Mais de 50 organizações manifestam repúdio à prisão de coordenadora do MTST no DF
Movimento aponta que provas do processo não atestaram “veracidade das acusações”; Zezé foi presa nesta segunda (3)
Por Valmir Araújo, do Brasil de Fato
A líder comunitária e coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no Distrito Federal, Maria José Costa Almeida, conhecida como Zezé do MTST, foi presa nesta segunda-feira (3), pela Polícia Civil do DF em Planaltina, após um mandado de prisão expedido pela Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
De acordo com a decisão da justiça, Zezé foi condenada por crimes de extorsão e ameaça, que, segundo sua defesa, foi baseada em testemunhas, o que fortalece o argumento de que a líder comunitária foi alvo de retaliação ao seu trabalho histórico nos movimentos sociais, por direito à moradia.
Em nota o MTST disse que o caso é um flagrante de injustiça e apontou que a condenação é baseada em um processo “sem provas, após denúncias frágeis que atribuíram a ela o crime de extorsão”.
“Durante o processo, foram apresentadas várias testemunhas que atestaram a inocência de Maria Zezé e nenhuma prova que apresentasse a veracidade das acusações. Mas mesmo assim houve a condenação e ontem ela foi detida em frente ao seu filho adolescente, sem que nunca fosse comprovada verdadeiramente a sua culpa”, destaca trecho da nota.
O deputado distrital Fábio Félix (PSOL) destacou a luta de Zezé por moradia. “Esse processo é um típico caso de criminalização dos movimentos sociais”, afirmou o parlamentar.
“É uma mulher negra, periférica, que dedicou sua vida ao movimento popular. Eu vejo essa prisão como uma injustiça que eu espero que ainda possa ser revertida”, ressaltou Fábio Félix. A líder comunitária trabalhava na liderança do bloco PSOL/PSB na Câmara Legislativa, mas foi desligada em razão da detenção.
Mandado de prisão
O mandado de prisão contra Zezé foi expedido no dia 28 de maio pela magistrada Francisca Danielle Vieira Rolim Mesquita, do TJDFT, em que determinou a expedição da ordem de custódia. O motivo seria a sentença condenatória transitada em julgado, a ser cumprida no regime semiaberto, pelo prazo de quatro anos e seis dias.
Em 2013, Maria José Costa Almeida foi acusada de extorsão no Condomínio Nova Planaltina, em que, segundo a denúncia, ela exigiu pagamentos de quem recebesse o Auxílio Vulnerabilidade Excepcional do GDF, sob ameaças. A defesa de Zezé nega e lembra que a acusação se sustentou apenas em provas testemunhais, que não correspondem à verdade.
Defesa de Zezé
A advogada Ingrid Martins, que deu suporte jurídico a Zezé durante o processo, destacou que a condenação foi baseada apenas em depoimentos testemunhais e que não há nenhuma outra prova das supostas ameaças e extorsões. “Os depoimentos são das supostas vítimas que foram à delegacia com ilações sobre Maria José em razão de discordância na condução da Ocupação e das decisões tomadas em assembleia”, afirmou.
“Naquela época foi feito um acordo, aprovado em assembleia pela maioria das famílias, de desocuparem o terreno com a garantia de receber um auxílio excepcional enquanto aguardavam o andamento da política habitacional. Isto é, aguardavam a fila da Codhab, posto que o auxílio é subsidiário à política habitacional”, narrou a advogada, acrescentando: “as pessoas que a denunciaram, resolveram por ficar no terreno e, em razão disso, o auxílio foi cortado pelo DF, uma vez que o subsídio era para custear aluguel e estas famílias não faziam, portanto, jus ao auxílio”.
Ainda segundo a advogada, tratam-se de “depoimentos de má fé que colocam a culpa pelo corte do auxílio, que é feito pelo Governo do Distrito Federal, na Maria José e, posteriormente, foram feitas denúncias falsas aparentemente por uma vingança”. Segundo Ingrid, parte dos depoimentos afirmavam a existência de áudios para comprovar as alegações, porém não foram apresentados e o Ministério Público não solicitou.
“A prova testemunhal é admitida em processo penal, mas costuma ser utilizada em conjunto com outros elementos probatórios, como fotos, conversas, áudios, vídeos”, considerou a advogada. De acordo com ela, “infelizmente, no caso em questão o juiz se valeu exclusivamente dos depoimentos das testemunhas, sem nenhuma outra prova que corroborasse com aqueles depoimentos”.
A defesa de Zezé ainda está sendo definida, bem como a melhor estratégia para reverter a prisão e a sentença.
A nota do MTST destaca também que o momento é difícil e que o movimento está tomando todas as medidas possíveis “para garantir a liberdade de Zezé e provar sua inocência. Nós pedimos que justiça seja feita e que mais uma vez uma mulher, lutadora social e honesta não vire estatística no sistema carcerário brasileiro”.
Lutar não é crime!
Mais de 50 organizações, coletivos, movimentos sociais e partidos políticos assinam nota “Lutar não é crime” em apoio à Zezé e em repúdio à prisão. Entre estas organizações estão, PSOL, PT, PSB, Rede Sustentabilidade, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, CUT-DF, União Nacional por Moradia Popular, Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília (DCE/UnB), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro).
A nota aponta que esse é mais um exemplo de criminalização dos movimentos sociais no país. “Não podemos aceitar que, em nome da justa luta pelo direito a uma casa para morar, mais uma mulher negra faça parte das estatísticas de encarceramento do Brasil”, diz um dos trechos. A nota “Lutar não é crime” está aberta para adesões.
O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no DF (IAB-DF), Luiz Eduardo Sarmento, destacou que conhece o trabalho e atuação de Zezé desde 2015 e que ela é uma liderança importante de luta pela reforma urbana, direito à moradia e do movimento negro. “Espero que essa decisão e pena injusta seja revista. Os últimos anos deixaram claro como o Judiciário pode ser absolutamente injusto e, sendo poder ocupado principalmente pelas elites, possui enormes dificuldades para compreender as dinâmicas dos movimentos sociais, das ocupações e de suas lideranças”, afirmou.
Criminalização
A presidente do PSOL-DF, Giulia Tadini, disse que a condenação de Zezé é mais um exemplo de criminalização de movimentos sociais. “Vemos com muita preocupação que uma das principais lideranças da luta pela terra no Distrito Federal tenha sido vítima dessa criminalização. A luta pela justiça social, pela moradia e pela terra segue sendo fundamental no DF”, afirmou Giulia, acrescentando: “Lutaremos para que a justiça reconheça a inocência de Zezé e lhe garanta a liberdade”.
Já a ativista pelos direitos da população negra, Jacira da Silva, destacou o fato de Zezé ser mais uma mulher negra de luta como alvo de violência política e institucional. “Mais uma mulher negra que está sendo criminalizada em função do trabalho que desempenha pelo direito à terra”, afirmou Jacira, acrescentando que Zezé também é uma importante companheira na luta contra o racismo e espera que seja solta em breve.