
Móia Cumbia: a banda que espalha a palavra da cumbia no coração do cerrado brasileiro
Com três anos de estrada, o grupo “móia” seu público com a energia dançante de um gênero ainda pouco conhecido no Brasil.
Por Nicole Adler
Com três anos de estrada, o grupo “móia” seu público de suor com a energia dançante de um gênero ainda pouco conhecido no Brasil.
Móia Cumbia é uma banda nascida no cerrado tocantinense, que mistura ritmos nortistas com a pulsação envolvente da cumbia. Atualmente com sete integrantes e três anos de vida, o grupo já tem espaço na cena musical local com um repertório que vai de releituras dançantes a composições autorais cheias de identidade.
Apesar do gênero não ser muito conhecido no Brasil, a banda já vem conquistando um público fiel no estado, difundindo assim a cumbia para todos os cantos do Tocantins. Com três músicas nas plataformas de streaming, a Móia já tem projetos futuros em mente, sempre com a proposta de levar o ritmo dançante da cumbia tocantinense a novos palcos e fortalecer ainda mais a identidade musical da banda.
Praça da quadra 108 sul: onde tudo começou
A banda nasceu de um encontro inesperado na Praça da 108 Sul, em Palmas (TO), entre Pavão, Diogo, Maju e outros que, mais tarde, formariam a Móia Cumbia. Diogo, guitarrista do grupo, conta que tinha acabado de voltar de uma gravação e decidiu levar o filho para passear na praça. “Aí, de repente, chega o Pavão com um violão… e começa. A gente se conhece nesse momento. Começamos a tocar bem aqui, nesse gramado. Pedimos uma pizza, ficamos até altas horas”, relembra. Foi ali, de forma espontânea, que a banda se casou musicalmente.
A ideia de montar uma banda de cumbia no Tocantins já existia antes desse encontro: Pavão, que já discotecava o gênero, e Nahuel, o vocalista argentino, compartilhavam essa vontade. Diogo conta que o nome “Móia Cumbia” também já estava guardado há algum tempo. “O Pavão tinha pensado nesse nome junto com o Edu, do Trio Bacana (grupo de forró tocantins). Eles tinham até tentado criar um projeto com esse nome, mas nunca deu certo”, explica.
Ao longo desses três anos de trajetória, a banda passou por várias transformações, com integrantes que chegaram e seguiram novos caminhos, inclusive o próprio Pavão, um dos fundadores. Atualmente, a Móia Cumbia conta com sete músicos em seu corpo fixo:

O repertório da Móia Cumbia é diverso e se divide entre composições autorais e releituras criativas de cumbias tradicionais e músicas brasileiras. A banda adapta nomes como Kaoma, Academia da Berlinda e até David Bowie, sempre incorporando elementos característicos da cumbia.
“É difícil explicar como é a seleção, são muitas ideias, sabe aquele álbum Tudo vira reggae? A gente tem vontade de fazer Tudo vira cumbia.”
— Bárbara Peixeboi, saxofonista da banda
Diogo associa a diversidade do repertório da Móia ao caráter universal da cumbia, que ele chama de “língua franca”. “Eu acho que tem a ver com o fato de ser uma língua franca. Quando a gente começou não conhecia muito as cumbias, mas a gente queria tocar. Então a gente tinha um repertório em comum, que era de Bowie e várias outras coisas, Nirvana, Metallica. A gente foi tentando fazer essas coisas dentro do ritmo da cumbia, e foi dando certo”, relembra.
“Sempre tentamos trazer essas músicas, né? Músicas de gosto pessoal de cada um, uma cumbia diferente que a gente acaba conhecendo, pra gente fazer nossa adaptação mesmo com as nossas características de banda”, conta Maju, uma das percussionistas. O repertório, nesse sentido, é fruto da soma dos gostos musicais de cada integrante. Nos chamados “ensaios criativos”, nenhum repertório específico é pré-programado, cada músico propõe uma faixa, e, de riff em riff, batida em batida, vai tomando forma uma nova cumbia, moldada pelas referências e pela energia coletiva do grupo.
No caso das composições autorais, embora a banda já tenha sete músicas próprias, apenas três foram lançadas no Spotify e uma no Youtube até o momento, as outras quatro apenas o público presencial tem acesso. Isso se deve, em parte, ao processo de gravação, feito de forma totalmente independente no home studio de Diogo. Segundo o músico, apesar da liberdade que esse modelo oferece, ele ainda impõe limitações técnicas, principalmente a necessidade de gravar cada instrumento separadamente.
“Gostaria muito que a gente conseguisse gravar todo mundo junto, com essa coisa da antiga, estúdio preparado pra isso, muito bem ensaiado, pra poder gravar, se possível, tudo analógico”, e o guitarrista completa, “assim, a gente compõe mais umas seis músicas”.
A Móia Cumbia na voz dos seus integrantes
Para quem nunca ouviu e se pergunta como soa a Móia Cumbia, ninguém melhor do que alguns dos próprios integrantes para tentar traduzir essa sonoridade. Para Maju, é “uma
mistura psicodélica do Tocantins com a América em geral”. Arthur vai na mesma linha da psicodelia, e afirma que é como quando você é abduzido por um E.T. e está dançando enquanto sobe na luz.
O guitarrista Diogo, sintetiza o som da banda como “eu acho que é uma música introspectiva em um ritmo alegre”. Ele afirma que isso é consequência do fato de todas as cumbias serem em tom menor, mas que apesar da melancolia das melodias, o ritmo é frenético e dançante.
Bárbara e Tácio relacionam o som da banda justamente com essa energia dançante, “você vai pra um show da Móia Cumbia, você tem essa sensação de ser dançante”, afirma a saxofonista. O músico ainda adiciona “é um som que te permite curtir de diversas formas. E todas as formas que te permitem curtir são muito vibrantes e animadas”.
Os shows da Móia já são conhecidos por serem um local onde se pode exercer a posição de ser um “ser dançante”, e mexer os pezinhos à vontade. Ao contrário do forró, que também faz muito sucesso em Palmas, a cumbia permite que o público dance sozinho. Bárbara afirma que isso proporciona um empoderamento, “acontece com muita frequência nos nossos shows, pessoas irem sozinhas, e elas irem dançar sozinhas, sem depender de um parceiro ou de ninguém para se divertir. E isso é muito gostoso”.
“O que eu acho muito massa nesse som é que a gente tem a possibilidade de improvisos sem que fique massante, porque você está improvisando dentro de uma base de ritmo que está fazendo o povo dançar. Enquanto tem ali uma base rolando e acontecendo, a coisa vai, enquanto a gente tiver energia para tocar.”
— Diogo Goltara, guitarrista da banda
Da Colômbia ao norte do Brasil: o que é a cumbia?
A cumbia é um gênero musical nascido na Colômbia, que mistura influências indígenas, africanas e espanholas. Originalmente dançada em pares e marcada por percussões envolventes, ela se espalhou por toda a América Latina ao longo do século XX, ganhando diferentes versões em vários países.
Apesar de ter nascido na Colômbia, o estilo se diversificou muito ao longo da América Latina, dando origem a diferentes estilos regionais. Existem diversos tipos de cumbia, que variam de acordo com o país e região. De forma bem resumida: a colombiana se mantém mais tradicional, a peruana é mais psicodélica, a chilena mistura elementos do folclore andino, além disso, existem também a cumbia eletrônica e a cumbia amazônica, nascida no norte do Brasil.
Cumbia, latinidade e identidade do Norte
Apesar de ser um gênero popular em vários países da América Latina, a cumbia ainda é pouco conhecida no Brasil. Bárbara comenta essa realidade: “sei lá, quem sabe o que é cumbia mesmo, né? A gente não cresceu, eu não cresci com essa informação, com essa cultura, até a escuta mesmo.” Essa percepção reflete o desconhecimento comum entre muitas pessoas no país.
O baixista, traz outra perspectiva, relacionado essa pouca disseminação da cumbia no Brasil ao foco da indústria musical concentrado no eixo Rio–São Paulo, uma barreira que só mais recentemente começa a ser superada. “Há um tempo atrás se falava de deslocar o eixo musical do Brasil, do eixo Rio-São Paulo. Eu acho que: ver que não tem muita banda de cumbia, conhecer muita coisa, e não está muito por aí na mídia, diz um pouco disso, de como era o mercado fonoaudiológico, e como a música era dominada por certa região do Brasil”, afirma.
Já na visão de Diogo, a carência do gênero no país está associada à posição do Brasil na América Latina. Para ele, a principal questão é que “todos os países da América Latina falam o espanhol, a gente não. Mas eu acho que não é só isso, sabe? O Brasil não se preocupa muito com essa relação com os outros países da América do Sul diferente deles. Então, eu acho que não ter muita cumbia no Brasil é um sintoma disso.”
O músico ainda observa um contraste marcante entre a recepção da cumbia no Brasil e em outros países latino-americanos. “No México é, tipo, uma coisa super pop, super, super, super pop. E no Brasil eu acho que não tem muito isso. Tem assim: é muito cult. Então na verdade é o contrário, em todo o resto dos países é muito popular e aqui é muito cult”, afirma.
Nesse contexto, quando capilarizada pelo Brasil, a cumbia tende a circular em nichos alternativos, vinculada ao circuito independente e a públicos específicos. Essa inversão de status contribui para seu desconhecimento no país, e acaba colocando a cumbia mais na posição de uma descoberta exótica do que como parte integrante da cultura popular.
Uma exceção significativa acontece na região Norte, onde ritmos como a guitarrada e a lambada, que mantêm um diálogo direto com a cumbia, possibilitam uma vivência mais ampla e enraizada dessa sonoridade latino-americana. Tácio, nesse sentido, observa que: “A gente vira as costas, não só para a latinidade, mas vira as costas para o norte”. Ele complementa destacando a força da cumbia no Pará, onde o gênero, assim como o Zouk e o Merengue, é popularmente tocado em fusão com estilos locais como o Brega e o Tecnobrega.
Assim, a cumbia, além de reforçar a latinidade, também contribui para essa valorização da identidade nortista. Ao ser reinterpretada por artistas da região, o gênero ganha novas camadas sonoras e simbólicas, dialogando com ritmos locais e expressando vivências marcadas pela geografia, história e cultura do Norte. Essa fusão não apenas amplia as possibilidades estéticas da cumbia, como também reafirma o protagonismo cultural de territórios muitas vezes colocados à margem do cenário musical nacional.
Nesse cenário, a proposta da Móia Cumbia é objetiva: levar o ritmo dançante ao maior número possível de pessoas e lugares. A saxofonista, Bárbara, conta que, após os shows, é comum o público, empolgado com a novidade, buscar recomendações de outras bandas para ouvir. E afirma: “Assim, vamos disseminando e educando a palavra da cumbia”.
Ouça: