A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) analisou 503 experiências de agroecologia em 307 municípios, de todos os estados do Brasil, para entender como essas iniciativas estão sendo afetadas e como estão enfrentando as mudanças climáticas nos territórios.

Os impactos sobre a produção de alimentos são alarmantes. A diminuição e a perda da produção, assinaladas em 56,3% e 48,1% das experiências, respectivamente, apresentam um cenário de insegurança alimentar e nutricional devido não somente à diminuição da quantidade de alimentos disponíveis, mas também da qualidade alimentar. A pesquisa também identificou que, para 43,9% das experiências, setores do agronegócio são responsáveis por intensificar as mudanças climáticas nos territórios.

O mapeamento “Agroecologia, Território e Justiça Climática” foi realizado de abril a junho de 2025 e os principais resultados estão disponíveis para consulta no site da ANA e na plataforma Agroecologia em Rede. Além de dados sobre como as experiências agroecológicas estão contribuindo para a adaptação e mitigação às mudanças climáticas no Brasil, o mapeamento traz percepções do seu impacto sobre a produção de alimentos, a saúde da população e do meio ambiente, assim como dados sobre os fatores que agravam as mudanças climáticas e o acesso limitado a políticas públicas, entre outras informações. 

A iniciativa revelou ainda que as experiências envolvem mais de 20 mil pessoas e são protagonizadas por, ao menos, 28 grupos: agricultoras/es familiares, camponesas/es, educadoras/es, estudantes, agricultoras/es urbanos, jovens, povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais que usam o conhecimento e a prática agroecológica em seus territórios.

Temperatura foi primeiro sinal

Para 66% das experiências, as mudanças no clima aconteceram nos últimos 5 e 10 anos. O aumento da temperatura foi um fenômeno citado por mais de 73% das experiências. Em sequência ao aumento da temperatura, cinco categorias apontam para transformações no ciclo da água: alteração no calendário de chuvas (70,8%), diminuição das chuvas (57,3%), chuvas extremas (37%), alagamento de áreas (26%) e aumento das chuvas (25%).

Foi identificado também o desaparecimento de espécies e variedades vegetais nativas (36,2%), espécies animais nativas (30,4%) e espécies e variedades vegetais agrícolas (19,7%). Ainda se destaca a percepção do aumento de doenças nas criações animais em 12,3% das experiências.

No que se refere à saúde humana, em 34,4% das experiências foi citado o aumento de enfermidades devido às mudanças climáticas, como doenças cardíacas, diminuição da imunidade e adoecimento mental.

Outro impacto relatado diz respeito à piora da qualidade do ar, que foi percebida por 42,9% das experiências, sobretudo, em grandes centros urbanos e áreas de mineração.

Práticas em destaque 

As ações relacionadas à produção, beneficiamento, acesso a alimentos e mercados representam os focos principais de 35% das experiências mapeadas. Segundo Helena Lopes, pesquisadora da Fiocruz e integrante do GT Justiça Climática e Agroecologia da ANA, o dado mostra o papel da agroecologia tanto na promoção da segurança alimentar e nutricional como na democratização do acesso ao alimento saudável. “Isso ocorre, por exemplo, sob a forma de feiras, mercados institucionais, parceria com cozinhas solidárias, bancos, trocas e doações de alimentos”, ela explica. 

Experiências mapeadas em Guanambi (BA). Imagens: Acervo Agroecologia em Rede

O mapeamento também identificou que outra prioridade das experiências está vinculada às estratégias de conservação da agrobiodiversidade e convivência com os territórios (31,4%): são combinações de práticas de regeneração ecológica, como manejo do solo, Sistemas Agroflorestais (SAFs) e salvaguarda de espécies vegetais e animais, agrícolas e nativas. O destaque é para as agroflorestas (10%), que desempenham múltiplos papéis: produção de alimentos, reflorestamento/recaatingamento, diminuição da temperatura, conforto térmico e absorção de gases de efeito de estufa.

Diferentes iniciativas de salvaguarda foram apontadas pela pesquisa. A salvaguarda de sementes – que se refere à preservação de sementes de plantas em ambiente controlado – aparece em 37,2% das experiências, e a salvaguarda de raças crioulas de animais em 9,15%.

Entre as iniciativas de salvaguarda mapeadas, está a Missão Sementes de Solidariedade, uma ação coletiva articulada por 23 organizações, coordenada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e suas cooperativas, que tem por objetivo “apoiar comunidades camponesas do Rio Grande do Sul afetadas por eventos socioambientais extremos”.

A ação garantiu a distribuição de sementes, mudas e ramas, além de assistência técnica a comunidades atingidas em 2023 e 2024. As doações alcançaram 59.318 kg de sementes de milho, 16.140 kg de sementes de feijão e 4.800 kg de sementes de arroz, entre outras variedades.

A pesquisa também identificou iniciativas da agricultura familiar que valorizam a criação de raças nativas de animais e raças adaptadas aos diferentes territórios, garantindo o bem estar animal e formas de alimentação saudáveis e com autonomia. Essas práticas vão na contramão da atividade pecuária convencional, que tem reduzido consideravelmente as raças animais, com formas de criação baseadas na alimentação com rações transgênicas e em condições que favorecem o aparecimento de doenças.

A experiência de Valorização das Guardiãs das Raças Nativas na Agricultura Familiar no Semiárido Paraibano, por exemplo, tem como foco as agricultoras e jovens guardiãs de raças nativas de animais (galinhas de capoeira, caprinos e ovinos), a construção de estratégias para cuidado dos animais – com oficinas sobre alimentação e sanidade – e a organização de fundos rotativos de animais de raças nativas.

Como a agroecologia responde à crise climática 

Nos distintos territórios, as experiências têm percebido como suas práticas contribuem com o enfrentamento das mudanças climáticas, seja no âmbito da adaptação, da mitigação ou da promoção da justiça climática. Entre elas, destacam-se o manejo e a conservação do solo (70,7%) e da água (42%), a diversificação dos sistemas produtivos (63%), o plantio de árvores e reflorestamento (56,9%), a compostagem (52,7%) e o tratamento ecológico de esgotos (26,2%). 

“Ao adotar a diversidade como princípio orientador, as experiências também demonstram como a agroecologia é capaz de agregar distintas espécies, conhecimentos e culturas, que coexistem num mesmo território”, afirma Lopes. Ela lembra também como a análise do conjunto das experiências apresenta estratégias coletivas baseadas em valores como cooperação, solidariedade e complementaridade com a natureza.

As experiências apontam ainda que não é possível enfrentar as mudanças do clima de forma individualizada. Quase 50% das experiências percebem que a organização de grupos e comunidades é uma prática que contribui para o enfrentamento das mudanças climáticas.

Esse é o caso da experiência realizada na região amazônica, no município de Morros (MA). Lá a Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Povoado Patizal conta com 43 membros de dez diferentes povoados. Juntas/os constituíram o Acordo Socioambiental da Associação, um instrumento de gestão territorial que reúne regras de condutas coletivamente definidas no cuidado com os bens comuns. As/os agricultoras/es adotaram práticas adequadas para proteção ambiental e manejos adequados do solo e da água para assegurar a continuidade da produção agrícola e a qualidade de vida no território.

Já nas seis aldeias da Terra Indígena Cachoeirinha, em Miranda (MS), a ação “Guardiões do Clima”, que atua com a formação de lideranças indígenas entre crianças e jovens, analisa a transformação do clima a partir das referências tradicionais e do diálogo com os conhecimentos científicos.

Para Ariadnny Antônio Cebalio, de 18 anos, “ser uma Guardiã do Clima é entender e conhecer o meu território para, assim, achar uma solução lógica de melhora”. Para Alexandre de Arruda Antônio, de 16 anos, “cuidar do clima e do território não é responsabilidade só de quem vive aqui, mas, sim, de todos. A natureza é nossa casa comum e precisa de união e respeito”.

O mapeamento Agroecologia, Território e Justiça Climática faz parte do projeto “Redes de agroecologia no enfrentamento às mudanças climáticas: uma pesquisa-ação desde os territórios”, que é coordenado pelo Grupo de Trabalho Justiça Climática e Agroecologia da ANA, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e as ONGs AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, Associação Agroecológica Tijupá e Fase – Solidariedade e Educação. A iniciativa conta ainda com o apoio do Agroecology Fund, do International Development Research Centre (IDRC) e do World Animal Protection (WPA).