Foto: Shinorov

Com informações de Bruna de Lara, The Intercept Brasil

O secretário de Atenção à Saúde Primária do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, anunciou na última semana a sexta edição da Caderno da Gestante. Utilizado nos atendimentos do SUS no Brasil todo, a nova edição traz informações que vão contra as práticas recentes que tentam evitar a violência obstétrica. Em dado momento, Câmara chega a dizer que o evento é um símbolo para homenagear o dia das mães enquanto apoia a violência.

A caderneta estimula a episiotomia, corte feito na vagina durante o parto, que não tem nenhuma evidência científica de funcionamento e nem apoio da Organização Mundial da Saúde, desde 2018. Também promove a amamentação exclusiva como método contraceptivo nos primeiros seis meses após o parto, uma diretriz bastante duvidosa. No evento de lançamento, o secretário também promoveu a manobra de Kristeller, que consiste em empurrar com as mãos, cotovelos e até mesmo subir na barriga da gestante em trabalho de parto para empurrar o bebe, e que podem causar danos a gestante e bebê, como fraturas de costelas.

A episio é considerada mutilação genital e tem sua prática repudiada fortemente pelo movimento de humanização do parto e de cuidados com a mulher, mas ainda segue acontecendo em mais da metade dos partos no Brasil, causando estragos à vida sexual das mulheres. Desde 2019, no Brasil, profissionais de saúde são proibidos de realizar a manobra de Kristeller por falta de evidências científicas que mostrem sua eficácia e também pelo potencial de dano a mãe e bebe. Em documento de 2017, o Ministério da Saúde afirma com todas as letras nas Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal que “a manobra de Kristeller não deve ser realizada”.

O secretário, que é um entusiasta da abstinência sexual em detrimento de métodos contraceptivos, também zombou do termo violência obstétrica – “Vamos parar de usar termos que não levam a nada, como violência obstétrica, que só provoca desagregação, coloca a culpa no profissional único, o que não tem o menor sentido”.

Melania Amorim, ginecologista, obstetra e pós-doutora em Saúde Reprodutiva pela OMS, reagiu à fala de Câmara com uma imagem de uma gestante coberta de hematomas em seu Instagram, acompanhada pela legenda: “como plantonista, primeiro do centro obstétrico e depois da UTI, recebi já muitas vítimas da manobra e tive a oportunidade de ver ruptura uterina, de vísceras (fígado, baço), luxação renal, hemorragia e morte materna por manobra de Kristeller”. Amorim continua, relatando que “são reais” as histórias de profissionais de saúde que “sobem na mesa e colocam seu peso” sobre o útero da parturiente, uma “forma nefanda e atroz de violência obstétrica”.

No último sábado, a médica publicou um “post aberto” para que vítimas da manobra deixassem seus relatos. “No meu primeiro parto um Enfermeiro subiu em mim e ficou até minha filha nascer. Aquilo me causava náuseas e dor! Mas eu não podia falar nada porque enfiaram um pano na minha boca para eu não fazer ‘força errada’”, contou uma internauta. “Pensei que ia morrer pelo peso do Enfermeiro. Fiquei com dor nas costelas por mais de 2 anos”.

 

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) em nota oficial se posicionou contra as recomendações de Câmara e recomendou que a caderneta seja recolhida e reelaborada, de acordo com as evidências científicas disponíveis. “As mulheres brasileiras têm assegurado o direito de recusar intervenções que violem sua integridade. Relativizar violência obstétrica é um retrocesso para a assistência ao parto no Brasil e não contribui para a melhoria dos indicadores de assistência materno-infantil”, finaliza.

As deputadas federais Samia Bomfim e Vivi Reis, do Psol, vão convocar Raphael Câmara a comparecer a Comissão da Mulher da Câmara para falar sobre o evento do fim de semana e o estímulo à violência obstétrica