Mika Kaliandrea: a potência de uma voz transmasculina e indígena na música e nas artes visuais
Confira a primeira entrevista de 2025 para a seção Artista FODA, uma vitrine de artistas LGBTQIA+ com pouca visibilidade no mercado
Por Karina Vicny
Com uma trajetória que desafia fronteiras e expectativas, Mika Kaliandrea é um artista que carrega no corpo e na arte a força de múltiplas identidades. Filho de pai peruano e mãe mineira, Mika é transmasculine e indígena, além de um multiartista que transita entre as artes visuais e a música.
Desde cedo, Mika encontrou na arte um refúgio e uma arma. Aos 10 anos, começou a desenhar e se especializou em mangá antes de ingressar em Artes Visuais. Na música, sua voz encontrou um eco poderoso. Com composições que misturam brasilidades e blues, ele transforma vivências e revoltas em melodias que dialogam com questões de gênero, raça e ancestralidade.
Nesta edição da seção Artista FODA, que destaca periodicamente talentos LGBTQIA+ de pouca visibilidade no mercado, Mika inaugura o ano de 2025 com uma entrevista que explora sua trajetória, desafios e conquistas. Ele compartilha como sua identidade transmasculine influencia sua arte, fala sobre as alianças que moldaram sua carreira e celebra momentos históricos, como a participação na Marcha Transmasculine e no evento Vozes da Terra, do Sesc.
Em uma curta conversa, com profundidade e autenticidade, Mika mostra que sua arte vai além do palco ou das telas: é um grito por justiça, igualdade e pertencimento. Confira a entrevista completa:
Como sua identidade como pessoa trans influencia suas composições e a forma como você se apresenta no palco?
Assim como influencia grande parte da minha vida, na forma como me relaciono com o mundo, de forma dissidente à norma cisgênera, isso também reflete na escrita das minhas composições. A forma como sinto, minhas revoltas e anseios datam dessa desigualdade e dos preconceitos que se desdobram em várias camadas na sociedade. Minha relação mais íntima, geralmente com outras pessoas trans, e a forma como canto buscam transitar entre aquilo que é dito como masculino e feminino. Não é à toa que minha maior referência atualmente é a cantora Liniker.
Quais desafios você enfrentou ao criar a banda Boycetas Selva de Mosquito e como essa experiência moldou sua visão sobre a cena musical LGBTQIA+?
Já de início, enfrentamos a falta de recursos. Utilizávamos o ateliê do TRANSateliê e tínhamos apenas um computador onde eu produzia e captava as vozes. Isso, somado à falta de perspectiva dentro da indústria musical, que por si só já é desafiadora, tornou tudo mais difícil. Infelizmente, o grupo se dissolveu pouco depois do primeiro lançamento.
Você mencionou que colaborou com outros artistas em projetos musicais. Como essas parcerias contribuíram para sua expressão artística e a visibilidade da comunidade LGBTQIA+?
Assim como na nossa sobrevivência, as alianças são importantes no meu trabalho artístico. Essas parcerias viabilizam a criação e o andamento de projetos, especialmente em um meio tão carente de recursos e financiamento. No ano passado, iniciei o projeto Ponto de Encruza com Gabu, um transmasculino negro e meu amigo, onde ele fez o arranjo de quatro composições minhas, misturando brasilidades e blues. Este ano, me aproximei da Casa 56, composta majoritariamente por transmasculines racializades e um homem negro cis PCD. Dessa parceria, Mendonça e Bruxa se tornaram meus produtores executivos e Quixote, meu produtor musical. Como artista independente, as alianças com outras pessoas LGBTQIA+ tornam nossa atuação mais possível, e nossa afinidade enriquece as produções.
O que significa para você se apresentar em eventos como a Marcha Transmasculine e o Sesc, especialmente no contexto da luta por direitos e representatividade?
Para mim, foi um momento de muita euforia e uma grande conquista pessoal e coletiva. Como transmasculinidade e indígena, essas apresentações são reconhecimentos de luta que caminham paralelamente à minha trajetória artística. Estar em evidência na Marcha, que foi uma grande conquista das transmasculinidades, foi um marco na minha história e na história de toda uma comunidade. No evento Vozes da Terra, do Sesc, participei de uma roda de conversa e finalizei com uma apresentação musical. Foi algo inédito reunir transmasculinidades indígenas em um espaço cultural como o Sesc.