Mineração ameaça povos indígenas e mais de um terço dos rios da maior bacia hidrográfica de MT
Atividades cobrem área de 2,6 milhões de hectares, maior do que a totalidade do estado de Sergipe, colocando em risco a sociobiodiversidade local.
Por Operação Amazônia Nativa (Opan)
A intensificação das atividades de mineração coloca em risco a sociobiodiversidade na bacia do rio Juruena, em Mato Grosso. Mais de um terço (34,61%) dos rios da região podem ser afetados pela atividade mineradora, de acordo com o Boletim de Monitoramento de Pressões e Ameaças às Terras Indígenas na Bacia do rio Juruena, produzido pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) a partir de informações fornecidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
“Esse dado é alarmante, pois sugere que a qualidade desses corpos d’água pode ser seriamente comprometida pelos impactos das atividades de mineração, ameaçando a saúde, a biodiversidade e a cultura dos povos que dependem desses rios”, avalia Cristian Felipe Rodrigues Pereira, geógrafo e autor do boletim.
A análise abrangeu 2756 cursos d’água e revelou que 954 estão intersectados espacialmente com os processos minerários, inclusive alguns dos mais importantes da bacia, como os rios Juruena, Sangue, Arinos, Papagaio, o dos Peixes, o Cravari e o São João da Barra.
Os processos minerários já cobrem uma área de 2,6 milhões de hectares, maior do que a totalidade do estado de Sergipe (2,2 milhões de hectares). Entre 2018 e 2024, houve um salto de de 782 para 1261 processos minerários nesta que é a maior bacia hidrográfica de Mato Grosso, a do Juruena, o que representa um aumento de 61,25%.
Atualmente, a base de dados da ANM indica que 19 processos minerários estão sobrepostos aos limites de seis terras indígenas em Mato Grosso: Escondido (Rikbaktsa), Kapôt Nhinore (Kayapó e isolados Capot/Nhinore), Kayabi (Apiaká, Kayabi e Munduruku), Paukalirajausu (Nambikwara), Portal do Encantado (Chiquitano) e Uirapuru (Paresi). A soma das áreas dos processos minerários sobrepostos totaliza 7.382 hectares.
“A situação é muito preocupante, seja porque esses processos estão ilegalmente sobrepostos às terras indígenas, ou porque os rios dos quais dependem povos e comunidades do Juruena também estão na rota da mineração e podem ser contaminados. O caso Yanomami e o caso Munduruku são exemplos contundentes dos impactos do risco a que o Juruena está sujeito”, alerta Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade, da OPAN.
De toda a região, a sub-bacia do rio São João da Barra (uma das que compõem a bacia do Juruena) é a que chama mais atenção por ter mais de três quartos de sua área (75,64%) sobreposta por requerimentos de processos minerários, principalmente relacionados à exploração de cobre, além de uma parcela de ouro.
O documento destaca uma alta concentração de processos relacionados à exploração de ouro e cobre no médio e baixo cursos da bacia do Juruena. As atividades relacionadas ao ouro abarcam cerca de 40% da área total dos processos minerários, enquanto o cobre responde por 32%. A distribuição desses recursos segue um padrão característico do estado, cujas proporções de requerimentos de processos minerários de ouro e cobre são, respectivamente, 52% e 23% do total. O boletim considera apenas processos minerários legais, portanto não há informações referentes ao garimpo ilegal, o que aponta para um cenário ainda mais ameaçado.
“Essa avalanche de processos minerários, avançando de forma tão acelerada, coloca em xeque o respeito ao direito à consulta livre, prévia e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais na região. São várias camadas de violações”, alerta Andreia Fanzeres, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN.
“Além de todos os pontos levantados, esse processo ainda atropela o debate relativo aos usos múltiplos dos recursos hídricos, a saúde pública e as mudanças climáticas”, complementa Cristian Felipe Rodrigues Pereira.