Por Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

Durante o encerramento do 1º Encontro Internacional de Territórios e Saberes, em Paraty (RJ), 21 entidades do movimento agroecológico que integram a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) leram uma Carta ao Presidente Lula, manifestando repúdio ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e indignação pela forma como o governo federal vem encaminhando a pauta de redução de agrotóxicos. 

“Entendemos que o posicionamento reiterado do Ministério da Agricultura, bloqueando a instituição do Pronara, fere profundamente o Estado Democrático de Direito, que tanto lutamos para recuperar com a sua vitória na eleição para Presidente, em 2022. Além do seu isolamento diante dos 14 ministérios que integram a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (Ciapo) – órgão responsável por elaborar e monitorar o Planapo -, o Ministério da Agricultura ignora sistematicamente a Política Nacional de Participação Social, em especial as pactuações em torno da temática dos agrotóxicos construídas por anos entre o governo federal e a sociedade civil. A postura autoritária e inflexível do Mapa compromete atribuições dos demais ministérios, notadamente os da Saúde e do Meio Ambiente, e coloca em xeque três prioridades políticas assumidas pelo seu governo: o enfrentamento à fome e à má alimentação, o combate às desigualdades sociais e o enfrentamento às emergências climáticas”, diz a carta. 

Em carta ao Presidente Lula, sociedade civil repudia decisão do Ministério da Agricultura e cobra do Governo Federal posicionamento sobre redução de agrotóxicos e lançamento do plano de agroecologia. Foto: Eduardo Napoli

“Em um país que arde em chamas, em grande medida pela ação criminosa de agentes do agronegócio, esse novo veto ao Pronara expressa a força desmedida que grupos de interesse privado instalados no Mapa exercem sobre o Executivo federal, contrariando interesses coletivos apresentados por anos em colegiados, conferências e outros espaços de participação democrática. Sem que o governo federal esboce uma reação à altura, entendemos esse veto como mais uma sinalização política do crescente sequestro do Estado brasileiro por parte de grupos empresariais que buscam impor à sociedade aberrações jurídicas e éticas como o Marco Temporal e outras violações territoriais submetidas a Povos e Comunidades Tradicionais e a populações periféricas. Portanto, a toda a sociedade brasileira.. Leia na íntegra aqui .

Programado inicialmente para julho, juntamente com o Plano Safra, o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) foi adiado quatro vezes, sendo a última nesta sexta-feira. Para Paulo Petersen, engenheiro agrônomo integrante do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e representante da rede na Cnapo, “o impasse que impede o lançamento do Planapo é resultado da pressão da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura (SDA/Mapa), que não aceita qualquer regra que vise reduzir os agrotóxicos no Brasil”.

O Planapo prevê a implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) e tem o aval de 13 dos 14 ministérios que integram a Política Nacional de Agroecologia (Pnapo). “A exceção é o Mapa, que tenta, a custo da saúde da população, defender os interesses das grandes empresas produtoras de agrotóxicos”, avalia Petersen.

“Essa postura do Ministério da Agricultura só contribui para ampliar um problema que há anos chama atenção: o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Esses venenos são responsáveis pela contaminação do meio ambiente e por impactar a saúde humana. O agronegócio que incendeia o país é o mesmo que envenena a sua população”, acrescenta.

O Planapo é um instrumento fundamental para a execução da Política de Agroecologia e é resultado do trabalho coletivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), composta por representantes de 21 órgãos de governo (sendo 14 ministérios)  e de 21 entidades da sociedade civil.

Para Flavia Londres, engenheira agrônoma integrante da secretaria executiva da ANA, “é inconcebível que um governo que pretende ser referência mundial em ações de mitigação às mudanças climáticas não lance um plano de agroecologia que considere a redução de agrotóxicos entre suas ações”.

Os pesquisadores/as da Rede Penssan, reunidos no VI Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (6º ENPSSAN) tomaram conhecimento do adiamento e se manifestaram em nota: “A implementação do Pronara é de grande relevância para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), direito à saúde e da justiça socioambiental.  Este programa é fundamental pahra promover a transição dos sistemas alimentares e a promoção da agroecologia.

O Pronara começou a ser pensado em 2014, pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), criando mecanismos de restrição para o uso, produção e comercialização de agrotóxicos com alto grau de toxicidade e incentivando a redução do uso de venenos por meio da transição para sistemas de produção orgânicos e de base agroecológica. O Programa previa também a promoção de ações educativas sobre os agrotóxicos e alternativas técnicas ao seu uso. 

A proposta nunca chegou a ser implementada, mas, no fim do ano passado, voltou ao debate. Em novembro de 2023, durante o Congresso Brasileiro de Agroecologia, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA) anunciou a intenção de lançar o Pronara. 

Segundo Petersen, “o Pronara foi criado como uma proposta possível para baixar o consumo de agrotóxicos sem afetar a produtividade, sem afetar a balança comercial, usando um conjunto de princípios ecológicos que podem ser aplicados até em grandes propriedades”.

O texto inicial do Pronara, que está completando 10 anos, já propunha também o fim da isenção dos impostos sobre a produção e comercialização de agrotóxicos. Recentemente, a Reforma Tributária manteve benefícios fiscais aos agrotóxicos, porém em percentual menor do que anteriormente aplicado. A isenção, que antes variava de 60% a 100%, foi fixada em 60%, mas a reforma ainda está em fase de regulamentação pelo Congresso Nacional, que decidirá quais produtos devem pagar mais ou menos impostos, incluindo os agrotóxicos. 

A Articulação Nacional de Agroecologia reúne 23 redes estaduais e regionais que englobam centenas de grupos, associações e organizações não governamentais em todo o País, além de 15  movimentos sociais de abrangência nacional, em torno da visão de que a agroecologia é um dos caminhos mais efetivos, não só para a produção de alimentos e territórios saudáveis e sustentáveis, como também para construir tecnologias sociais capazes de enfrentar a nova realidade com justiça social e climática.