patel eleva as expectativas e atrai comparações com entradas estelares, como as da franquia John Wick. Previsto para estrear no Brasil em 23 de maio, o filme carrega uma série de fatos surpreendentes e instigantes, confira abaixo:
Do que se trata?
Inspirado no mito hindu da divindade Hanuman, que é metade homem, metade macaco, Monkey Man coloca Patel no papel de Kid, um jovem anônimo que ganha a vida em um clube de luta clandestino. Usando uma máscara de gorila, ele é brutalmente espancado todas as noites, por lutadores maiores e mais populares em troca de uns trocados. Após anos de raiva reprimida, Kid encontra uma maneira de se infiltrar no meio da elite maligna da cidade. À medida que seu trauma de infância ressurge, suas mãos cheias de cicatrizes se tornam instrumentos de vingança, desencadeando uma campanha violenta de acerto de contas com os homens da alta sociedade que tiraram o pouco que ele tinha.
Apresentando um elenco fortemente sul-asiático, o filme põe em evidência uma lista de talentos novos e emergentes, tendo como pano de fundo a Índia. Junto a Patel, nomes como os de Sharlto Copley, Pitobash, Vipin Sharma, Sikandar Kher, Sobhita Dhulipala, Ashwini Kalsekar, Adithi Kalkunte e Makarand Deshpande fazem parte do elenco principal.
Além de dirigir e protagonizar o longa, Dev Patel contribui com a história original e assina o roteiro ao lado de Paul Angunawela, também atuando como produtor junto a Jordan Peele, grande responsável por persuadir a Universal Pictures a distribuir o longa nos cinemas.
De acordo com próprio diretor, o filme é inspirado no seu entusiasmo pelo gênero ação, que incluem sub gêneros variados e filmes específicos, como os de artes marciais de Bruce Lee, o cinema de vingança coreano e o filme indonésio The Raid: Redemption (2011) do diretor galês Gareth Evans. O longa de Patel se funde aos vislumbres de dois paralelos sociais na Índia moderna: a extrema pobreza e a riqueza de origem duvidosa. Algo visível na própria mitologia Hindu, uma vez que a lenda do Hanuman — ícone que simboliza força e coragem — também alerta contra os abusos do poder desenfreado.
Gravações catastróficas
Sendo um dos filmes de ação mais esperados de 2024, Monkey Man teve um ciclo de filmagens bastante caótico. Em dinâmica no Reddit de perguntas e respostas via Variety, o artista revelou que dirigir, produzir e atuar no filme foi “a coisa mais exigente que já fiz na minha vida” e que todo o período de produção do longa foi “absolutamente catastrófico”.
Dev Patel descreve os desafios enormes enfrentados durante a produção do filme. Inicialmente estava planejado para ser filmado na Índia, mas a pandemia de COVID forçou uma mudança para uma ilha na Indonésia. “Foram nove meses cansativos de alegria absoluta e caos total”, pontua.
Com a perda de membros da equipe, fronteiras fechadas e equipamentos quebrados, a produção enfrentou constantes ajustes de última hora, como membros da equipe de produção atuando como figurantes. Além disso, os recursos financeiros escassos levaram a soluções criativas, como filmar com celulares e improvisar equipamentos. “Um de nossos produtores usou seu cartão de crédito pessoal para comprar os vidros para cobrir os tampos das mesas” em uma das principais cenas de ação, descreveu ele.
Como se não bastassem todos os problemas, Patel continuou filmando mesmo após quebrar a mão: “Durante uma cena de luta, quebrei minha mão e tive que seguir filmando. Não podia me dar ao luxo de perder uma diária”, contou. Tanta obstinação na conclusão do projeto tem uma explicação direta: o longa foi executado durante a pandemia de Covid-19 e até perdeu seu dublê, que faleceu por um ataque cardíaco. “Tudo que podia dar errado, deu”, disse.
Representação das Hijras
Destaque no elenco estelar, Vipin Sharma está sendo aclamado nas exibições por interpretar um personagem trans no filme de estreia de Patel. Sharma interpreta Alpha, o líder de uma comunidade trans conhecida na Índia como Hijras, que é fundamental para fornecer uma nova vida ao personagem de Patel quando ele está fraco.
À Variety, Vipin descreve o processo de construção do personagem: “O que eu fiz foi deixar crescer minhas unhas e as pintar […] eu já tinha cabelo comprido porque fiquei sete meses sem cortar o cabelo”, diz Sharma. “Pensei que por ser um personagem transgênero, provavelmente Dev iria me dar uma peruca, mas assim que viu meu próprio cabelo ele disse que estava ótimo”. Ao receber um retorno positivo em exibição a comunidade trans, Sharma expressou felicidade e satisfação.
Para Dev Patel, toda a narrativa do filme é um hino aos oprimidos e marginalizados, que não têm voz. Juntos, eles travam uma guerra pelos bons e pelos justos, contra o abuso dos poderosos. Incluir a comunidade Hijra é de fato muito importante, uma vez que são o terceiro gênero na Índia. Ele ainda acrescenta: “Devíamos lutar uns pelos outros, não uns contra os outros”.
Repercussão e estreia no Brasil
O filme teve recepção calorosa no Festival SXSW, em Austin (EUA) e seu painel não tinha lugares vazios. O iminente sucesso é comemorado por Patel, principalmente porque foram muitos obstáculos até que a história fosse concluída. Após apresentação do projeto no festival, o diretor estreante foi questionado sobre sua obra ser considerada o “John Wick do Sul Asiático”. Apesar de se declarar fã da saga, Patel disse que entende que essa é a principal referência para o público estadunidense no quesito ação, mas que a ideia do filme parte do seu amor pela vastidão do cinema de ação e que a comparação soa reducionista.
“O gênero de ação foi abusado pelo sistema”, disse Patel no SXSW ao apresentar o filme. “Você sabe, um dinheirinho rápido. Merda estúpida. Eu queria dar alma a isso. Traumas reais. Dor de verdade. Vocês merecem isso. Eu queria infundir um pouco de cultura.”
Dev Patel espera que, embora esta seja apenas sua estreia como diretor, ele possa estar trazendo algo novo para o gênero de ação, que segundo ele à BBC, “às vezes pode ser mal utilizado”, como um meio para produzir violência estúpida e sem sentido, saturando o gênero.
Monkey Man foi originalmente vendido para a Netflix, mas foi defendido por Jordan Peele, que o comprou para sua própria produtora. “É um desses raros filmes em que um ator dirige um projeto com ele mesmo, e você pode imaginar como isso deve ter sido desgastante e difícil”, disse Peele à BBC. Monkey Man (Fúria Primitiva) está previsto para estrear nos cinemas brasileiros dia 23 de maio.