Na sexta-feira (20), o presidente Jair Bolsonaro defendeu a sua visita à Rússia às vésperas do início da guerra com a Ucrânia, dizendo que o presidente Vladimir Putin sempre se posicionou “no sentido de que a floresta amazônica é uma questão a ser tratada de maneira soberana pelo Brasil”. A declaração se deu numa entrevista coletiva para faturar politicamente a visita do empresário Elon Musk, fundador, diretor executivo e diretor técnico da SpaceX e CEO da Tesla, Inc.

Jair Bolsonaro e Elon Musk | Reprodução do Twitter

A agenda da visita incluiu um almoço com empresários. Alguns dos convidados saíram dizendo que ouviram muita “conversa fiada”. De fato, Bolsonaro falou em usar satélites de Musk para “monitorar a Amazônia”, talvez na expectativa de que estes enxerguem algo diferente dos utilizados pelo INPE e por outras instituições que monitoram o desmatamento. Disse, também, não ter convencido Musk a investir na extração de Nióbio, supostamente da jazida existente no Morro dos Seis Lagos, que fica na Terra Indígena Balaio, no noroeste do Amazonas, uma região de floresta tropical das mais preservadas do mundo.

Até aí, foi conversa fiada mesmo, porque o Brasil já abastece o limitado mercado mundial de nióbio, mas Musk falou sobre projetos bem mais razoáveis, como conectar à internet mais de mil escolas rurais da Amazônia e instalar uma fábrica de veículos elétricos na Zona Franca de Manaus. Ao emprestar o seu prestígio a Bolsonaro, em plena campanha reeleitoral, Musk também cacifa interesses próprios objetivos. Para se ter ideia da sua objetividade, na própria sexta-feira, questionado sobre se apoiaria um golpe de estado para derrubar Evo Morales do governo da Bolívia, para garantir o fornecimento de lítio para as baterias dos carros elétricos que fabrica, Musk tuitou: “Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso”.

Confissão de isolamento

Nessa mesma entrevista, Bolsonaro também disse que os dirigentes dos EUA, Joe Biden; da França, Emmanuel Macron; do Canadá, Justin Trudeau, e do Reino Unido, Boris Johnson, estão “o tempo todo fustigando o Brasil devido à Amazônia”. O seu governo promove o aumento do desmatamento, mas ele não aceita críticas ou pressões por conta do impacto que provoca sobre o clima mundial.

Jair Bolsonaro participa de reunião do G-20 em 2019 | President Secretary / Laily Rachev

Nessa mesma entrevista, Bolsonaro também disse que os dirigentes dos EUA, Joe Biden; da França, Emmanuel Macron; do Canadá, Justin Trudeau, e do Reino Unido, Boris Johnson, estão “o tempo todo fustigando o Brasil devido à Amazônia”. O seu governo promove o aumento do desmatamento, mas ele não aceita críticas ou pressões por conta do impacto que isso provoca sobre o clima mundial.

A sua lista de desafetos poderia incluir, também, os dirigentes da Alemanha e da Noruega, que muito cooperaram para iniciativas sustentáveis no país e têm bilhões retidos com a paralisação do Fundo Amazônia. Ou, mesmo, o da China, que economiza críticas ao Brasil, mesmo sendo ideologicamente desqualificada por Bolsonaro. Ele prefere consumir, midiaticamente, personagens exóticos como Musk e Putin a melhorar as suas péssimas relações com os principais parceiros políticos e comerciais do Brasil.

Arquipélago de Anavilhanas, no Rio Negro, entre Barcelos e Manaus (AM) | © Roberto Linsker

De volta ao mundo

Bolsonaro acumula, junto à opinião pública mundial, uma rejeição ainda maior do que internamente. Está muito evidente o seu ativismo contra a democracia, os direitos humanos, o meio ambiente e o multilateralismo. O ataque sistemático a chefes de estado e a instituições internacionais o isolam e congelam acordos comerciais, como o do Mercosul com a União Européia, e a inclusão do Brasil em agendas e fóruns internacionais, como a OCDE. O seu desprezo profundo pela emergência climática faz dele um inimigo da humanidade. O Brasil só não sofre, ainda, sanções internacionais mais graves, por conta da expectativa de que as eleições gerais de outubro encerrem esse período trágico.

Qualquer outro presidente que venha a ser eleito disporá de um crédito de confiança por parte da comunidade internacional. O Brasil, megadiverso e grande produtor de alimentos, é um país estratégico para se enfrentar os maiores desafios do século. Porém, a reversão do atual isolamento e a sua requalificação, para potencializar as oportunidades existentes na difícil conjuntura mundial, não será automática, dependerá da vontade política do novo governo e da adoção de políticas com metas definidas e resultados palpáveis.

Na Amazônia, por exemplo, essas políticas terão que dar conta conta dos passivos acumulados e de frear o avanço de inúmeras frentes predatórias ilegais, mas fomentadas no atual governo, com articulações políticas e de mercado, que não serão desativadas por iniciativa própria ou por geração espontânea. O caminho será longo e penoso.

Mas a mudança política reporá, na ordem do dia, a possibilidade do Brasil construir um projeto de desenvolvimento que tenha, como porta-bandeira, a sua formidável diversidade socioambiental, que terá que vir da disputa política e das respostas às agruras que nos estão sendo impostas pela crise climática.

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