Angelita Habr-Gama, 89, foi reconhecida pela Universidade Stanford (EUA) como uma das médicas que mais contribuíram para o desenvolvimento da ciência no mundo.

“Foi um reconhecimento que eu não esperava. Espero que seja um incentivo para os pesquisadores brasileiros, especialmente para as mulheres. A primeira coisa que a mulher precisa ter é autoconfiança e mostrar isso aos outros. E não aceitar o não como resposta”, diz a professora emérita da USP, em entrevista à Folha.

Nascida na Ilha de Marajó (PA), Gama entrou na Faculdade de Medicina da USP em 1952, aos 19 anos. Já ganhou mais de 50 prêmios científicos e é uma referência mundial em coloproctologia, especialidade que cuida das doenças do intestino grosso, do reto e ânus. Hoje, é uma das pesquisadoras brasileiras mais premiadas, tendo publicado mais de 200 artigos científicos em revistas indexadas na base de estudos PubMed.

A médica foi incluída recentemente entre os 2% de cientistas mais citados em diversas disciplinas no mundo. O relatório foi preparado por uma equipe de especialistas liderada por John Ioannidis, professor de Stanford, em parceria com a editora Elsevier BV. Com grande história na medicina, sua vida foi narrada no livro biográfico “Não, não é resposta”, do jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão.

Para a cirurgiã, a sua produção científica reflete a qualidade da medicina e da escola cirúrgica brasileira. “É uma pena que o país não valoriza a ciência, a cultura, a educação. As verbas, que já eram poucas, estão diminuindo ainda mais. Você viu que nesta semana cortaram mais verba da cultura?”.

Foto: Leo Ramos Chaves / Via Fapesp

Sobrevivente

Em 2020, Angelita Habr-Gama foi internada após ser diagnosticada com Covid-19 aos 87 anos de idade. A cirurgiã passou 50 dias internada em estado grave. Sobreviveu à doença e voltou a trabalhar.

“Fui internada e, como os sintomas respiratórios pioraram rapidamente, fui transferida para a UTI e intubada. Vi minha tomografia e verifiquei que meu estado era muito grave, eu poderia morrer. Toda a equipe – médicos, enfermeiros, nutrólogas, nutricionistas – cuidou de mim com muita atenção e afetividade. Eu naturalmente conhecia todos porque trabalho no Hospital Alemão Oswaldo Cruz desde os anos 1970, depois que terminei minha formação cirúrgica”, disse.

Ela conta essa história em um depoimento emocionante publicado em revista da Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

“Quando percebi que poderia morrer, pensei: estou preparada. Vivi bem, mais do que a média da população. Fiz tudo aquilo que poderia ter feito da melhor maneira possível. Não tive medo, mas também preferiria que não acontecesse naquele momento. Como dizia minha mãe, aos 97 anos: “Ainda é muito cedo, tenho tantas coisas para fazer”.

Quando acordei, 47 dias depois, foi maravilhoso perceber que ainda estava viva. Que alegria senti!