Milpamérica, a rede social para tornar visíveis os direitos indígenas e afrodescendentes
Defensores territoriais de diversos povos indígenas criam um espaço virtual livre de “racismo e discursos neoliberais”.
Com a recente nomeação de Elon Musk, dono da X, para o cargo de Chefe do Departamento de Eficiência Governamental do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mulheres indígenas defensoras do território criaram sua própria rede social para organizar ações climáticas na região mesoamericana, como alternativa ao Facebook, Instagram e outras plataformas tradicionais. Milpamérica é descrita como um espaço para semear novos futuros.
A plataforma oferece um repositório de conhecimento que conecta povos em resistência e preserva narrativas ancestrais. É um território digital dedicado a quem defende a terra, luta pela justiça climática, pela diáspora e por dissidentes que protegem a mãe terra.
Essa iniciativa surgiu de mais de 25 defensores do território, pertencentes a diversos povos indígenas do México, Guatemala, Honduras, El Salvador e Costa Rica, que participaram do laboratório “Milpamérica Resiste”, coordenado pelo coletivo Hackeo Cultural.
“Na Declaração Milpamérica, chamamo-nos soluções vivas para a crise climática. Somos povos, coletivos e indivíduos que curam corpos, territórios e espíritos em tempos de ecocídio e genocídio”, afirma um trecho do manifesto no site oficial.
Tecnologia ancestral para hackear o algoritmo
“Os algoritmos nos deixam de fora. Não estamos na conversa sobre mudanças climáticas ou meio ambiente, e redes sociais como X ou Instagram estão repletas de mensagens de ódio”, explica Andrea Ixchiú, ativista maia quiché da Guatemala exilada no México, e coordenadora da organização Hackeo Cultural, sobre a origem do projeto.
Mas o que torna essa plataforma diferente? Para Ixchiú, “o que é inovador é o modelo de governança baseado em assembleias”. Além disso, o código aberto da plataforma permite adicionar novas funcionalidades, com foco na conectividade em vez do lucro. “É totalmente auditável por uma equipe horizontal”, explica ela ao jornal El País da Espanha.
“Há agendas corporativas que investem milhões para espalhar ódio em outras redes sociais. São mestres absolutos em discursos de segregação. Isso fica evidente, especialmente em períodos eleitorais”, critica Ixchiú. “Por isso o extrativismo, a grilagem de terras e os genocídios avançam rapidamente. Nós, os povos, não temos espaço nesses ambientes.”
Como parte dos resultados do projeto, a campanha “Milpamérica: Sembranza y Futuros” convida crianças e jovens a recuperar conhecimentos ancestrais, considerados soluções vivas para a crise climática.
Segundo um relatório do relator especial das Nações Unidas para questões de minorias, Nicolas Levrat, 70% das vítimas de crimes ou discursos de ódio nas redes sociais pertencem a minorias. O mesmo relatório aponta que grupos minoritários, como povos indígenas ou pessoas de ascendência africana, também são mais afetados por restrições ou exclusões impostas pelos sistemas de moderação de conteúdo. Essa tendência, segundo especialistas, foi agravada durante a pandemia de COVID-19, impulsionada por grupos extremistas e figuras populistas que promovem narrativas de ódio, desinformação e teorias da conspiração.
Regras e coexistência
As regras do Milpamérica.org são simples e claras: a rede social é um território livre de violência, onde não são permitidas “expressões racistas, classistas, sexistas ou qualquer outro tipo de comportamento que viole pessoas, povos ou a mãe terra”. Trata-se de um servidor autônomo, gerido de forma cooperativa, que “não rouba nem vende suas informações a terceiros”. Além disso, é um espaço que convida à organização, à defesa dos territórios, dos corpos e espíritos, e ao reflorestamento dos corações, como diz o manifesto.
A plataforma permite upload de fotos e vídeos, oferece suporte tecnológico, mas não possui o recurso de stories (conteúdo que desaparece após 24 horas). Também é possível criar contas pessoais, seguir outras pessoas e utilizar filtros. “É uma rede social como qualquer outra, mas sem todas as coisas ruins”, afirma a ativista guatemalteca.
“Há muitas pessoas como nós que querem se conectar com outros povos”, explica Ixchiú, destacando o entusiasmo pela existência de alternativas digitais.
“Participam muitos defensores, do México à Costa Rica, e há um grande intercâmbio de conhecimentos. As redes sociais estão mudando, e há novas formas de usá-las, ou até mesmo de criá-las”, conclui a ativista.