A multinacional estadunidense Cargill Agrícola S.A construiu dois portos no estado do Pará, nas cidades de Santarém, em 2003, e de Miritituba, em 2017. 

Eleita como a pior empresa do mundo pela Mighty Earth em 2019, a Cargill é uma das maiores no mercado de controle da importação, exportação e processamento de commodities agrícolas. 

Em relatório divulgado pela Terra de Direitos, conhecemos as diversas violações que a empresa cometeu para se instalar na área, contudo, mesmo diante disso, a Cargill ainda mantém em sua propaganda e imagem palavras como “sustentabilidade” e “produto socialmente responsável”.

E, para além disso, a empresa também quer a construção de um terceiro porto, desta vez em Abaetetuba. 

A ameaça agora é outra

De acordo com a Cargill, O TUP Abaetetuba (Terminal de Uso Privado) seria uma instalação portuária cujo principal objetivo seria o escoamento de grãos para mercados externos.

O Tup Abaetetuba seria o primeiro terminal portuário de acessibilidade inteiramente hidroviária, ou seja, não receberia cargas por rodovias.

A Cargill admite, em um relatório de impacto ambiental, que o empreendimento pode provocar uma “eventual alteração da dinâmica das marés” e uma “interferência na atividade pesqueira”.

A vida ribeirinha ameaçada

Em reportagem recente, o portal de jornalismo Sumaúma explicou um pouco o contexto em que se encontram as populações afetadas pela Cargill:

Imagem: Thaís Mello/ Sumaúma

As ilhas de Abaetetuba estão localizadas a 120 quilômetros de Belém, e abrigam mais de 7 mil famílias ribeirinhas que dependem dos rios para a sobrevivência. Na época da seca, elas coletam açaí plantado na região, já no inverno, quando o rio enche, a pesca domina o cotidiano. 

Por essas ilhas, se espalham 24 assentamentos da reforma agrária, vizinhos às casas de outras 700 famílias quilombolas.

Os pescadores da região sabem que os impactos do novo porto serão maiores do que os apresentados pela empresa. Nos estudos, a Cargill não menciona a existência dos pedrais, estruturas naturais que são locais de reprodução e alimento de peixes:

“O pedral contém a comida do peixe; se eles destruírem, vai nos afetar muito. Quem sobrevive aqui sabe a quantidade de peixes que a gente pega lá. Dá até pro vizinho”, alerta seu Osvaldo de Sousa, seu Vadico, pescador da região, em entrevista para Sumaúma.

Na ilha do Capim, pescadores ‘trombam’ com balsas da Bertolini, terceirizada que transporta os grãos da Cargill. Foto: Alessandro Falco/ Sumauma

Em cada uma das ilhas, as áreas de pesca são contadas em dezenas. Na do Xingu, são pelo menos 56, diz Deyvson Pereira Azevedo, morador da Ilha do Capim, próxima ao terreno comprado pela Cargill.

Nessa ilha, onde há 120 áreas de pesca, os ribeirinhos produzem açaí, mel, pólen e conhecimento acadêmico: Deyvson é pesquisador de sustentabilidade e povos tradicionais da Universidade de Brasília. Para ele, desconsiderar o pedral nos estudos é uma “omissão” que visa destruir.

Os moradores dizem que a linguagem técnica dos relatórios esconde a dimensão dos impactos que serão causados pelo terminal portuário: se instalado, a Cargill poderá roubar o tempo das marés – o ritmo das cheias e vazantes. Sem ele, o modo de vida ribeirinho está ameaçado.

Frente aos relatos de subdimensionamento dos impactos em seus estudos, a empresa transnacional respondeu à SUMAÚMA que “os documentos estão sob avaliação e continuam à disposição para oferecer qualquer informação adicional aos órgãos competentes”.

Santarém: uma visão para o futuro de Abaetetuba?

Com a conivência dos órgãos de fiscalização, empresa se instalou no território com indícios de irregularidades há mais de 20 anos. Foto: Pedro Alcântara M’ boia.

Ainda no relatório apresentado pela Terra de Direitos, um dos pontos ressaltados são os impactos que a instalação da Cargill trouxe para a região do Tapajós, nas cidades de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos.

Começando a operar sem estudos de impactos ambientais, a Cargill trouxe uma série de mudanças à região: a extinção da Praia de Vera Paz, que ficava na parte urbana de Santarém e era o refúgio das pessoas de baixa renda da cidade; e o comprometimento do Sítio Arqueológico do Porto, importante espaço indígena que acabou “enterrado” sob as construções da empresa.

Há também os impactos nos rios Tapajós e Amazonas – tanto na qualidade da água na região de influência do porto, como no impacto na pesca artesanal urbana de Santarém.

A ampliação da produção da soja resultou em mudanças ambientais, territoriais, sociais e culturais para as famílias de Santarém e de cidades próximas, e acentuou ainda mais os conflitos fundiários. Agricultores e agricultoras familiares tiveram que sair da sua terra ao venderem seus terrenos a preços irrisórios, seja por não tolerar o uso de agrotóxicos nas plantações de soja ou por ameaças.

As populações também sentem os efeitos da aplicação de agrotóxicos nas plantações, que estão cada vez mais próximas à área urbana e a equipamentos como escolas, postos de saúde e hospitais.

Praia de Alter do Chão, em Santarém, também é banhada pelo rio Tapajós, onde a Cargill atua. Foto: Getty Images

Para além disso, a instalação do porto em Santarém, no rio que banha a tão famosa praia de Alter do Chão, o “caribe brasileiro”, foi só o primeiro de muitos empreendimentos que vieram depois. Em 2010, a Cargill instalou e começou a operar um armazém de grãos e cereais, na comunidade de Cipoal, às margens da BR 163, ainda em Santarém.

Em novembro de 2014, a empresa também solicitou a licença de operação para um pátio de triagem de caminhões, no município de Belterra, na BR 163, Km 41, no Lote 285-Gleba Mojuí dos Campos. A Cargill também ampliou ainda mais sua atuação no Tapajós com a instalação de um outro terminal portuário, em Itaituba, que está em operação desde 2017.

Segundo o relatório, até hoje, 20 anos após a chegada da Cargill em Santarém, não foi apresentado um relatório dos impactos da construção para as populações locais, e tudo isso vem ocorrendo com o aval dos órgãos responsáveis.

Texto escrito com informações da Terra de Direitos e Sumaúma