Nós nos organizávamos, planejávamos os próximos passos e esboçávamos metas para salvar vidas. Eles arquitetavam a abrupta subtração da nossa inspiração, da nossa porta-voz, daquela que nos representava. As revelações do delator trouxeram a esperança de sabermos quem mandou e por quê assassinaram Marielle Franco e também fizeram uma revelação devastadora: eles arquitetavam a morte da mulher negra, favelada, defensora dos direitos humanos e das populações menorizadas, eleita vereadora com mais de 46 mil votos, há meses.

Essa revelação me atravessa devastadoramente. E acredito que a todas que partilhavam o dia a dia e os projetos de futuro com Marielle. Desvendar o crime, que também vitimou Anderson Gomes, nosso companheiro de trabalho, torna-se uma das maiores responsabilidades do Estado Brasileiro, pois esse crime não se resume ou se concentra apenas na tragédia que subjugou Marielle, mas nos diversos outros crimes em camada nessa história.

O crime político contra Marielle traz a possibilidade de que o autor da trama deu uma mensagem muito direta: o incômodo do sistema político, infestado de figuras tradicionais, requentadas a cada eleição com muita influência e dinheiro, com os ventos das mudanças incontornável que as nós mulheres negras provocamos. Mudanças que são severas e cruelmente combatidas.

Mulheres como Marielle tornam-se extremamente perigosas e “permitir-lhes” o poder é subverter uma ordem que, de alguma forma, se solidificou como um direito divino aos sujeitos padrões do ideal típico do poder, da política, da academia, das corporações e até nas artes e cultura.

Elucidar esse crime hediondo é o desmonte da cumplicidade existente entre autoridades de Estado e o crime organizado, que corrompe todo o sistema de direitos. E é sobretudo dar, finalmente, descanso a Marielle Franco e a Anderson Gomes, assim como cicatrizar um pedacinho da ferida aberta em nosso peito.