Por Isabella Breve

Em um cenário onde o brilho das grandes atuações é frequentemente ofuscado pelas dinâmicas das premiações, algumas performances se destacam pela força e sensibilidade incontestáveis. Colman Domingo, em ‘Sing Sing’, é um desses exemplos de talento. No universo dos prêmios, o excepcional nem sempre é suficiente para garantir uma estatueta. Embora tenha entregue a melhor performance da temporada, a mecânica das campanhas dos estúdios e as preferências da indústria não o colocam como favorito. Afinal, “ser o melhor” nem sempre significa vencer.

‘Sing Sing’ é um drama estadunidense dirigido por Greg Kwedar, baseado na história real do programa Rehabilitation Through the Arts (Reabilitação Através das Artes), desenvolvido na prisão de segurança máxima Sing Sing. Na trama, Colman Domingo interpreta Divine G, um presidiário envolvido na criação de espetáculos teatrais dentro da iniciativa de reabilitação. Além de Domingo e Paul Raci, o elenco conta com ex-presidiários que participaram do programa durante o encarceramento.

Colman entrega, em ‘Sing Sing’, uma atuação marcada por profundidade e autenticidade. No papel de Divine G, um presidiário que encontra no teatro uma forma de redenção, ele equilibra força e vulnerabilidade, dando vida a um personagem multifacetado. Sua interpretação vai além do texto, explorando expressões sutis, mudanças no tom de voz e um olhar carregado de emoções. Divine G é um homem injustamente acusado, mas que, apesar disso, mantém a esperança e continua acreditando no sistema que falhou com ele.

Nesse contexto, a arte se apresenta como uma ferramenta de socialização e, acima de tudo, um refúgio para os encarcerados — uma força capaz de resgatar almas, transformar dor em beleza e dar voz a quem, de outra forma, permaneceria em silêncio.

Divine G inspira todos ao seu redor e mantém o equilíbrio para aqueles que já perderam as rédeas. Dentro desse cenário, surge uma suposta competição por um papel entre ele e Divine Eye, que, com o tempo, se transforma em uma bela amizade. Ambos entregam atuações marcantes: dois homens unidos pelo lugar que os cerca — um com um espírito esperançoso, o outro cansado e amargurado, não apenas pela situação, mas principalmente pelo sistema que os oprime. E, nesse sentido, a arte surge como um elo entre esses dois polos.

Ainda assim, nada disso parece bastar. Na disputa pelo Oscar, Domingo enfrenta Ralph Fiennes, em ‘Conclave’; Sebastian Stan, como Donald Trump em ‘O Aprendiz’; Timothée Chalamet, como Bob Dylan em ‘Um Completo Desconhecido’, recentemente reconhecido pelo Sindicato dos Atores; e Adrien Brody, o favorito, em ‘O Brutalista’. Enquanto Chalamet e Brody dominam as apostas, Domingo divide as posições mais baixas com Fiennes e Stan. Apesar de sua vitória no prêmio do Sindicato dos Atores, a tendência é que Brody mantenha o favoritismo no Oscar.

‘O Brutalista’ é um drama épico sobre a jornada de um arquiteto húngaro imigrante nos Estados Unidos, no pós-Segunda Guerra Mundial. O filme, longo e didático, introduz seu protagonista por meio de um epílogo que soa desnecessário. László Toth (Adrien Brody) assume o papel de estrangeiro em busca do “sonho americano”, cercado por uma sociedade que o tolera, mas não o aceita. No entanto, as polêmicas em torno do uso de Inteligência Artificial no longa podem impactar a decisão da Academia, possibilitando uma reviravolta que favoreça Timothée Chalamet. O resultado, portanto, permanece incerto.

A campanha para o Oscar é um jogo complexo de estratégias, onde visibilidade e recursos desempenham um papel crucial. Estúdios e agentes trabalham incansavelmente para manter seus indicados no radar da Academia, seja por meio de entrevistas, exibições exclusivas ou eventos de lobby.

E, como sempre, há o fator “favoritismo”. O Oscar é um produto criado para sustentar uma indústria elitista e glamourosa. Um filme indicado nem sempre é o “melhor” do ano — um conceito subjetivo e influenciado por discussões e acontecimentos anteriores à premiação. Nenhum prêmio pode, de fato, definir o valor de uma obra de arte ou sua qualidade. Assim, o verdadeiro desafio de Colman Domingo não é apenas superar os concorrentes, mas também enfrentar os bastidores da premiação — o lobby, as campanhas e o difícil jogo de visibilidade.

Nos últimos anos, o Oscar tem tentado se apresentar como mais diverso, mas será que isso se reflete nas vitórias? Domingo é um ator negro e abertamente homossexual, e sua indicação adiciona mais uma camada à discussão sobre representatividade. Ele concorre por um papel que foge dos estereótipos frequentemente atribuídos a personagens negros no cinema, especialmente em narrativas carcerárias, trazendo nuances e profundidade.

Sua indicação, portanto, é histórica, tanto pelo contexto de ‘Sing Sing’ quanto por sua própria trajetória. Vale lembrar que, no ano passado, ele já havia disputado a mesma categoria por ‘Rustin’ (2023). Em ‘Sing Sing’, Domingo entrega uma atuação brilhante, mas dificilmente a Academia o premiará — seja pela concorrência, seja pelas dinâmicas da indústria.

Apesar de sua excepcionalidade em ‘Sing Sing’, vencer o Oscar não depende apenas de mérito — um conceito que, por si só, já carrega conotações questionáveis. A premiação é um jogo de narrativas, campanhas e favoritismos. Com uma concorrência acirrada e a Academia mantendo suas tendências tradicionais, suas chances são limitadas.

Ainda assim, Domingo, Greg Kwedar e o restante do elenco entregam um filme que não teme ser o que é, nem se impõe de forma forçada. Uma obra carregada de emoção, mas expressa com sutileza. Um presente artístico, fruto de uma direção cuidadosa e de um elenco movido pelo amor à arte. E isso, a Academia pode até não premiar, mas jamais poderá tirar.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.