No último domingo (24), acordamos com a notícia da prisão, pela Polícia Federal (PF), dos mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes. Foram presos o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, que chefiou a Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) | Mário Agra / Câmara dos Deputados

Domingos e Chiquinho são irmãos mais jovens do deputado estadual Pedro Brazão. A família tem Jacarepaguá e outros bairros da zona oeste do Rio de Janeiro como base eleitoral e representa, na política, os interesses das milícias que controlam essa região.

Domingos é o caçula mas tem muita quilometragem rodada. Exerceu quatro mandatos na Assembleia Legislativa, de onde articulou a sua indicação para o TCE. Sua família também está envolvida em inúmeras denúncias de corrupção. Como conselheiro, a sua função é mais do que uma boa aposentadoria. Pode-se imaginar que conselhos ele dá ao tribunal.

Chiquinho é um deputado inexpressivo, baixo clero total. O interesse dele não está na superestrutura do Estado, mas em Jacarepaguá. Mantém o mandato federal mais pelo foro especial do que pelo fórum parlamentar. Mas já foi vereador, contemporâneo de Marielle, com quem manteve vários entreveros antes de refugiar-se em um mandato federal e, segundo a PF, ter planejado matá-la.

Só que, no caso dele, o foro especial virou uma baita fria. Assim que Chiquinho foi apontado como um dos mandantes por Ronnie Lessa, o autor dos assassinatos, a investigação foi remetida ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes foi sorteado como relator, homologou a delação premiada de Lessa e autorizou a prisão dos mandantes.

Carreata do candidato a deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) com participação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em 2022 | Reprodução Facebook

Canalha policial

Não menos sórdido é Rivaldo Barbosa, o terceiro suspeito de ser um dos mandantes também preso no domingo. Ainda de acordo com a PF, ele participou de reuniões para planejar o assassinato e aceitou ser indicado para o comando da Polícia Civil fluminense com o compromisso de impedir as investigações. Barbosa foi nomeado na véspera do crime, por ninguém menos que o general Braga Neto, então interventor federal no Rio de Janeiro, ex-ministro da Defesa, candidato a vice-presidente de Bolsonaro e articulador da fracassada tentativa de golpe para impedir a posse do presidente Lula.

Barbosa conspurcou a Polícia Civil, que é responsável pela investigação. Produziu pistas e depoimentos falsos, obstruindo o seu andamento e acobertando mandantes e assassinos. Nesse mesmo esforço, trocou cinco vezes o delegado responsável pelo caso. A interveniência de um comandante no crime mostra o quanto a interferência política pode corromper a atuação da polícia.

Quem bancou politicamente e manteve Barbosa à frente da Polícia Civil? Antes de nomeá-lo, Braga Neto foi avisado por outro delegado das ligações dele com as milícias. A informação foi ignorada, a nomeação foi efetivada e o informante, exonerado. Braga Neto deveria explicar melhor a história, para não parecer um interventor a serviço das milícias do Rio de Janeiro.

Redenção

Também sujeita a pressões e interferências em anos recentes, a Policia Federal, ao revelar e comprovar a trama em torno do assassinato de Anderson e de Marielle, prestou um grande serviço ao país, atormentado por tantas contradições. De quebra, redimiu o conceito, muito abalado, sobre a atividade policial.

O avanço das investigações e a prisão dos mandantes foi, certamente, um alento para os familiares de Anderson e Marielle, mas também fortalece e protege milhares de lideranças populares de todo Brasil, que são ameaçadas e arriscam as suas vidas para defender idéias e comunidades, do Rio de Janeiro ao Rio Solimões (AM).

Até agora, as investigações não apontam indícios de envolvimento direto de Jair Bolsonaro, ou dos seus filhos, no assassinato de Anderson e de Marielle. Em 2018, ele ainda nem era presidente, apesar da paralisia das investigações no seu mandato. Mas a trama ocorre num ecossistema bolsonarista. Roni Lessa, o atirador, era seu vizinho em um condomínio do Rio de Janeiro, os Brazão são seus aliados políticos e, na outra ponta da história, está Braga Neto, seu ministro, candidato a vice e seu cúmplice.

Não se deve esquecer que este necrossistema estaria sufocando todos os demais, caso Bolsonaro fosse, hoje, o ditador do Brasil.