Migrações climáticas geram crescimento desordenado das cidades, ampliando degradação ambiental
Prefeita de Freetown, em Serra Leoa, diz que guerras e epidemias agravaram ainda mais a situação no país africano
Paloma Dottori, para a Cobertura Colaborativa NINJA na COP26
Nesta terça-feira (2), as discussões da mesa titulada Informalidade urbana e desigualdade – um apelo por justiça climática global, na Conferência Mundial Sobre Clima realçaram que é importante que governos acolham vozes locais para a busca por soluções coletivas para mitigar os efeitos da crise climática.
A prefeita de Freetown, em Serra Leoa, Yvonne Aki-Sawyerr, é um líder exemplar que inspira e traz um lugar de fala de extrema importância dentro da perspectiva do Sul global. Ela compartilha suas interpretações sobre como endereçar os mais difíceis desafios da emergência climática de forma equitativa nas cidades.
Isto porque para bilhões de pessoas, o aquecimento global não é algo que ainda vai acontecer em um futuro mas é algo que já está ocorrendo no agora. A crise climática é de fato real, principalmente pelas pessoas mais vulneráveis, como mulheres, comunidade LGQTB, comunidades tradicionais e povos originários das florestas, principalmente para povoados e comunidades rurais. Em razão da emergência do clima, ocorrem sérios impactos em suas vidas, o mundo natural ao seu redor é modificado, reduzindo seus meios de subsistência e obrigando famílias a se mudarem para o meio urbano.
Migrações climáticas
Sawyerr traz sua experiência como prefeita de Freetown para trazer à tona o fenômeno reconhecido como migrações climáticas. Para ela, a urbanização está progredindo rapidamente, especialmente nas cidades costeiras dos países em desenvolvimento, muitas vezes ultrapassando a capacidade do governo de planejar um crescimento sustentável.
Como resultado, os assentamentos informais, também conhecidos como favelas, estão se expandindo para áreas altamente expostas a perigos, ao longo da costa ou em encostas íngremes. O crescimento desordenado além de degradar ainda mais o meio ambiente e torna os ecossistemas já frágeis ainda menos capazes de resistir aos choques climáticos.
Crescimento urbano pós-guerra e epidemias
Em contextos urbanos, os impactos da emergência climática estão tornando o problema de maneiras altamente visíveis. Em Freetown, o crescimento desordenado vem ocorrendo há décadas, principalmente devido ao fim da guerra em Serra Leoa em 2002 e com a epidemia do Ebola, onde houve uma contínua migração para a cidade. Apesar disso, Sawyerr traz um dado mostrando que 55% do seu país são de agricultores rurais, e são estes que sentem o impacto do problema, visto que não tem resiliência suficiente para enfrentar as devastações de chuvas torrenciais cada vez mais fortes.
A migração rural- urbano sempre foi uma realidade, ainda mais para países em desenvolvimento em climas tropicais e subtropicais – a maioria destes tem contribuído menos para as emissões de gases de efeito estufa – são os mais atingidos. Normalmente, são os eventos climáticos extremos como secas, inundações e deslizamentos de terra causados por tempestades e o aumento do nível do mar que prejudicam os meios de subsistência das pessoas, deslocando populações e enfraquecendo ainda mais os meios de subsistência e aumentando os assentamentos, trabalho informal e aumento da ilegalidade.
Para aqueles que já vivem na pobreza, esses riscos representam sérias ameaças ao seu bem-estar social, econômico, ambiental e político das comunidades afetadas. À medida que a Terra se aquece a temperaturas perigosas, a demografia da população global aumenta. Mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas, uma proporção que deve aumentar para 60 por cento até 2030.
A maior parte da urbanização está agora em países de baixa e média renda, com a África e a Ásia respondendo por mais de 90 por cento do crescimento urbano.5 Muitos as cidades em expansão estão em zonas tropicais e subtropicais que já enfrentam condições climáticas adversas.
Direito à terra
Dentro desse contexto, devemos pensar no debate sobre o uso da terra e o acesso da terra àqueles mais vulneráveis. Na realidade, Yvonne traz um dado interessante que desde 2004, através de um ato local do conselho da cidade de Freetown, foi votada uma lei que auxilia no planejamento do uso da terra mas que infelizmente não é efetivo, visto que não há financiamento para desenvolver tanto o debate como a ação.
A urbanização está progredindo rapidamente, e muitas vezes ultrapassa a capacidade do governo de planejar o crescimento e até mesmo de impedir a devastação ambiental feita pelo desmatamento nos entornos das encostas, fazendo com que deslizamentos de terra sejam recorrentes, como o de 2017 em Freetown , onde 1000 pessoas morreram em poucos minutos. Para ela, é um círculo vicioso, o desflorestamento e as consequências como esta, pois os governos têm capacidade limitada e poucos recursos para planejar e responder aos perigos relacionados a mudanças drásticas do clima e a urbanização .
Além disto, o desordenamento urbano em ambientes costeiros pode significar que os bairros – normalmente os mais pobres – estão altamente expostos aos perigos climáticos, como aumento do nível do mar, tempestade, surtos de doença por falta de higiene, extremas temperaturas, inundações, deslizamentos de terra, escassez de água e poluição do ar.
O reconhecimento dos impactos urbanos por causa dos riscos climáticos aumentou nos últimos anos, mas pouca atenção tem sido dada às pessoas que vivem à margem da sociedade. As pessoas vivem em condições precárias, tendo desafios de acesso à água potável, moradia durável e segura, serviços de saneamento básico. Nessas condições, as pessoas são mais vulneráveis aos riscos relacionados ao clima, mesmo que elas mesmas muitas vezes são estas que destroem o habitat à sua volta, contribuindo para o desmatamento e limitando cada vez mais o acesso à água potável.
Construir resiliência à emergência climática no contexto de rápido crescimento desorganizado exige soluções que sejam baseadas na ação local de forma inclusiva. Em cidades com crescimento desordenado, as comunidades devem contar com a governança local inclusiva para se adaptar às condições climáticas mais adversas, protegendo o meio ambiente de maior degradação e melhorando formas de resiliência.
Isso acontece especialmente em países onde os recursos estão esgotados para projetos de adaptação.. Em comunidades vulneráveis, como assentamentos informais igual a Freetown, as respostas baseadas na comunidade são essenciais para tornar as famílias mais resilientes, assim como o planejamento urbano é fundamental para o crescimento sustentável da cidade.
O Painel apresentou três questões essenciais para o debate:
- O que Serra Leoa está fazendo para o fortalecimento da ação contra a emergência climáticas para alcançar a justiça climática, levando em consideração a informalidade e a desigualdade urbanas, juntamente com a vulnerabilidade às mudanças climáticas.
- Quais são as prioridades de ação em nível local?
- Como podemos fortalecer o engajamento equitativo entre formuladores de políticas, pesquisadores e comunidades marginalizadas para alcançar a justiça climática?
O trabalho de campo em Freetown, Serra Leoa, revela que as mulheres engajadas na governança local estão liderando a busca pela construção da resiliência. Yvonne Aki-Sawyerr trouxe o foco na inovação e objetivos a médio prazo, visto que existem muitos desafios a serem enfrentados, como saneamento básico, estradas ruins, acesso difícil da cidade e baixa renda.
Para ela há dois modos principais de formas de engajamento para enfrentar a emergência climática: representação formal colaborativa mente com à gestão comunitária participativa e desenvolvimento comunitário através de capacitação, no momento, eles estão focando em micro empresas na região focando em criação de postos de trabalho como: gestão de resíduos (reciclagem) e capacitando as pessoas para planejando do uso da terra (compostagem) .
Ela diz que em assentamentos informais, onde o governo local tem menos suporte, as estruturas informais de organização podem ajudar a construir resiliência necessária, como por meio do projeto de sistemas de alerta de deslizamentos baseados na comunidade ou da formação de cooperativas de reciclagem. As intervenções de ONGs podem preencher lacunas na prestação de serviços e ajudar a vincular a iniciativa comunitária ao planejamento governamental.
As mulheres podem contribuir para a construção de resiliência e participar da governança local. Existem alguns exemplos de como o empoderamento e o envolvimento das mulheres na governança local contribuíram para a construção de resiliência nas áreas rurais, como por meio de melhores meios de subsistência e mediação de conflitos de recursos naturais.
Serra Leoa é um local de aprendizado, pois além da coexistência de bolsões de pobreza- ou à existência de fragilidade em um nível subnacional – com alta exposição aos impactos das mudanças climáticas têm evidências da importância da governança local.
Em países em desenvolvimento, os governos muitas vezes carecem de ativos financeiros, em Serra Leoa não seria diferente, existe uma certa dificuldade para o financiamento dos seus projetos. Ela se pergunta onde está o financiamento climático prometido por governos ricos para questões de adaptação, pois apesar de estar trabalhando com 2 comunidades, o objetivo seria conseguir impactar 75 outras comunidades. Ela diz que recursos limitados – incluindo acesso a financiamento, atrasam as resposta e soluções da emergência climática.
Apesar disso, existem soluções como o planejamento da plantação de milhões de árvores – eles já plantaram 100.000 árvores e estão ajudando em seu desenvolvimento, além do acesso inclusivo dos assentamentos ilegais para a cidade. O povo de Serra Leoa vive em um dos países mais pobres do mundo. Hoje, a rápida urbanização combinada com os impactos das mudanças climáticas representam novas ameaças para os residentes da cidade. Aqueles que vivem em assentamentos informais em crescimento desordenado são os mais expostos a enchentes e deslizamentos de terra e os menos capazes de se adaptar. As mulheres pobres, já marginalizadas devido à desigualdade de gênero generalizada e estrutural, são indiscutivelmente as mais afetadas.
Inclusão de cidadãos
Ainda assim, como Freetown nos mostrou, a importância da inclusão dos residentes na governança local é essencial na tomada de decisões, contribuindo para mudanças que ajudam as comunidades a se tornarem mais resilientes aos riscos de segurança relacionados ao clima. Por meio de vários modos de engajamento, as mulheres e as comunidades estão moldando um novo modelo de governança mais inclusivo, onde as estruturas formais e informais se reforçam mutuamente e dão suporte, em vez de competirem umas com as outras. Freetown nos demonstra que exemplos como este, surgem quando os atores locais colaboram nos diversos níveis de governança.
No entanto, mais investimento, conhecimento e apoio são necessários, especialmente em assentamentos informais, onde a pobreza extrema limita a capacidade dos residentes de se envolverem em iniciativas de construção de adaptação. Há uma necessidade urgente de investir em políticas e programas que integrem objetivos de igualdade de gênero, adaptação climática e desenvolvimento.
Na ausência de capacidade ou recursos governamentais formais, as redes da sociedade civil e organizações baseadas na comunidade podem fazer muito para promover a adaptação baseada na comunidade por meio da gestão de riscos, melhorar o bem-estar econômico, construir coesão social e defender políticas centradas nas pessoas.
https://www.youtube.com/watch?v=iz5XiNVl-ig
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